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terça-feira, 21 de outubro de 2008

A VOZ DA EUROPA

No momento inicial é pura emoção de mídia. Depois se torna corriqueiro e a notícia se refere aos efeitos, aí já perdendo a raiz da questão. Na ocasião do sofrimento, quando a recessão quebra o patrimônio das pessoas e os trabalhadores não têm mais salários, se torna uma briga intestina, de acusações, de salvadores da pátria e, principalmente, de furor apressado em passar o trator sobre todos em busca de salvação. Grosso modo é o retrato da recessão, considerando o grande efeito depressivo sobre todos, a falta de perspectiva e o futuro incerto, incluindo, no cardápio das famílias, apenas a sobrevivência.

Pela voz de Gordon Brown, primeiro-ministro da Grã-Bretanha o texto da cooperação global diante da atual crise do sistema financeiro. De cara ele fala o óbvio: é a primeira crise financeira da nova era da globalização. Então a questão deste neoliberalismo em crise já não é a mesma do liberalismo do século XIX, antes dos Estados Nacionais agora da Cooperação Global: com problemas globais e soluções igualmente globais. Qual o teor desta cooperação? Segundo Brown: a paz e a prosperidade são indivisíveis.

Como a competição nas economias já não é mais nacional e sim global, as economias não são mais fechadas e sim abertas, é preciso uma nova reconstrução das instituições internacionais que hoje se encontram ultrapassadas em termos de realidade. Segundo o primeiro-ministro: os fluxos internacionais de capitais podem ser grandes a ponto de sobrepujarem governos. Então restou para quem atua nestes fluxos a questão da confiança e ela já não mais existe. Para restabelecer a confiança o G8 propõe não apenas o restabelecimento da liquidez do sistema bancário, mas a capitalização e o financiamento dos bancos.

Então eis a tese do G8, colocar pinos para restabelecer a fratura do sistema financeiro internacional. Aí vem o perigo para todos nós a sul do mundo. Na semana que passou os líderes europeus se juntaram e propuseram os princípios básicos para um novo Bretton Woods: transparência, segurança, responsabilidade, integridade e governança global. Quando tudo poderia se esclarecer, ou seja, qual o papel de quem não é europeu ou norte americano, o discurso de Brown aponta para questões de gestão na governança global, pois é justamente nisso que o perigo mora.

Governança Global sobre a lógica dos grandes capitais, das grandes corporações e do poder das grandes economias não leva a estabilidade alguma, tanto na crise atual como no futuro, inclusive em relação à questão extremamente relevante da gestão ambiental. Ou seja, da prosperidade como eixo da paz e os limites da capacidade do planeta. É nítido como o trabalhismo já não fala pela voz do político desta origem, vejamos o que diz Brown de tal governança: supervisão internacional de instituições financeiras, padrões globais compartilhados de contabilidade e regulação; uma forma mais responsável para remunerar executivos que premie o trabalho duro, o esforço e a iniciativa e as instituições internacionais capazes de alarmes antecipados para a economia mundial.

Ao final o primeiro-ministro, após apontar a "maquinaria" necessária para os interesses do G8, controladora, padronizada e sobre a pressão de instituições internacionais mais duras, concede um termo de interesses das nações mais pobres: a questão de acordos comerciais globais que rejeite o protecionismo. Agora, no calor de endurecer as regras globais, vem uma concessão que não mais se sustenta nestes termos, pois a se considerar o que se quer para Europa e EUA, acordos comerciais globais podem se tornar apenas uma divisão internacional do trabalho e produção. Os países ao sul como produtores de commodities e eles do norte, produzindo tudo aquilo que tem "valor agregado".

O discurso de Gordon Brown foi feito para os paises centrais tomarem as rédeas do mundo neste momento de crise. Por isso é que não falam em mudanças na ONU, na OMS ou na Unesco. Enquanto capitalizam bancos, o mundo afunda em enormes problemas sociais e de fome. O dinheiro gasto só nas últimas semanas não chega aos pés de tudo que foi gasto com preservação ambiental em todo o século XX. Não se fala na mudança de patentes para medicamentos e nem em recursos para doenças negligenciadas. Não se fala em educação global, em segurança alimentar, em segurança nas cidades.

No meu entender, o discurso do velho imperialismo não cedeu com a crise. Ninguém pensa na humanidade como conteúdo da globalização. Ninguém pensa no trabalho como elemento central do capitalismo.

A BÚSSULA DA VIDA NO COTIDIANO DO RIO DE JANEIRO

Quatro pontos cardeais no espaço compreendido entre o Passeio Público e a Cinelândia.

A oeste, no quadrilátero compreendido pela Escola de Música da UFRJ, a Sala Cecília Meirelles, a Igreja da Lapa e o Muro do Passeio Público. Nele um mulato magro, com o tronco nu, calças encardidas e arregaças, um violão, um microfone e a caixa de som. Neste ponto cardeal a voz amplificada e as batidas metálicas das cordas reboam como as nuvens atômicas no largo limitado pelos Arcos da Lapa e sobem ao éter em busca do Alto de Santa Teresa.

A leste do Passeio, no largo para a Praça Manhatma Gandhi e o Hotel Serrador, de vista para a Senador Dantas. Um negro, com feições de indiano, tranças rastafári, boné, camisa preta e calças cinza, um par de tênis e uma trouxa ao lado. Ora sentado na borda estreita do muro do Passeio ou sobre o respiradouro da garagem subterrânea. O mais absoluto silêncio, uma contemplação de paisagem, mas ao mesmo tempo para o necessário espaço da fórmula com a qual estamos no mundo. Nunca os meus olhos encontraram os dele. Não observa ninguém. Todos os dias é o ponto cardeal do Centro do Rio de Janeiro. Como se alimenta e onde dorme a eterna pergunta do transeunte que ao seu lado passa, também com olhar de paisagem.

Ao norte da Cinelândia, bem em frente à Biblioteca Nacional de um lado e do outro o Bar Amarelinho, sentido oposto o Teatro Municipal e ao sul a silhueta do Pão de Açúcar. Sobre a grade do respiradouro do Metrô, onde os ventos do deslocamento das composições sopram, o terceiro ponto cardeal desta nossa vida disforme. Uma mulher magra, vestida em trapos sobrepostos, lenço na cabeça, negra, jovem e seu olhar esbugalhado para um ponto fixo defronte de si. Sentada sobre a grade do suspiro dos vagões que engolem e vomitam gente, ela eternamente dobra o tronco sobre as pernas num vai e vem, num sobe e desce como se fosse o pistão de uma máquina a vapor.

O quarto ponto, aquele que deveria dar sentido a esta desgraçada Rosa dos Ventos, se forma pelo vazio no qual foi um dia o Prédio do Senado Federal e o majestoso e branco edifício da Câmara dos Vereadores. Nesta planície a pluralidade que a sociedade é se torna o nada em razão dos demais pontos cardeais. Seja este um espaço amplo do burgo ou tal uma maquinaria de tempo a realizar. Afinal o espaço é um pântano e o tempo não maquinou nada. Continua como há mais de século, entre o espaço da senzala e o chicote no lombo do escravo.