"Olha um vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia”.
SÉRGIO RICARDO
Texto de Zé Nilton
Sérgio Ricardo é um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira. No entanto, sua música pouco tocou nos rádios e seus discos tiveram pífias vendagens. Para a grande massa consumidora da MPB parece que Sérgio Ricardo não aconteceu nem quando entrou na bossa nova ou quando adentrou para o Nordeste e se nordestinou musicalmente.
Poucas músicas suas estiveram em paradas musicais. Não que a música desse compositor, nascido em Marília-SP, seja muito rebuscada e de difícil assimilação pelos ouvidos sempre apressados de produtores e ouvintes. Não é isso não. Eu mesmo acho sua música simplesmente bela e de uma timbragem impressionante! É que Sérgio Ricardo – nome artístico de João Mansur Lutfi – nunca se rendeu ao esquema podre dos negociadores de nossa MPB. Pelo contrário, foi sempre um lutador de “faca, rifle e barabelo” na mão, virando “Zé do Cão” contra quem faltasse com respeito aos artistas, de qualquer arte, ou praticasse injustiça com quem quer que fosse. Chegou até a fundar uma empresa arrecadadora de direitos autorais – a SOMBRAS – para proteger os artistas das mãos dos falsários da MPB.
Para mim, Sergio Ricardo é assim como Dihelson Mendonça. Ficcionado na busca da perfeição na arte da música e da fotografia. Em Sérgio, a fotografia é cinema.
Só para informar melhor de quem estamos falando, o homem fora discípulo direto de Glauber Rocha, e não precisa dizer mais nada. Mas não se pense que isto só teria acontecido no cinema, a outra arte de Sérgio Ricardo. De jeito nenhum. O próprio Glauber disse certa vez que na hora da criação eles se confundiam tanto que invertiam os domínios: Glauber direcionava a música e Sérgio o roteiro. Está em quase todos os filmes de Glauber, seja assinando o roteiro, a trilha ou a orquestração das músicas de “Antonio das Mortes”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Terra em Transe” etc.
Iniciou sua vida musical estudando piano em família, e logo partiu, aos 15 anos, para viver da música, apesar dos pesares. Andou pelo interior de S. Paulo, trabalhando em rádio e chegou ao Rio de Janeiro nos comecinhos da bossa nova.
Como tantos pianistas, foi parar na noite em barzinhos da zona sul. Ali conheceu pessoas como Jonny Alf e Tom Jobim, que se tornariam excelentes músicos e compositores afamados no Brasil e no Mundo. Quando Tom Jobim, no afã de melhorar seus rendimentos financeiros, procurou o ofício de arranjador, numa famosa gravadora, foi Sérgio Ricardo quem ficou no seu lugar, como pianista, numa das boites do posto cinco.
Todo o tempo Sérgio Ricardo viveu entre a música e o cinema, com uma bela passagem pelas telenovelas das emissoras do Rio e de São Paulo. Seu primeiro filme foi “O menino da calça branca”, que com o apoio de Nélson Pereira dos Santos, diretor, e Dib Lutfi, seu irmão, na fotografia, chegou a ganhar o segundo lugar no Festival de Cinema de S. Francisco, Califórnia.
Seguiram-se outros como “Esse mundo é meu” – que obteve uma crítica de duas páginas na famosa “Cahiers du cinema”, “Juliana do amor perdido” e o premiadíssimo “A Noite do Espantalho”rodado inteiramente em Pernambuco, em Nova Jerusalém, tendo como ator e cantor de algumas músicas o iniciante Alceu Valença.
Sérgio Ricardo fora levado para compor o movimento da bossa nova pelas mãos do inquieto e revolucionário João Gilberto. Chegou a fazer um disco famoso de nome “A bossa romântica de Sérgio Ricardo”, e se tornou o primeiro a gravar dentro da nova tendência.
E tem mais: o nosso homenageado no Programa: COMPOSITORES DO BRASIL esteve naquela famosa caravana do Carnegie Hall, em 21 de novembro, de 1962, ao lado de Tom, Menescal, Carlinhos Lyra, João Gilberto, Sérgio Mendes, Luiz Bonfá, Milton Banana e tantos outros...e igualmente a Tom Jobim ficara por oito meses entre shows e montagem de roteiros de cinema, entre a América e a Europa.
Em festivais apareceu muito pouco. Mas as pessoas só lembram sua participação naquele II Festival de Música Popular, da Record-SP, em setembro de 1966, quando a platéia num rasgo de inquietação e intolerância vaiou, nas duas apresentações, a longuíssima música “Beto bom de bola”, e ele quebrou o violão no palco e jogou a carcaça no público. Aliás, foi o festival mais revelador da MPB. De saída, dois primeiros lugares: a Banda, de Chico Buarque e Disparada, de Vandré e Theo de Barros.
Talvez Sérgio Ricardo tenha sido um dos primeiros dissidentes ou questionadores das propostas da bossa nova. A música Zelão, (todo mundo entendeu quando Zelão chorou, ninguém riu, ninguém brincou e era carnaval), tem na batida e nos acordes a flâmula da bossa nova, mas a mensagem é de cunho social, e marca a saída de Sérgio Ricardo do movimento. Logo lhe cansa o formato do barquinho, do cantinho, do amor... e ele encontra outro tema, outra proposta, outra inspiração – o Nordeste e a musicalidade de seu povo.
Deixa, segundo ele, aqueles apelos médio-burgueses e encara a realidade do “Brasil de baixo”.
Descobre o sertão, lugar de Deus e do Diabo, da Perseguição (...se entrega Corisco, eu não me entrego não”), da Sina de Lampião, de Zé do Cão, dos “Bichos da Noite”, da “Briga de Faca” da Tocaia, do Coronel, das assombrações, dos violeiros e dos cantadores. Daí em diante sua música muda de ritmo, de dissonância, de mensagem, e ele solta a voz no mundo, cunhada na música “Ponto de Partida”:
“Não tenho para minha mão
Somente acenos e palmas
Tenho gatilhos e tambores
Teclados, cordas e calos
.........................................
“Tenho para a minha vida
A busca como medida
O encontro como chegada
E como ponto de partida”.
Sérgio Ricardo é a atração dessa quinta-feira no Programa: COMPOSITORES DO BRASIL. Falaremos um pouco de sua vida e de sua obra ao som de:
Buquê de Isabel, de Sérgio Ricardo, com Maysa
Pernas, de Sérgio Ricardo, com Sérgio Ricardo
Zelão, de Sérgio Ricardo, com Sergio Ricardo
Esse mundo é meu, de Sérgio Ricardo, com Sérgio Ricardo
Folha de papel, de Sérgio Ricardo, com Sergio Ricardo
Ponto de Partida, de Sérgio Ricardo, com Sergio Ricardo
Sina de Lampião, de Sérgio Ricardo, com Sérgio Ricardo
Semente, de Sérgio Ricardo, com Sérgio Ricardo
Calabouço, de Sérgio Ricardo, com Sergio Ricardo
Vou renovar, de Sérgio Ricardo, com Sergio Ricardo
Tocaia, de Sérgio Ricardo, com Sérgio Ricardo
Quem ouvir, verá !
Programa: Compositores do Brasil
Pesquisa, produção e apresentação de Zé Nilton
Todas às quintas-feiras, às 14 horas
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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
COMPOSITORES DO BRASIL
Ensino de artes: vai qualquer um(a)?
Por Alexandre Lucas*
O ensino das artes tem que assumir um caráter vivencial, acoplado a sistematização dos conteúdos, como forma de aproximação e apropriação da realidade. É dicotômico postular um ensino de artes separado do seu objeto de estudo, da sua contextualização histórico-social, bem como desconsiderar a formação docente na área.
Entretanto, ainda é reinante concepções de ensino de artes a serviço da técnica e do Ctrl - C e Ctrl – V, ou da livre expressão sem direção ou ainda da teorização estereotipada da arte que só serve para reforçar a distância entre a arte e o grande público. Além de persistir uma institucionalização da política “do vai qualquer um (a)” para o ensino de artes.
Pensar a educação em artes nas escolas de Ensino Básico pressupõe formação específica nas áreas de artes ou de arte-educação e ainda se exigi domínio de linguagens artísticas, no que concerne a compreensão teórica pelo menos. Temos que pensar na polivalência das artes e não no docente polivalente para o ensino de artes. Isso significa dizer, por exemplo, que a música, o teatro, as artes visuais e o cinema têm características e formações peculiares.
Refletir sobre esse processo é considerar a igualdade do ensino das artes comparadas às demais disciplinas curriculares, como o ensino da Matemática e da Língua Portuguesa. Pois essa tentativa de diferenciação valorativa é de cunho histórico e de classe. Na visão da classe dominante, o trabalhador deve de se apropriar do mínimo necessário exercer as suas funções de mero operacionalizador neste sistema, saber ler e escrever, somar, dividir, subtrair e multiplicar são algumas das exigências. Por isso a tentativa de desvalorização e desqualificação das demais disciplinas ligadas à reflexão social e política, como a literatura, a filosofia, a sociologia e as artes.
É necessário apontar para uma perspectiva político-pedagógico que possa reconhecer a arte, enquanto, elemento de emancipação humana, de desenvolvimento cognitivo, interação e de criação. Para tanto é imperativo pautar a relação entre teórica/pratica como alimento dialético capaz de romper com as compreensões reacionárias, atrasadas e conservadoras para o ensino das artes.
É inadmissível, irresponsável e antipedagógico, permanecer com modelos e praticas acometida de tempos remotos e de pouca abertura aos cursos de graduação no país. A conjuntura é outra, ampliou-se de forma considerável nas ultimas décadas, as graduações e cursos de especializações nas áreas de artes, portanto as práticas pedagógicas e as formas de gerir o sistema público de ensino também devem assumir outras características.
Enquanto não for desalojada a política do “vai qualquer um(a)”, nos resta contestar a continuidade do modelo de lotação de professores (as), que em muitos casos é desconsiderada as formações específicas e na maioria dos casos o professor(a) de artes acaba sendo o que tem formação em outra área do conhecimento e isso acarreta sérios prejuízos para o processo de ensino-aprendizagem, pois não podemos pensar a educação sistematizada sem um arcabouço teórico que possa subsidiar a prática político-pedagógica. Por bem, num vale qualquer um (a) não!
*Coordenador do Coletivo Camaradas, pedagogo e artista/educador
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