
Zito e Lídia casaram-se e foram morar numa casinha que haviam construído para eles, bem próxima à linha do trem, num bairro da entrada da cidade. A casa estava toda mobiliada, mas havia um problema. Toda vez que o trem passava, a porta do guarda-roupa se abria. Mesmo quando presa por uma folha de papelão dobrada ou travada pela fechadura, não tinha jeito, era só o trem passar que ela ficava aberta. Parecia que aquele móvel possuía um sismógrafo que detectava os mínimos tremores da terra sob o impacto do peso do trem. Claro que os dois pombinhos ficaram muito chateados por causa desse defeito.
Numa certa manhã, Lídia perguntou se a vizinha conhecia algum marceneiro que pudesse consertar a porta de seu guarda-roupa. Ela lhe indicou Moésio, um verdadeiro artista em tudo que fosse madeira. Mas fez uma ressalva: “Tome muito cuidado com ele. É o maior “Don Juan” desse bairro. Quando se embeleza de uma mulher, não há quem resistia aos seus encantos.” Lídia preferiu contar ao marido a existência desse marceneiro e pediu que ele fosse procurá-lo. Zito obteve informações sobre o marceneiro Moésio com um colega de trabalho, que lhe disse onde encontrá-lo e passou para ele toda fama da qual o moveleiro era possuidor. “Cuidado com sua mulher. Marque para ele ir consertar seu guarda-roupa numa hora em que você estiver em casa.” Zito assim procedeu. Marcou para o meio dia, quando ele estaria em casa para o almoço.
Aconteceu que o Moésio tinha uns serviços nas proximidades da casa do Zito e tão logo concluiu seu trabalho, aproveitou que estava perto da casa do seu novo cliente e por lá chegou um pouco antes do meio dia. Ao bater à porta, foi atendido por Lídia, uma morena muito bonita. Mas manteve-se sério, pois sua fama de mulherengo já estava complicando sua vida. Entrou na casa e a mulher lhe mostrou o móvel. Ele olhou, examinou cada detalhe e afirmou. “Minha senhora, o defeito é interno. Preciso ficar dentro do guarda-roupa para quando o trem passar eu descobrir onde está a falha que faz a porta abrir.” E assim foi feito.
Pouco depois das doze horas, Zito chegou apressado, pedindo que a mulher lhe servisse logo o almoço, pois ele iria verificar de perto o serviço que teria de ser feito no guarda-roupa. Passou direto para o quarto para trocar de camisa. Ao abrir o guarda-roupa, surpreso, viu Moésio abaixado lá dentro. E cheio de desconfiança perguntou: “Que diabos é que você está fazendo ai dentro?” E o pobre carpinteiro respondeu: “Se eu lhe disser que estou esperando o trem passar, o senhor não vai mesmo acreditar... não é?...”
Adaptação de Carlos Eduardo Esmeraldo
História original narrada por Chico Anísio, no jornal “Tribuna do Ceará” 1976/77(?)