A HISTÓRIA DA ESTÁTUA do "Padim" na Colina do Horto se confunde com a própria memória de Juazeiro. Na Pça. Padre Cícero, outra estátua guarda a memória do "pai dos romeiros"
Juazeiro do Norte A imagem se tornou viva na fé do nordestino, um símbolo sagrado do romeiro. Na voz do "Rei do Baião", Luiz Gonzaga, ele aponta o seu olhar e dá mais brilho pela canção ao monumento mais conhecido do Nordeste. "Olha lá, no alto do Horto, ele tá vivo, o padre não está morto...". O viva ao "Padim", quatro décadas depois de inaugurada a estátua, será dado na manhã deste domingo, com a comemoração de aniversário de 40 anos e lançamento de projeto de recuperação. Considerado o terceiro maior monumento em concreto armado do mundo, são 28 metros, a partir da base.
O local passou a ser um dos principais pontos de visitação do romeiro nordestino. Tornou mais conhecida a figura mítica do Padre Cícero. O primeiro fato que contribuiu para a sua fama por todo o Nordeste foi o milagre protagonizado pela beata Maria de Araújo, com o sangramento da Hóstia, no ano de 1889. Ontem pela manhã, a beata recebeu uma homenagem (em memória) em sua casa de nascimento, onde atualmente funciona o prédio dos Correios, na Rua da Conceição, no Centro da cidade. Antes era uma velha casa de taipa. Uma placa foi afixada no local, contando um pouco de sua história.
Estátua de madeira
Mas a história das imagens do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, começa com a sua própria concordância. O escultor Inocêncio da Costa Mik, o Mestre Noza, foi quem primeiro teve o estalo de homenagear o padre com uma estátua em madeira. Algumas imagens do escultor que fez história podem ser vistas no Centro Cultural Banco do Nordeste, no município. Ele levou o seu trabalho, prontamente aprovado pelo sacerdote na época.
De lá para cá, são milhões espalhadas pelo mundo. Uma verdadeira indústria de estátuas do "Padim" em fábricas, quintais de casas. São centenas de famílias que sobrevivem do ofício de confeccionar a imagem mais popular do Nordeste. Para o ex-prefeito Mauro Sampaio, que abraçou a ideia de homenagear o Padre Cícero e os romeiros com um grande monumento, em seu primeiro mandato de prefeito na cidade, um momento iluminado em sua vida. Se foi a maior obra de Juazeiro, ele é reticente, mas destaca em suas palavras que, com certeza, é a mais falada.
Do Horto, a imagem de Padre Cícero, o conselheiro das massas como é denominado por estudiosos, com o seu cajado na mão direita e o inseparável chapéu, na esquerda, lança o olhar protetor sobre o Cariri, de um dos pontos mais altos da região. De longe, um ponto branco em meio ao verde da serra. Poderia ser até maior, como diz o escritor Geraldo Menezes Barbosa, diante da constatação do coordenador da obra, Jaime Magalhães. O escultura foi projetada pelo pernambucano, Armando Lacerda. Ele não era um profissional do ramo, mas apresentou um projeto que foi logo aprovado pelo então prefeito Mauro Sampaio, em 1967, logo que assumiu a administração municipal, pela primeira vez.
E foi pela boca de um religioso que nasceu o pedido da maior homenagem ao mito. Era o Beato Cruzeiro, que foi até a casa do prefeito, logo pela manhã, e fez o pedido para construção de um cruzeiro no Horto em homenagem ao "Padim". "Um homem magro, moreno, de estatura mediana, que vestia uma túnica preta com uma grande cruz branca nas costas", descreve. O prefeito trouxe a ideia da estátua, e o beato não acreditou. Se vinha o pedido de construção do cruzeiro a outros prefeitos, e não tinha se realizado, imagine da estátua. Mas veio. "Nunca vi aquele homem antes e nem depois daquele dia", disse Mauro Sampaio.
Por coincidência, no dia seguinte, na mesma hora, o prefeito recebeu uma nova visita, dessa vez de um amigo comerciante, Francisco Alves Nobre, em companhia de um homem, que seria o escultor Armando Lacerda, revendedor de bebidas. Em pouco tempo, ele apresentou a maquete, que hoje está na sala da residência do ex-prefeito. Ele preserva de forma original, ainda com os riscos que davam ideia das medidas da estátua, com pouco mais de um metro e meio. Inicialmente se pensou em seis metros de altura e foi aumentando até chegar aos 25, incluindo mais três com a base.
"A construção do monumento se deu pela influência que o padre exerceu sobre os romeiros de todo o Nordeste, o que o transformou no grande líder e condutor de todos os movimentos de desenvolvimento da nossa região", diz ele, ao acrescentar que o monumento é um grande referencial em todo o Brasil.
A estátua, depois de inaugurada, passou a ser um chamariz maior dos romeiros e turistas para a cidade, além de pesquisadores de vários países do mundo, que vieram a Juazeiro pesquisar a razão do crescimento e devoção dos romeiros. Uma forma de chamar mais a atenção para o maior fenômeno da religiosidade popular do Brasil. "Jamais imaginaria que pudesse provocar esse movimento tão intenso, que cada vez mais aumenta, chama a atenção e difunde as virtudes do nosso grande patriarca", revela.
O ex-prefeito também faz uma observação quanto a abertura da própria Igreja Católica em relação ao sacerdote. "Quebrou todas as barreiras. Hoje, o próprio bispo dom Fernando Panico vai a Roma fazer o pedido de reabilitação do Padre Cícero ao papa. Isso é altamente confortante para mim, por ter tido a iluminação de construir esse monumento que, naquela época, só Deus sabe as dificuldades que enfrentei", avalia ele.
A escolha do Horto como local seguiu critérios. As caminhadas e pagamentos de promessas pelos romeiros já aconteciam para o Santo Sepulcro, a poucos quilômetros da estátua, e no local o Padre Cícero começou a fazer uma capela, e foi proibido pelo bispo de continuar a construção. "Aproveitei os alicerces da própria capela para fazer a estátua do Padre Cícero", afirma Sampaio.
"Dentro da estátua é como uma catedral", diz o escritor e jornalista Geraldo Menezes Barbosa, que esteve no ato da inauguração. Aconteceu às 18 horas, com a presença de autoridades do Estado e da região e uma grande multidão de romeiros. A luz foi acionada por controle remoto da própria Igreja Matriz. "Foi grande a repercussão", diz Geraldo Barbosa.
Texto: Diário do Nordeste, edição de 31 de outubro de 2009