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quarta-feira, 14 de maio de 2008

A imprensa livre e seus inimigos

A excelente biografia de D. Pedro II, escrita por José Murilo de Carvalho, deixa uma imagem especialmente generosa do imperador. Como diria o biógrafo, ele teria sido o mais republicano de nossos líderes, apesar de monarca. Chego a duvidar do acerto dessa metáfora, quando observo que, no Segundo Reinado, conforme o próprio autor, nunca houve tanta liberdade de imprensa no Brasil. A complacência do imperador com os órgãos jornalísticos era tamanha que nem mesmo sua majestática pessoa era poupada de críticas agudas, charges desrespeitosas e matérias destrutivas. A maior parte, diga-se, sem lastro na verdade. Como se podia atacar livremente a vítima, que não reagiria sob hipótese alguma, os jornais davam passagem à fúria persecutória. D. Pedro II considerava o abuso na liberdade de imprensa um preço baixíssimo a pagar em nome de conservar no Brasil os valores da Civilização.



Com a República, as relações com a imprensa mudaram radicalmente. Até a década de 1960, a melhor forma de silenciar jornais e jornalistas incômodos era o “empastelamento” e o exílio, respectivamente, ao exemplo da destruição da redação de “O Globo” e o degredo de Júlio de Mesquita, do “Estado de São Paulo”, nos anos 1930-1950. Até o Governo Sarney, a censura foi outro mecanismo eficaz de calar a verdade jornalística. Sonetos de Luís Vaz de Camões eram estampados nas páginas dos grandes veículos, como protesto à supressão de matérias inteiras pelos censores oficiais. Com a redemocratização, especialmente após a Constituição de 1988, os inimigos da liberdade de imprensa ficaram órfãos. Desapareceram os agentes por intermédio dos quais impediam a atuação independente dos jornalistas, a turba dos “empasteladores” e os famigerados agentes de censura.



Nos últimos 5 anos, a impaciência dos inimigos da imprensa livre chegou a níveis extremos. Era necessário sujar as mãos e amordaçar ou esganar aqueles irresponsáveis que, com suas palavras, escritas ou faladas, punham abaixo edifícios inteiros de corrupção e peculato, espantando quadrilheiros como pequenos mamíferos roedores que abandonam os navios ao primeiro sinal de naufrágio. Descobriu-se um meio: a intimidação judiciária.



No Reino Unido, a pátria da liberdade de imprensa, são comuns – e até corriqueiros – os processos contra os tablóides ingleses, que muita vez violam a intimidade e a vida privada de alguns súditos britânicos. O processo judicial é um meio democrático de se resolver essas desavenças e de conter os abusos da imprensa. No Brasil, porém, descobriu-se que o ingresso maciço de ações contra um jornalista ou órgão de imprensa é uma força intimidatória das mais eficientes. Ajuízam-se dezenas de ações, em foros diferentes, com alegações estapafúrdias e pedindo-se indenizações vultosas. A esperança do autor da ação é que, ante o volume e a diversidade de comarcas por onde tramitam os processos, haja uma perda de prazo e, com isso, o jornalista seja condenado, mesmo que tenha o melhor Direito. O frio calculismo desses estrategistas também se manifesta quanto à percepção do elevado custo financeiro do acompanhamento de tantas ações. Honorários advocatícios, diárias, deslocamento para diferentes comarcas ou termos judiciários. Eles contabilizam o tempo que se perde na reunião de provas, na construção de linhas de defesa e o desagradável molestar de amigos e conhecidos para que figurem como testemunhas.



No Brasil, chegou-se a um paradoxo. Exercer livremente o dever constitucional de informar tornou-se algo perigoso, como nas oito primeiras décadas do século XX. O Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, após a Constituição de 1988, tem-se revelado um fiel defensor das liberdades de expressão e de pensamento. A sociedade brasileira, contudo, deve compreender que os inimigos da imprensa livre são a vanguarda do exército da intolerância, do obscurantismo e do autoritarismo.



Otavio Luiz Rodrigues Jr., professor universitário em Brasília (IDP) e Fortaleza (FA7), doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo, membro da Asociación Iberoamericana de Derecho Romano, Oviedo, Espanha.

Artigo publicado na edição de ontem, 13 de maio de 2008, do Jornal do Cariri

Um comentário:

Armando Rafael disse...

Tarso:
Excelente este artigo do JORNAL DO CARIRI.
Li-o, com emoção, consciente de mais um resgate da verdade histórica.
Nestes tempos medíocres de hoje como faz falta a figura de um estadista do porte de Dom Pedro II.
a figura ciclópica dela demandaria muitas análises. Fiquemos apenas no item: liberdade de imprensa...
Quando fez sua primeira viagem ao exterior (em 1871, com 46 anos de idade e 31 anos como Imperador) Dom Pedro II deixou uma série de recomendações à Princesa Isabel (que o substituiria à frente do Poder Moderador) Era os “Conselhos à regente” nos quais deu a seguinte ênfase:
- “A imprensa se combate com a imprensa”.

Já naquele tempo havia os eternos sectários que chamavam a imprensa de “golpista”. E isso, porque a imprensa ridicularizava o aspecto físico do Imperador. Chamado de Rei Caju, por causa do queixo saliente, ou de Pedro Banana, em razão da sonolência provocada pelo diabetes, o imperador era criticado tanto por jornais monarquistas quanto republicanos, em que grassava a militância pela mudança de regime. Dom Pedro II não se deixava abalar:
- "Os ataques ao imperador não devem ser considerados pessoais"
E deixava a imprensa livre para criticar, dentro do pensamento de Santo Agostinho:

- “Prefiro os que me criticam porque me corrigem aos que me elogiam porque me corrompem”

Outra declaração de Dom Pedro II:
- "A nossa principal necessidade política é a liberdade de eleição; sem esta e a de imprensa não há sistema constitucional na realidade, e o ministério que transgride ou consente na transgressão desse princípio é o maior inimigo do estado e da monarquia".

Bom lembrar que um mês e meio depois do golpe militar de 15 de novembro de 1889, que impôs o regime republicano ao Brasil, o Marechal Deodoro da Fonseca implantou a censura à imprensa, que havia sido tão importante para o movimento republicano.

Parece que – mesmo nos dias atuais – Deodoro continua inspirando muita gente...