Por Maurício Novaes Souza - É engenheiro agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutorando em Engenharia de Água e Solo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). É professor do CEFET - Rio Pomba, coordenador dos cursos Técnico em Meio Ambiente e Pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável; conselheiro do COPAM e da SEMAD - Zona da Mata (MG) - mauriciosnovaes@yahoo.com.br
e Maria Angélica Alves da Silva - É pedagoga e especialista em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável; professora das disciplinas Sociologia e Artes do CEFET - Rio Pomba - gecamau@yahoo.com.br
No mês de março, dia 22, foi comemorado o dia mundial da água. Pergunta-se se existem motivos para comemoração? Para responder a essa pergunta, tome-se como exemplo a bacia do rio São Francisco, que cobre 504 municípios brasileiros. Praticamente, nenhum deles possui saneamento básico e todo o esgoto doméstico e industrial in natura é lançado diretamente ao rio, além dos dejetos industriais e agroindustriais, como na região metropolitana de Belo Horizonte, que polui seu maior afluente, o Rio das Velhas. Assim, o estado de degradação em que o rio se encontra representa a real situação de como o país vem efetivamente administrando seus recursos naturais.
Em toda a extensão do rio São Francisco é comum se verificar a existência de grandes áreas com desmatamento e queimadas desde a sua nascente, que provocam o assoreamento do rio, além do desvio de água cada vez maior para projetos de irrigação, em sua maioria sem planejamento e manejo. Dessa forma, a cada ano tem diminuído perigosamente o seu volume de água e a navegação já não se faz em determinados trechos e em determinadas épocas do ano, como em janeiro deste ano de 2008.
No tocante à retirada predatória das matas ciliares do rio, influi diretamente nas cheias ocasionais. Sem a vegetação, com o solo descoberto, a água chega velozmente à calha do rio, acumulando-se e aumentando o pique de cheia, como em fevereiro deste ano de 2008, e a conseqüente redução na recarga dos aqüíferos, reduzindo significativamente a sua vazão mínima e tornando ainda mais crítico o período das secas.
Há de se considerar um outro sério problema: na década de 80 do século passado, a expansão da agricultura brasileira trouxe para o Oeste da Bahia - região de veredas e berço de inúmeros afluentes do rio São Francisco - centenas de agricultores a desbravar uma nova fronteira agrícola situada no cerrado baiano. Passados quase 30 anos, a região se consolidou como a maior produtora de grãos do Nordeste e uma das mais importantes do país. Agora, nessa região, os agricultores brasileiros têm a companhia de investidores de todas as partes do mundo, como o americano Scott Shanks, cujo grupo que representa é formado por cerca de cem investidores que já adquiriram cinco fazendas na região conhecida como Coaceral, no município de Formosa do Rio Preto.
Segundo esse americano, para investir na região, fatores como clima e logística foram fundamentais para a decisão do grupo, sobretudo porque aqui as terras ainda têm um preço atrativo em relação aos Estados Unidos. O presidente da Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA) - Humberto Santa Cruz, admite que a presença de produtores de fora do país cresceu muito rapidamente nos últimos dez anos, havendo hoje cerca de 50 a 60 grupos, com aproximadamente 15% da área plantada. Justifica que em uma economia globalizada não há porque se criar empecilhos à entrada de estrangeiros.
A legislação brasileira estabelece limites para a compra de imóveis rurais por estrangeiros, mas não impõe barreira para empresas nacionais com capital estrangeiro. Em Brasília, o presidente do Incra, Rolf Hackbart, fala sobre quais mudanças na legislação estão sendo estudadas para frear o crescimento da compra de terras por estrangeiros. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil também comentou o assunto, afirmando que se tem de haver a regulação no país, mas afirmam que não têm de "podar" nada, pois são a favor do liberalismo. Querem que a iniciativa privada possa agir, e que o governo brasileiro funcione como regulador, segundo Kátia Abreu, vice-presidente do órgão. De acordo com uma estimativa do Incra, cerca de 33 mil imóveis rurais - algo em torno de 5,5 milhões de hectares - estão nas mãos de estrangeiros. Outra pergunta: Será que esses estrangeiros terão a preocupação ambiental que se fazem necessárias para a conservação dos recursos hídricos dessa região? Em Minas Gerais, ainda composta basicamente por produtores brasileiros, tal preocupação, de fato, não existe.
Essas questões são problemáticas, dada a importância da parte mineira da bacia do São Francisco no contexto estadual e nacional, se deve ao fato de que esta região possui 37% da área física da Bacia, 48% dos municípios (239 municípios), 57% da população, 80% de rios perenes, 72% do volume d’água, bem como possui o maior potencial para instalação de barragens reguladoras de vazão e de ampliação da oferta de volume de água na Bacia e ainda contém a maior reserva mineral da Bacia. Esta importância, associada ao acelerado processo de degradação ambiental, que compromete a qualidade e quantidade dos recursos hídricos são fatores determinantes para a concretização de ações relacionadas à revitalização, recuperação e conservação hidroambiental deste significativo território da Bacia.
Dentre os principais agentes poluidores do São Francisco se destacam (RIMA, 2004): a) Falta de tratamento de esgotos; b) Disposição inadequada dos resíduos sólidos; c) Supressão da vegetação (topo, ciliar e nascentes); d) Frágil educação ambiental; e) Manejo inadequado dos solos; f) Áreas degradadas pela mineração; g) Falta de articulação institucional; h) Lento processo de consolidação/implementação da Política Estadual de Recursos Hídricos; i) Erosão e assoreamento; j) Áreas de preservação permanentes degradadas (veredas, lagoas marginais); k) Pressão de uso agrícola sobre as áreas de recarga dos aqüíferos; l) Escassez hídrica (Norte de Minas); e m) uso indiscriminado de agroquímicos.
Transposição e revitalização da bacia do rio São Francisco
A transposição de águas do rio São Francisco é um projeto que gera muita polêmica. Constitui, basicamente, na utilização das águas do rio para a perenização de rios e açudes da Região Nordeste durante os períodos de estiagens. Os Estados beneficiados seriam: Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará - daí a idéia ser defendida pelos políticos destes Estados; já os políticos de Minas Gerais, Bahia, Alagoas e Sergipe não a aceitam bem, preocupados com os efeitos em seus Estados.
No processo iniciado em 1996 sob o comando da Secretaria de Políticas Regionais - no âmbito do Ministério da Integração Nacional - teve uma fundamentação técnica consistente e se baseava na sinergia hídrica que contempla a otimização dos recursos hídricos próprios das bacias a serem beneficiadas pela transposição. Esses recursos hídricos locais teriam o seu uso otimizado em função da garantia de retaguarda proporcionado pela transposição das águas do rio São Francisco que supririam "os vazios" resultantes das estiagens excepcionais. Com isso, a vazão máxima transposta cairia para 70 m³ s-1 e a vazão média seria da ordem de 30 a 40 m³ s-1.
No início de 1999, foram iniciados os estudos relativos à transposição. A transferência de água está incluída no Programa de Desenvolvimento Sustentável para o Semi-Árido e a Bacia do rio São Francisco. A prioridade, para o governo federal, é melhorar as condições de vida da população que vive às margens do rio ou tem no São Francisco o seu meio de sobrevivência. Hoje as obras de transposição já é realidade e caminha a passos largos. No entanto, o orçamento de 2005 encaminhado pelo governo federal ao Congresso previa recursos da ordem de R$ 1 bilhão para a revitalização do rio em 2006. Em 2006, para 2007, também o valor foi próximo a esse, que é inexpressivo considerando um rio com 2,8 mil km de extensão.
Na avaliação do secretário-executivo do Comitê do São Francisco, Luiz Carlos Fontes, o grande desafio do governo é conciliar a revitalização do rio com a sua transposição. Para Fontes, é preciso ter uma medida justa para revitalização, um compromisso que assegure que isso não vai ficar apenas restrito a um primeiro momento. Contudo, diversos ambientalistas, pesquisadores e técnicos, entre outros, afirmam que a transposição contemplará mais o agronegócio voltado para a exportação do que as famílias nordestinas que mais carecem. Estima-se que 90% das 200 cidades que estão em estado de emergência devido à seca continuarão em igual situação. Além disso, as áreas mais propícias à prática da irrigação estão sendo compradas por produtores do modelo de produção empresarial, estimulando, indiretamente, o êxodo rural e a urbanização.
Sabe-se que seca, o grande problema do semi-árido, não se resolve com grandes reservatórios, por que existem milhares de povoados isolados e dispersos na região que não são e não serão atendidos por eles. E é impossível geograficamente, fazer uma transposição capilarizada que atenda a todos. Muitas vezes, os dutos com água passam ao largo das pequenas propriedades e vão desaguar nos grandes reservatórios de grandes propriedades do modelo empresarial.
Para responder ao questionamento levantado no início do artigo, faz-se uma nova pergunta: afinal, a quem interessa a transposição das águas do rio São Francisco?
* Ambiente Brasil
publicado nosite : Adital
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domingo, 4 de maio de 2008
Transposição das águas do rio São Francisco: preocupação com a população local, oportunidade para o agronegócio ou especulação política e imobiliária?
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