As favas brotam airosas
ou
De como ter Chronical Blues no terreiro de casa
Aqui no Sítio Rosto, a vida amanheceu a mil. A noite de sábado fôra por demais agitada. Cachorros demais, latidos demais. Sem falar que, um sono trêfego (vamos parar de comer à noite), veio compulsoriamente à tona, às 3 horas da manhã. Acordei-me no meio da inesperada passagem da “rasga-mortalha,” que, por três vezes, cruzou o céu de breu, que pairava sobre o Sítio Rosto. Ela voejava rasantemente seu canto fúnebre, rumo às águas poucas e turvas do rio da Cascata. Não tive dúvida: “me apeguei com meu santinho” e perdi o sono de vez.
Às nove da manhã, quando o dia viceja neste meu rincão, não por contraste, é comum fazer um silêncio obsequioso. As mulheres, mães de todos os meninos, galinhas e cachorros, ouvem a sagrada missa pelo rádio e fazem a rotineira bóia domingueira; ou fazem a sagrada bóia domingueira e ouvem a rotineira missa pelo rádio? Decifrar este mistério, quem há-de?
Igualmente importante foi o meu encontro com um grande (apesar do seu menos de um metro de altura), e carinhoso amigo. Tindô falou das coisas que faz. E, como sói acontecer em narrativas profissionais, disse-o ao ainda triste e sonolento, com um misto de entusiasmo e decepção. Otimista, só retive o que ele me confabulou de bom de seu responsável mister. Olha só, aí fui deixando a sonolência de lado e abri bem os olhos, e os ouvidos! E, como era domingo, dia de prazer, fui lascivamente degustando as suas ocasionais observações sobre os tipos, as caras e bocas, os suspiros, os choros, as gafes, as pompas e as circunstâncias que decorrem furtivamente das pessoas no ato do casamento civil. Embevecido pela sua narrativa, fui me dando conta, olhando para a sua pequenez, de como ele se percebe altamente importante, ao realizar o ideal da humanidade de homens e mulheres em torno do casamento. Arrepiei-me, quando ele falou entusiasticamente do orgulho em ser um instrumento de felicidade, por acalentar sonhos de realização social de tantas e tantas vidas. Tindô, atenção namorados, noivos e pretendentes, é juiz de paz, o outrora juiz ordinário ou juiz de dentro. E como esta instância do Poder Judiciário ainda não foi, em muitos lugares, devidamente regulamentada por lei, como manda a Constituição de 1888, finda o seu titular conhecido como “Juiz de Casamento”. É o caso do meu amigo Tindô.
Neste momento da conversa, voltei-me para a História do Crato do século XVIII, mais precisamente a partir de 1755. Nesse ano, em 07 de junho, entrava em vigor a lei que, entre outras medidas, em seus noventa e cinco parágrafos, abolia a tutela das populações indígenas às missões religiosas e determinava a integração do índio à sociedade civil colonial, ao mesmo tempo em que transformava os antigos aldeamentos e fazendas indígenas em vilas. Isto e tudo o que derivou dela – chamada de Diretório dos Índios – estavam consubstanciados na reforma do Estado Português para todas as suas colônias, tendo a frente o poderoso Sebastião José de Carvalho e Melo – o Conde de Oeiras, depois Marquês de Pombal –, Ministro e Secretário de Estado e Negócios do Reino, no reinado do caridoso D. José I.
Vem daí que a Missão do Miranda, em 1764, já destituída da missão de catequese recebe o status de Vila Real. Igualmente vem daí que, em virtude de sua grande maioria populacional ser formada por remanescentes indígenas, (cerca de 250 pessoas adultas entre índios e brancos, e mais de oitenta crianças), popularizou-se também como Vila de Índios.
Implantada a estrutura político-admnistrativa da novel comuna portuguesa no coração do que hoje é o Cariri, imagina quem foi o nosso primeiro juiz ordinário?! O Dr. José Amorim, um ilustre e combativo índio da grande Nação Cariri.
Aí eu convido você, leitor, a imaginar, num exercício de comparação, a labuta do pequeno-grande homem Tindô. Saca quantos laços matrimoniais entre índios e brancos, como mandava o Diretório, não foram anunciados pelo nosso primeiro Magistrado José Amorim, num linguajar português/tapuia, já que pela mesma Lei, tornou-se obrigatório o ensino da língua portuguesa, assim como obrigatória foi a proscrição da língua Cariri. E saca quantas esperanças não foram adormecidas na mente daquele filho, outrora senhor das terras cariris, e agora transformado em cidadão português, ao instrumentalizar a união entre duas culturas de valores tão assimétricos.
O mesmo sonho, talvez sempre sonhado por nubentes apressados na eternidade da vida a dois, sob o Dr. Francisco de Assis Carlos da Silva, o anão Tindô, quem sabe, teria sonhado, sob o pretor José Amorim, (esse nosso produto enviesado do iluminismo europeu à la Rousseau), muitos e muitos casais na crença de uma vida que poderia ter sido e que não foi... Mas aí é uma outra estória.
Meu dileto amigo Tindô dirige o Cartório de Registro de Casamentos do Lameiro, sito entre dois botecos, no Largo D. Rosa, em frente à Capela do glorioso São José, nas imediações do Sítio Rosto.
No ano vindouro, o Cartório e a magistratura no Lameiro completarão 70 anos de existência. E haja casamento!
Às nove da manhã, quando o dia viceja neste meu rincão, não por contraste, é comum fazer um silêncio obsequioso. As mulheres, mães de todos os meninos, galinhas e cachorros, ouvem a sagrada missa pelo rádio e fazem a rotineira bóia domingueira; ou fazem a sagrada bóia domingueira e ouvem a rotineira missa pelo rádio? Decifrar este mistério, quem há-de?
Igualmente importante foi o meu encontro com um grande (apesar do seu menos de um metro de altura), e carinhoso amigo. Tindô falou das coisas que faz. E, como sói acontecer em narrativas profissionais, disse-o ao ainda triste e sonolento, com um misto de entusiasmo e decepção. Otimista, só retive o que ele me confabulou de bom de seu responsável mister. Olha só, aí fui deixando a sonolência de lado e abri bem os olhos, e os ouvidos! E, como era domingo, dia de prazer, fui lascivamente degustando as suas ocasionais observações sobre os tipos, as caras e bocas, os suspiros, os choros, as gafes, as pompas e as circunstâncias que decorrem furtivamente das pessoas no ato do casamento civil. Embevecido pela sua narrativa, fui me dando conta, olhando para a sua pequenez, de como ele se percebe altamente importante, ao realizar o ideal da humanidade de homens e mulheres em torno do casamento. Arrepiei-me, quando ele falou entusiasticamente do orgulho em ser um instrumento de felicidade, por acalentar sonhos de realização social de tantas e tantas vidas. Tindô, atenção namorados, noivos e pretendentes, é juiz de paz, o outrora juiz ordinário ou juiz de dentro. E como esta instância do Poder Judiciário ainda não foi, em muitos lugares, devidamente regulamentada por lei, como manda a Constituição de 1888, finda o seu titular conhecido como “Juiz de Casamento”. É o caso do meu amigo Tindô.
Neste momento da conversa, voltei-me para a História do Crato do século XVIII, mais precisamente a partir de 1755. Nesse ano, em 07 de junho, entrava em vigor a lei que, entre outras medidas, em seus noventa e cinco parágrafos, abolia a tutela das populações indígenas às missões religiosas e determinava a integração do índio à sociedade civil colonial, ao mesmo tempo em que transformava os antigos aldeamentos e fazendas indígenas em vilas. Isto e tudo o que derivou dela – chamada de Diretório dos Índios – estavam consubstanciados na reforma do Estado Português para todas as suas colônias, tendo a frente o poderoso Sebastião José de Carvalho e Melo – o Conde de Oeiras, depois Marquês de Pombal –, Ministro e Secretário de Estado e Negócios do Reino, no reinado do caridoso D. José I.
Vem daí que a Missão do Miranda, em 1764, já destituída da missão de catequese recebe o status de Vila Real. Igualmente vem daí que, em virtude de sua grande maioria populacional ser formada por remanescentes indígenas, (cerca de 250 pessoas adultas entre índios e brancos, e mais de oitenta crianças), popularizou-se também como Vila de Índios.
Implantada a estrutura político-admnistrativa da novel comuna portuguesa no coração do que hoje é o Cariri, imagina quem foi o nosso primeiro juiz ordinário?! O Dr. José Amorim, um ilustre e combativo índio da grande Nação Cariri.
Aí eu convido você, leitor, a imaginar, num exercício de comparação, a labuta do pequeno-grande homem Tindô. Saca quantos laços matrimoniais entre índios e brancos, como mandava o Diretório, não foram anunciados pelo nosso primeiro Magistrado José Amorim, num linguajar português/tapuia, já que pela mesma Lei, tornou-se obrigatório o ensino da língua portuguesa, assim como obrigatória foi a proscrição da língua Cariri. E saca quantas esperanças não foram adormecidas na mente daquele filho, outrora senhor das terras cariris, e agora transformado em cidadão português, ao instrumentalizar a união entre duas culturas de valores tão assimétricos.
O mesmo sonho, talvez sempre sonhado por nubentes apressados na eternidade da vida a dois, sob o Dr. Francisco de Assis Carlos da Silva, o anão Tindô, quem sabe, teria sonhado, sob o pretor José Amorim, (esse nosso produto enviesado do iluminismo europeu à la Rousseau), muitos e muitos casais na crença de uma vida que poderia ter sido e que não foi... Mas aí é uma outra estória.
Meu dileto amigo Tindô dirige o Cartório de Registro de Casamentos do Lameiro, sito entre dois botecos, no Largo D. Rosa, em frente à Capela do glorioso São José, nas imediações do Sítio Rosto.
No ano vindouro, o Cartório e a magistratura no Lameiro completarão 70 anos de existência. E haja casamento!
(O Bruxo do Sítio Rosto)
Um comentário:
Caro Bruxo do Sítio Rosto,
Fiquei feliz por:
- Postar sua nova crônica;
- Conhecer a história de TINDÔ que vi passar muitas vezes pelas ruas de Crato - lépido e fagueiro - enquanto eu ficava a imaginar quem seria...
Pelo visto o paradisíaco Lameiro tem muitas histórias e muitas figuras interessantes. Quem sabe um dia não dará um livro, sob as bênçãos do glorioso São José Operário cuja capela é exemplarmente cuidada por Silvana Vilar. Mas aí é outra história...
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