Expulso por Chávez
José Miguel Vivanco, diretor da organização de direitos humanos Human Rights Watch, conta, pela primeira vez em detalhes, como foi deportado da Venezuela por divulgarrelatório sobre as arbitrariedades do governo chavista
Diogo Schelp
Gilberto Tadday e Fernando Llano/AP
José Miguel Vivanco, diretor da organização de direitos humanos Human Rights Watch, conta, pela primeira vez em detalhes, como foi deportado da Venezuela por divulgarrelatório sobre as arbitrariedades do governo chavista
Diogo Schelp
Gilberto Tadday e Fernando Llano/AP
O advogado chileno José Miguel Vivanco, de 47 anos, diretor da Divisão para as Américas da Human Rights Watch, uma das principais organizações de defesa dos direitos humanos do mundo, e seu colega americano Daniel Wilkinson foram expulsos da Venezuela há duas semanas, a mando do presidente Hugo Chávez. O pecado de Vivanco foi ter ido a Caracas para divulgar o relatório "Uma década sob Chávez: intolerância política e oportunidades perdidas no avanço dos direitos humanos na Venezuela". De seu escritório em Washington, Vivanco relatou a VEJA a sua expulsão, com detalhes inéditos.
Como foi a sua expulsão da Venezuela?
Como foi a sua expulsão da Venezuela?
Depois de passar o dia divulgando o relatório, regressamos ao hotel por volta de 22h15. Ao entrar, percebemos que os recepcionistas e mensageiros olhavam para nós de maneira estranha, com um misto de preocupação e curiosidade. Mas não desconfiei de nada.
Os policiais estavam esperando por vocês na porta do quarto?
Os policiais estavam esperando por vocês na porta do quarto?
Sim. Daniel e eu subimos pelo elevador até o 14º andar e, quando chegamos, demos de cara com um grupo de pouco mais de vinte pessoas. Uma câmera de televisão foi, então, ligada e começaram a nos filmar. Um sujeito baixinho identificou-se como diretor de direitos humanos do governo venezuelano, título que me deu vontade de rir. Com a voz empostada, ele disse, todo solene: "Em nome do governo bolivariano da Venezuela, ordeno sua expulsão imediata". Ele falava como se lesse uma proclamação militar ou algo assim. O baixinho estava cercado por uns quinze homens à paisana, com rádio na mão e armados com pistolas. Havia também cinco sujeitos do Exército com uniforme de combate e fortemente armados.
O que o senhor fez?
O que o senhor fez?
Eu tratei de explicar que aquilo era uma irregularidade muito grave. O sujeito baixinho respondeu: "O senhor violou a Constituição ao ofender a Venezuela. Decreta-se, portanto, sua expulsão". Ele seguia repetindo isso como um robô. Era nítido que falava para ter suas palavras registradas pela equipe de televisão. Eu protestei: "Estamos neste país de maneira legal, com todos os documentos em ordem. Estivemos aqui para divulgar um relatório de direitos humanos e só porque o seu governo não gostou do conteúdo não tem o direito de nos tratar como se fôssemos delinqüentes perigosos". O baixinho respondeu: "Coopere, senhor Vivanco, porque esta situação pode ser muito mais difícil!". Eu exigi, então, o direito de falar com o embaixador chileno. Não permitiram. Reclamei: "Supõe-se que a Venezuela seja uma democracia, não uma ditadura em que o chefe de estado expulsa as pessoas no meio da noite". Nesse momento, um dos militares deu um passo à frente e gritou: "Chega de discussão!". Os outros brutamontes me cercaram. Pedi para ir ao meu quarto para pegar minhas coisas. Eles disseram: "Sua mala foi empacotada. Todos os seus objetos pessoais já foram recolhidos. O procedimento foi filmado". Eu protestei, dizendo que isso era um abuso.
Não lhe permitiram entrar em seu quarto?
Não lhe permitiram entrar em seu quarto?
Sim, porque eu precisava me certificar de que não haviam colocado algo na mala que pudesse me incriminar na alfândega, como drogas ou uma arma. Eu também precisava pegar meu passaporte e meus cartões de crédito guardados no cofre. Mal comecei a inspecionar minha bagagem e os capangas puseram-se a me empurrar e a gritar: "Já revistou, já revistou, vamos embora!". Eu virei as costas, saquei meu celular BlackBerry e tentei fazer uma chamada para o meu embaixador. Um dos brutamontes me empurrou, o outro torceu meu braço por trás das costas e um terceiro arrancou o celular da minha mão. Daniel tentou fazer o mesmo em seu quarto, mas eles quebraram o seu telefone. A TV estatal de Chávez filmou, mas não mostrou nada disso. Agarraram minhas coisas, colocaram-me para fora do quarto e foram me empurrando pelo corredor.
Seu colega foi junto?
Seu colega foi junto?
Sim, mas primeiro tentaram nos separar. Como protestamos, levaram-nos juntos a um elevador de serviço. Entraram conosco o baixinho e cinco brutamontes. Eu ainda não havia conseguido recuperar o meu celular e estava com medo de que aqueles sem-vergonha ficassem com todo o meu arquivo pessoal, armazenado no chip. Comecei um empurra-empurra para pegar de volta meu aparelho, até que o elevador travou entre dois andares. Assim mesmo, eu continuei empurrando meus captores. O baixinho ficou em pânico e gritou: "Doutor Vivanco, por favor! Esta coisa ainda vai despencar e causar uma tragédia!". Eu disse: "Não paro enquanto não me devolverem o celular!". O baixinho mandou me entregarem o telefone, sem a bateria. Em seguida, os capangas começaram a pedir socorro. Era uma situação ridícula, uma verdadeira comédia. Imagine que aquilo deveria ser uma operação de segurança de alto nível do governo venezuelano, para expulsar dois supostos inimigos internacionais – e estávamos todos presos no elevador de serviço.
Como vocês saíram?
Como vocês saíram?
Vieram uns funcionários com ferramentas e conseguiram mover o elevador um pouco. Fui puxado para fora pelos braços. Na saída do prédio, havia meia dúzia de veículos 4x4 blindados, com vidros escuros, e umas sete motocicletas com policiais. O baixinho me disse: "Doutor Vivanco, a minha tarefa acaba aqui. Eu o deixo a cargo do coronel. Adeus". Eu disse: "O quê? O senhor está lavando as mãos pelo que pode nos ocorrer a partir de agora?" Aquele foi o momento em que mais tive medo. E se tudo o que acontecera até então fosse uma armação para nos fazer crer que estávamos a caminho do aeroporto, enquanto, na verdade, iríamos terminar na sede da Disip, o serviço de inteligência da Venezuela? Se fôssemos presos naquelas condições, sem ter conseguido avisar ninguém, o que poderia acontecer? Daniel e eu então decidimos, em uma rápida conversa, não entrar na caminhonete. Resistimos até que os brutamontes nos agarraram pelas pernas e pelos braços e nos enfiaram à força dentro do veículo.
Vocês foram levados diretamente ao aeroporto?
Vocês foram levados diretamente ao aeroporto?
Sim. Chegamos ao aeroporto por volta de meia-noite e fomos levados à pista, sem passar pela imigração. O primeiro avião que eu vi de dentro do carro foi o da Cubana de Aviación. Pensei, então, que o pesadelo não havia terminado e enfrentaria coisa ainda pior. Só faltava estarem nos mandando para Cuba! Depois me lembrei que Caracas é a única cidade latino-americana com vôos diretos para Teerã, no Irã. Temi que, em vez de Cuba, pudessem nos meter em um vôo para lá. Felizmente, o avião era o da Varig. Fiquei mais tranqüilo. Subimos as escadas, sob insultos dos brutamontes.
O avião estava esperando por vocês?
O avião estava esperando por vocês?
Sim, o vôo ia para São Paulo e estava mais de duas horas atrasado. Os passageiros imaginavam, conforme nos contaram depois, que éramos amigos de Chávez e nos atrasamos porque ficamos em festa, celebrando com o presidente. Já as aeromoças brasileiras sabiam desde o início que se tratava de uma expulsão por razões políticas. Elas até nos permitiram ir ao banheiro dar um telefonema, enquanto o avião se preparava para decolar.
Houve algum problema na entrada na Venezuela?
Houve algum problema na entrada na Venezuela?
Daniel e eu levamos a Caracas quatro caixas com cópias do relatório. Duas delas não chegaram à esteira das bagagens. Um funcionário da American Airlines, companhia na qual viajamos, nos ligou horas depois do desembarque, para relatar, constrangido, que a alfândega venezuelana havia confiscado as duas caixas, sob o argumento de que continham livros proibidos. Acredito que, na noite anterior à nossa expulsão, os agentes de inteligência da Venezuela leram o relatório. Chávez nos expulsou para mostrar o que acontece com aqueles que o criticam.
O governo venezuelano os acusou de estarem a serviço do governo americano. Faz sentido?
O governo venezuelano os acusou de estarem a serviço do governo americano. Faz sentido?
Isso é completamente absurdo. Temos inúmeras publicações condenando a administração de George W. Bush pela prisão de Guantánamo. Mas não há comparação entre a maneira de o governo americano reagir às críticas e a de Chávez. Cada vez que alguém se opõe ao chavismo, é classificado como golpista, reacionário e agente do império. Chávez faz isso para intimidar e para não ter de responder às críticas. A tática de seu governo é falsificar a verdade. Mentir, mentir e voltar a mentir. É assim que ele está acostumado a governar.
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