Um macho do Soldadinho-do-Araripe, espécie considerada criticamente ameaçada. (Foto: Ciro Albano)
Felipe Lobo 21/08/2008, 19:12
O soldadinho-do-Araripe (Antilophia bokermanni) deve estar dando pulos de alegria no cantinho do Ceará onde vive. Para entender a razão é preciso voltar no tempo e viajar até a Inglaterra, onde aconteceu a British Bird Fair – maior feira de observação de aves do mundo - entre os dias 15 e 17 de agosto. Durante o evento, o pássaro, endêmico da Chapada do Araripe, recebeu um apoio de grossíssimo calibre: Sir David Attenborough, uma das vozes mais influentes da conservação no mundo, aceitou o convite da Bird Life International para ser o patrono do bichinho, cuja espécie sobrevive à beira da extinção. Ela agora passa a estar em excelentes mãos.
Attenborough nasceu em Londres, em 1926, e se firmou como um naturalista respeitado e diretor de documentários sobre natureza que, quando vão ao ar na BBC inglesa, costumam derrubar a frequência de cinemas e restaurantes. Em 2006, uma pesquisa de opinião o elegeu como o personagem de maior credibilidade no Reino Unido. No mesmo ano, outra enquete popular o elevou à condição de maior ícone vivo dos ingleses, à frente de gente como Paul McCartney e Michael Caine. Attenborough filma bichos e plantas pelos quatro cantos do mundo há mais de meio século. Há quem jure que não há ser humano que mais tenha andado de avião do que ele.
O patrocínio do naturalista inglês à luta do soldadinho-do-araripe para se manter vivo fez a felicidade de seus defensores no Brasil, reunidos nas Ongs SAVE (capítulo da Birdlife no Brasil) e Aquasis, do Ceará, esta última responsável pela guarda da espécie. Foram seus técnicos que, no final de 2006, elaboraram o plano para sua conservação que está em vigor. A história de como o pássaro conseguiu padrinho tão poderoso começou em 2007, quando a feira inglesa decidiu pela primeira vez adotar como tema as espécies de aves criticamente ameaçadas de extinção – 189 no total – ao redor do globo.
Para escolher as cinco espécies mais representativas dessa legião de bichos despossuídos – e que levariam todo o dinheiro arrecadado com a bilheteria da feira realizada em Londres – a Bird Life convocou seus capítulos em diversos países a indicarem candidatos. Quem ganhou a distinção no ano passado também foi uma ave brasileira, o formigueiro-do-litoral (Formicivora littoralis), que ocorre principalmente na região de Massambaba, Cabo Frio, na costa do Estado do Rio. Junto com a distinção, o formigueiro ganhou um padrinho suíço que destinou fundos para sua conservação. Logo que a feira de 2007 terminou, Pedro Develey, diretor de conservação da SAVE-Brasil, conversou com amigos e decidiu designar o soldadinho-do-Araripe para a edição de 2008.
O bichinho, além de símbolo da feira, ganhou o patrocínio de Attenborough, que assumiu a função de defender o soldadinho-do-Araripe pelo mundo e captar recursos para a guardiã da espécie, a Aquasis, prosseguir com o trabalho de conservação. “É uma personalidade mundial de comunicação, tem um poder de mobilização de milhões de pessoas no mundo inteiro. Não tem ninguém que se compare a ele no trabalho de divulgação, conservação, alerta aos problemas que estamos enfrentando. Portanto, o fato dele aderir à causa de uma espécie brasileira é muito relevante”, diz Guto Carvalho, organizador do Avistar, o encontro anual de observadores de ave do Brasil.
A história desta ave é curiosa. Em dezembro de 1996, o então estudante de biologia, Weber Girão, foi a uma expedição na Chapada do Araripe em companhia do professor Galileu Coelho, da Universidade Federal de Pernambuco. Galileu levava consigo um gravador com a voz de uma ave que nunca escutara, e perguntou para Girão se ele gostaria de acompanhá-lo no local onde havia registrado o canto. Diante da resposta positiva, os dois tocaram o canto para atrair seu autor. Quando o soldadinho-do-Araripe apareceu, os pesquisadores perceberam logo que estavam diante de uma raridade.
“A diferença entre ele e as outras espécies era tão nítida que já sabíamos se tratar de uma descoberta”, diz Girão, hoje biólogo da Aquasis. A sua descrição, no entanto, só aconteceu dois anos depois. Foi publicada na revista Brasileira de Ornitologia, que na época se chamava “Ararajuba”. Para conseguir entender a ecologia da espécie, Weber voltou para a Chapada e coletou um indivíduo de cada sexo. Eles tiveram que morrer, mas abriram espaço para um amplo trabalho de conservação. Hoje, os dois exemplares estão na coleção da Federal de Pernambuco.
O habitat do soldadinho-do-Araripe é restrito a apenas 28 quilômetros quadrados nas encostas da Chapada do Araripe, na divisa entre o Ceará e Pernambuco. “Lá tem uma ressurgência das águas absorvidas pelo platô da chapada, o que propicia o aparecimento de uma mata bem úmida, com árvores altas, bem diferente da Caatinga e do Cerrado”, explica Thieres Pinto, biólogo do Aquasis. O pássaro se alimenta, basicamente, de frutos da mata e alguns insetos, mas coloca seus ovos apenas em galhos próximos a uma das 300 nascentes da região. Por isso, sua ligação com a água é muito importante. Os machos da espécie, que costumam ter entre 15 cm de comprimento e 20 gramas de massa, são brancos, têm a cauda e as penas de vôo negras e um manto carmim que se estende do meio do dorso até o topo da cabeça. Territorialistas, eles não andam em bando e protegem sua companheira e filhotes dentro da faixa de terra conquistada. “É comum avistar um macho, depois andar um pouco pela floresta e, logo em seguida, encontrar outro guardando o território próximo”, diz Thieres. Já as fêmeas têm cor verde-oliva e apresentam um comportamento tímido. Quando os filhos crescem, o pai os expulsa de seus domínios.
Sexo e topete
Uma das principais diferenças entre os sexos é o topete. Enquanto ele cresce nos machos de acordo com o desenvolvimento do indivíduo (podem até ultrapassar a ponta do bico em até quatro milímetros), a fêmea sequer tem um. Mas elas possuem penas carmins isoladas no dorso e penas de vôo um pouco menores. “É uma das aves que os turistas têm maior curiosidade de observar. Vêm pessoas do mundo inteiro, Europa, Estados Unidos, e todos querem muito encontrá-la. Ela preenche todos os requisitos: é endêmica, está ameaçada e é muito bonita”, afirma Ciro Albano, ornitólogo da Aquasis e guia de abservação de aves do nordeste.
Integrante do mesmo gênero do soldadinho-do-cerrado, o pássaro cearense tem características morfológicas semelhantes, mas uma coloração bem distinta, já que o primeiro é quase totalmente negro e tem o manto carmim. Além disso, vive em todo o cerrado e entra pela Mata Atlântica e Amazônica também. Segundo senso realizado pela Aquasis, há cerca de 800 espécimes do tipo cearense na vida selvagem, e nenhuma em cativeiro. “Achávamos que ele ocorria apenas em duas ou três nascentes, mas vimos que estávamos errados. Mas é provável que a população esteja diminuindo”, diz Thieres.
O patrocínio do naturalista inglês à luta do soldadinho-do-araripe para se manter vivo fez a felicidade de seus defensores no Brasil, reunidos nas Ongs SAVE (capítulo da Birdlife no Brasil) e Aquasis, do Ceará, esta última responsável pela guarda da espécie. Foram seus técnicos que, no final de 2006, elaboraram o plano para sua conservação que está em vigor. A história de como o pássaro conseguiu padrinho tão poderoso começou em 2007, quando a feira inglesa decidiu pela primeira vez adotar como tema as espécies de aves criticamente ameaçadas de extinção – 189 no total – ao redor do globo.
Para escolher as cinco espécies mais representativas dessa legião de bichos despossuídos – e que levariam todo o dinheiro arrecadado com a bilheteria da feira realizada em Londres – a Bird Life convocou seus capítulos em diversos países a indicarem candidatos. Quem ganhou a distinção no ano passado também foi uma ave brasileira, o formigueiro-do-litoral (Formicivora littoralis), que ocorre principalmente na região de Massambaba, Cabo Frio, na costa do Estado do Rio. Junto com a distinção, o formigueiro ganhou um padrinho suíço que destinou fundos para sua conservação. Logo que a feira de 2007 terminou, Pedro Develey, diretor de conservação da SAVE-Brasil, conversou com amigos e decidiu designar o soldadinho-do-Araripe para a edição de 2008.
O bichinho, além de símbolo da feira, ganhou o patrocínio de Attenborough, que assumiu a função de defender o soldadinho-do-Araripe pelo mundo e captar recursos para a guardiã da espécie, a Aquasis, prosseguir com o trabalho de conservação. “É uma personalidade mundial de comunicação, tem um poder de mobilização de milhões de pessoas no mundo inteiro. Não tem ninguém que se compare a ele no trabalho de divulgação, conservação, alerta aos problemas que estamos enfrentando. Portanto, o fato dele aderir à causa de uma espécie brasileira é muito relevante”, diz Guto Carvalho, organizador do Avistar, o encontro anual de observadores de ave do Brasil.
A história desta ave é curiosa. Em dezembro de 1996, o então estudante de biologia, Weber Girão, foi a uma expedição na Chapada do Araripe em companhia do professor Galileu Coelho, da Universidade Federal de Pernambuco. Galileu levava consigo um gravador com a voz de uma ave que nunca escutara, e perguntou para Girão se ele gostaria de acompanhá-lo no local onde havia registrado o canto. Diante da resposta positiva, os dois tocaram o canto para atrair seu autor. Quando o soldadinho-do-Araripe apareceu, os pesquisadores perceberam logo que estavam diante de uma raridade.
“A diferença entre ele e as outras espécies era tão nítida que já sabíamos se tratar de uma descoberta”, diz Girão, hoje biólogo da Aquasis. A sua descrição, no entanto, só aconteceu dois anos depois. Foi publicada na revista Brasileira de Ornitologia, que na época se chamava “Ararajuba”. Para conseguir entender a ecologia da espécie, Weber voltou para a Chapada e coletou um indivíduo de cada sexo. Eles tiveram que morrer, mas abriram espaço para um amplo trabalho de conservação. Hoje, os dois exemplares estão na coleção da Federal de Pernambuco.
O habitat do soldadinho-do-Araripe é restrito a apenas 28 quilômetros quadrados nas encostas da Chapada do Araripe, na divisa entre o Ceará e Pernambuco. “Lá tem uma ressurgência das águas absorvidas pelo platô da chapada, o que propicia o aparecimento de uma mata bem úmida, com árvores altas, bem diferente da Caatinga e do Cerrado”, explica Thieres Pinto, biólogo do Aquasis. O pássaro se alimenta, basicamente, de frutos da mata e alguns insetos, mas coloca seus ovos apenas em galhos próximos a uma das 300 nascentes da região. Por isso, sua ligação com a água é muito importante. Os machos da espécie, que costumam ter entre 15 cm de comprimento e 20 gramas de massa, são brancos, têm a cauda e as penas de vôo negras e um manto carmim que se estende do meio do dorso até o topo da cabeça. Territorialistas, eles não andam em bando e protegem sua companheira e filhotes dentro da faixa de terra conquistada. “É comum avistar um macho, depois andar um pouco pela floresta e, logo em seguida, encontrar outro guardando o território próximo”, diz Thieres. Já as fêmeas têm cor verde-oliva e apresentam um comportamento tímido. Quando os filhos crescem, o pai os expulsa de seus domínios.
Sexo e topete
Uma das principais diferenças entre os sexos é o topete. Enquanto ele cresce nos machos de acordo com o desenvolvimento do indivíduo (podem até ultrapassar a ponta do bico em até quatro milímetros), a fêmea sequer tem um. Mas elas possuem penas carmins isoladas no dorso e penas de vôo um pouco menores. “É uma das aves que os turistas têm maior curiosidade de observar. Vêm pessoas do mundo inteiro, Europa, Estados Unidos, e todos querem muito encontrá-la. Ela preenche todos os requisitos: é endêmica, está ameaçada e é muito bonita”, afirma Ciro Albano, ornitólogo da Aquasis e guia de abservação de aves do nordeste.
Integrante do mesmo gênero do soldadinho-do-cerrado, o pássaro cearense tem características morfológicas semelhantes, mas uma coloração bem distinta, já que o primeiro é quase totalmente negro e tem o manto carmim. Além disso, vive em todo o cerrado e entra pela Mata Atlântica e Amazônica também. Segundo senso realizado pela Aquasis, há cerca de 800 espécimes do tipo cearense na vida selvagem, e nenhuma em cativeiro. “Achávamos que ele ocorria apenas em duas ou três nascentes, mas vimos que estávamos errados. Mas é provável que a população esteja diminuindo”, diz Thieres.
O tráfico de animais selvagens é um problema sério para diversas espécies, mas não para o soldadinho do Araripe. A principal ameaça que ele enfrenta, na verdade, é a perda e a fragmentação de seu habitat. Isso acontece porque sua área de influência coincide com quatro municípios em franca ascenção na micro-região do Cariri. É lá onde estão Crato, Barbalha e Missão Velha, além de Juazeiro do Norte, a maior cidade do espaço e que necessita de muita água para a sua população. “Lá é um oásis no meio do sertão”, diz Weber Girão ao explicar o por quê da especulação no entorno dos 28 quilômetros usados pelas espécies.
A água já é usada para a irrigação há séculos, mas somente há alguns anos os cerca de 1.2 milhão de habitantes que vivem nas proximidades da floresta úmida avançam suas propriedades para o local. A busca por novas áreas para o cultivo de culturas inovadas, como uva, também pode ser um grave impasse para a conservação da espécie nos próximos anos. De acordo com o Plano de Proteção da espécie elaborado pela Aquasis, a vazão da nascente da Batateira (Crato) já reduziu em três quartos ao longo do século XX em virtude do manejo inadequado e do desmatamento do planalto e das matas das encostas.
“A população entende a importância de proteger o soldadinho, pois isso significa também conservar a água que ela usa”, diz Thieres. Enquanto os recursos captados por sir David Alttemborough não chegam, a Aquasis espera uma resposta do Instituto Chico Mendes para iniciar as conversas sobre uma unidade de conservação de proteção integral no habitat da ave e no platô da Chapada do Araripe, onde entra a água que ressurge no planalto. Mas Pedro Develey, diretor de conservação da SAVE, está esperançoso quanto à carreira internacional do nosso soldadinho-do-Araripe. “A feira na Inglaterra é uma grande vitrine, e ele conseguiu um patrono rapidamente”, completa.
Fonte: sitehttp://oeco.tempsite.ws/
A água já é usada para a irrigação há séculos, mas somente há alguns anos os cerca de 1.2 milhão de habitantes que vivem nas proximidades da floresta úmida avançam suas propriedades para o local. A busca por novas áreas para o cultivo de culturas inovadas, como uva, também pode ser um grave impasse para a conservação da espécie nos próximos anos. De acordo com o Plano de Proteção da espécie elaborado pela Aquasis, a vazão da nascente da Batateira (Crato) já reduziu em três quartos ao longo do século XX em virtude do manejo inadequado e do desmatamento do planalto e das matas das encostas.
“A população entende a importância de proteger o soldadinho, pois isso significa também conservar a água que ela usa”, diz Thieres. Enquanto os recursos captados por sir David Alttemborough não chegam, a Aquasis espera uma resposta do Instituto Chico Mendes para iniciar as conversas sobre uma unidade de conservação de proteção integral no habitat da ave e no platô da Chapada do Araripe, onde entra a água que ressurge no planalto. Mas Pedro Develey, diretor de conservação da SAVE, está esperançoso quanto à carreira internacional do nosso soldadinho-do-Araripe. “A feira na Inglaterra é uma grande vitrine, e ele conseguiu um patrono rapidamente”, completa.
Fonte: sitehttp://oeco.tempsite.ws/
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