MEDEIROS, Martha. Um Oásis no Deserto, Revista O Globo-RJ, 22 de novembro de 2009, p. 28.
...Cheguei do Marrocos há poucos dias, um país encantador, com uma biodiversidade de tirar o fôlego...tudo estupendo, mas seco. Ainda assim, engolindo areia, fui surpreendida várias vezes por alguns oásis que quebravam o jejum.
...Aterrisei de volta ao Brasil e entre notícias de um apagão inexplicável e de um escândalo mais inexplicável ainda por causa de uma reles minissaia que gerou teses sociológicas, preferi me ater a essa história do garoto saxofonista [ um garoto aparentando ter uns 19 anos resolveu improvisar um pocket show usando uma esquina da cidade como palco: a cada vez que o semáforo fechava, ele se posicionava na frente dos carros e tocava um saxofone por um minuto] que fazia shows de um minuto no agito das ruas, silenciando os buzinaços com sua música. Pensei: também é um oásis.
O que não falta por aí são pessoas com vidas desérticas, pensamentos viciados, gente presa em calabouços e respirando por aparelhos, sem dedicar um minuto, um minutinho que seja por dia, a criar seu próprio oásis. Os nossos podem ser tão numerosos quanto os que eu encontrei naquelas paisagens marroquinas em tons de terracota, em que já não se distingue o que é cor original ou desbotado, uma estética da solidão que tem sua beleza e força, mas que clama por um pouco de oxigênio.
As pessoas dizem que a tecnologia, que deveria servir para agilizar o nosso trabalho e liberar mais tempo para o lazer, está, ao contrário, produzindo ainda mais trabalho e mais estresse. A culpa não é da tecnologia, que, pelo que sei, ainda não tem cérebro, mas de seus usuários, que deveriam pensar mais em vez de entrarem na paranóia de preencher cada hora do seu dia com atividades produtivas, ignorando a produtividade que também há num encontro entre amigos, num cinema, numa caminhada, na audição de um disco, na meditação, num fim de semana longe da cidade, na leitura de um livro, num passeio de bicicleta, num namoro, no desprezo à lógica e no respeito aos acasos. Esses são os verdadeiros oásis, ao contrário dos oásis fabricados, como, por exemplo, restaurantes da moda onde não se come bem nem se ouve ninguém.
O saxofonista no meio da rua nada mais fez do que ofertar à vida opaca um toque de verde.
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segunda-feira, 23 de novembro de 2009
UM OÁSIS NO DESERTO – MARTHA MEDEIROS
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