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segunda-feira, 8 de março de 2010

A sogra – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Jamais vi uma figura humana tão criticada e ridicularizada quanto a sogra. Há um número inesgotável de piadas que atestam essa afirmação. E existem até músicas, também. Lembro que quando eu era criança, ouvia Jorge Veiga cantar um samba, em cuja letra o interprete comunicava surpreso à sua mulher a chegada da sogra ao portão de sua casa, provavelmente decidida a vir morar com eles, mesmo que fosse no porão. Previa que com a chegada dela, a vida passaria a ser um verdadeiro inferno, com sururus com os vizinhos e muitas brigas. E avisava: “É minha sogra, mas tenha paciência, não há quem possa com essa jararaca. Meu sogro foi de maca pra assistência, com o corpo todo retalhado à faca.” E encerrava a canção afirmando ser um genro diferente, que não tinha medo da cara feia da sogra e seria capaz de descarregar sua pistola para fazê-la descansar e ele ir parar na cadeia.

É bem verdade que existem algumas sogras que são más. Eu mesmo conheci uma, mãe de filho único, marido de uma amiga, que fez tudo para separar o casal. Mas não conseguiu, pois não existem barreiras que o amor não possa superar.

Quando casamos, formamos alguns vínculos de parentesco por afinidade, alguns dos quais, segundo o nosso Código Civil, não se extinguem com a dissolução do matrimônio, seja por morte de um dos cônjuges ou separação. A sogra é um desses vínculos que permanecem para sempre. Portanto não existe ex-sogro ou ex-sogra.

Certa vez, eu ouvi pela rádio, um comentário do ex-senador e advogado Cid Carvalho condenando a ação da Igreja Católica, que casou um homem com a mãe da sua falecida mulher, a própria sogra. Ele explicou que perante a lei, a sogra está no mesmo patamar de mãe. E ninguém possui uma ex-mãe. Mas para o código canônico a interpretação não é a mesma do direito civil. Para os que professam a fé católica, o casamento é indissolúvel, extinguindo-se o vínculo matrimonial somente com a morte. Então, fica aqui um aviso destinado àqueles que se separaram. O pai e a mãe do ex-cônjuge continuam sendo sogro e sogra. E se por ventura voltarem a contrair novo matrimônio, ou mesmo viver uma união estável, passarão a ter dois sogros e duas sogras, desde que todos estejam vivos.

A minha sogra é uma criatura maravilhosa, pela qual tenho um nível de afeto semelhante ao que eu tinha pela minha falecida mãe. Sempre tivemos um relacionamento harmonioso de mútuo respeito. Para ela eu sou mais um filho e foi assim que eu sempre me senti, desde o primeiro dia em que eu e Magali iniciamos nosso namoro. Isto ocorreu na inesquecível noite de 19 de janeiro de 1969, um final de domingo.

Quando acompanhei Magali até o portão de sua casa, a mãe dela ao nos ver, perguntou a um dos filhos: “Quem é esse namorado que a Magali arranjou?” Ela havia me conhecido quando eu era criança, pois meu dentista era seu marido. Ao saber de quem se tratava, não agiu como fizera com outros candidatos a namorado de Magali, dizendo que não queria que ela namorasse e encerrasse o namoro o quanto antes. Ao contrário disso, ela nos abençoou.

No sábado seguinte, eu fui à casa de Magali para sairmos e ir passear pela Praça Siqueira Campos. Mas começou a chover e minha futura sogra nos convidou a entrar. A partir desse dia passei a ser sempre bem recebido em sua casa.

Como mãe cuidadosa, minha futura sogra vigiava a filha de perto e até nos surpreendia levando um cafezinho até a varanda onde namorávamos. Às vezes nos flagrava num beijo, motivo suficiente para repreender a filha, após minha saída. Acredito que aquela gentileza era uma entre tantas maneiras que ela encontrava para vigiar nosso comportamento.

Depois de formado, minha sogra vibrou com os empregos que eu conseguia, ficou triste quando tive de ir trabalhar no Pará, sofreu quando fiquei sem emprego. Nessa oportunidade se articulava com parentes e amigos à procura de novo emprego.

Era uma verdadeira mãe, lutadora e dedicada como sempre foi com todos os seus filhos. O que mais me impressionava em minha querida sogra eram o seu otimismo e a confiança no futuro. Como se casara aos dezoito anos, teve de interromper os estudos, somente tendo continuado após os filhos se tornarem adultos e, ao completar cinqüenta anos ela concluiu o curso normal. Por essa época, resolveu também aprender a dirigir e se submeteu ao exame do DETRAN para obtenção da licença de habilitação, tendo sido aprovada, apesar da desconfiança do marido de que ela não estivesse devidamente preparada.

Após nosso casamento, a minha sogra acompanhava com alegria e zelo de verdadeira mãe todos os nossos passos. Tivemos a felicidade de lhe dar o primeiro neto. E ela orientou a filha nos cuidados iniciais com o recém nascido com todo carinho. Sempre demonstrou ser muito feliz e carinhosa com todos os seus netos.

Atualmente ela já não é mais a dona da sua vontade, pois se encontra enferma e há vários meses presa a um leito.

Eu gostava muito de cantar para ela uma musiquinha que tocava nas rádios do Rio de Janeiro ai pelos idos de 1960 e que jamais esqueci: “Eu gosto da minha sogra, pode falar quem quiser, é minha segunda mãe, é a mãe da minha mulher. Ela trata seus netinhos com carinho e devoção. É um anjo de bondade, mora no meu coração. Quem condena sua sogra por um motivo qualquer, esquece que a mãe dele é sogra da sua mulher. Neste samba eu exalto num elogio profundo e dedico com carinho a todas as sogras do mundo.” Então, naquela época, eu ainda um adolescente, sentia nessa música o modelo de sogra que desejaria ter no futuro. E ganhei de presente não somente uma boa sogra, mas sua incomparável filha como companheira por essas estradas da vida, numa prova de que filha de peixe, peixinho é.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo



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