Convidado da 12ª Mostra Sesc Cariri de Cultura, o escritor Ronaldo Correia de Brito fala da influência da cultura sertaneja em sua obra e sai em defesa da narrativa tradicional
Fonte: site da Revista Cult
Foto: DelWilker Sousa
Ronaldo Correia de Brito é um filho do Cariri cearense. Nascido em Crato, município no sopé da Chapada do Araripe, Ronaldo vivenciou desde menino a cultura local, permeada pela marcante tradição do teatro, das danças populares e, sobretudo, da oralidade. Após participar do seminário A Reinvenção do Nordeste, no qual falou sobre as raízes da dramaturgia popular nordestina, o escritor concedeu a entrevista à CULT.
CULT – Você é um filho do Cariri. De que forma a cultura local se manifesta em sua obra?
Ronaldo Correia de Brito – Devido à romaria do Padre Cícero, populações pobres de todo o nordeste migraram para cá. Essas populações eram pobres economicamente, mas eram ricas em cultura. Elas trouxeram toda uma cultura teatral, histórica, artesanal, musical, uma cultura do romanceiro tradicional. Então, o Juazeiro ficou sendo milagrosamente um celeiro de um saber muito antigo que vem desde a Península Ibérica e também da cultura árabe e que aqui se estabelece. Por se manter impermeável durante muito tempo ao cinema, à televisão e ao rádio, essa tradição se guarda como um grande celeiro de todas essas manifestações artísticas. Então isso foi muito importante para a minha formação.
Você acredita que essa tradição cultural é devidamente preservada?
Essa cultura é dinâmica, não é imobilista. O artista popular tem uma visão não imobilista; ele tem a cultura como um bem vivo e em transformação, então, com a chegada da televisão, do rádio e do cinema, com as permanentes migrações e mudanças nesse meio, essa cultura se refaz, se recondiciona, adquire outros formatos. Para se ter uma ideia, aqui neste lugar foi possível se engendrar uma mitologia própria em torno do Pde. Cícero. Ele ocupa um espaço no panteão religioso no lugar do Cristo. Aqui, o Pde. Cícero é mais importante na formação religiosa do povo, ele tem um lugar de mais destaque e de mais veneração do que o próprio Cristo.
Um dos temas mais discutidos na literatura contemporânea é a crise da narrativa, dos gêneros. Por outro lado, você vem de uma tradição na qual a oralidade e a conotação de histórias são muito marcantes. Como você concilia essas duas vertentes?
Uma questão é a oralidade. Mário de Andrade e Câmara Cascudo viam o lugar da oralidade na literatura brasileira como uma questão a ser resolvida. Nosso escritor exponencial, Guimarães Rosa, cria um ritmo narrativo marcadamente oral. Nós somos um país de muita tradição oral, mas isso não impede que a gente tenha uma rica tradição escrita. O fato de que a gente tenha de resolver essa questão da oralidade, encontrar um lugar para nossa oralidade, não nos impede de ter uma grande literatura escrita. Eu acho, pelo contrário, que o Brasil vive um excelente momento, há muito tempo não se vivia um momento tão bom em relação à escrita.
Quando falo da crise, me refiro a uma tradição que se debruça sobre a falibilidade da narrativa, da palavra escrita, dos gêneros, como faz Clarice Lispector e o próprio Guimarães Rosa, que, ciente das limitações da linguagem, amplia seu alcance, com seus neologismos.
Eu acho que hoje a literatura se ocupa muito dessa crise da narrativa. Isso funciona para a obra de Ricardo Piglia, por exemplo, que faz do romance um campo para o ensaio, para a narrativa, para discussão. A questão é que o romance, a novela e o conto se tornaram espaços não apenas para narrar. Não que isso já não existisse na obra de Thomas Mann, mas sem dúvida isso se acentuou, mas por um movimento, uma moda, de negar a narrativa em si, o gosto pela narrativa.
E o que você acha desse movimento?
Eu acho que está em franco declínio. Ao mesmo tempo em que há escritores que estão introduzindo no romance todas as possibilidades de ficção e transformando um conto em um ensaio e em mil outras formas, também surge a narrativa em si mesma. O leitor continua apreciando muito a narrativa pura. Se você for atrás desses grandes Best-sellers, se formos descobrir o que faz com que eles vendam tanto, não é só a máquina editorial, é um gosto mesmo por ler narrativas, pois as pessoas gostam de ler uma história que tenha princípio, meio e fim. Dostoiévski, por exemplo, sem dúvida que ele se estende em questões filosóficas, morais e religiosas, mas há histórias contadas ali, muitas delas. Então eu acho que o gosto por narrar e o prazer em ler narrativas continuam, vão sempre prevalecer.
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