Em entrevista, Cacá Araújo fala de comunismo e arte no Cariri
A entrevista foi concedida ao Blog Coletivo Camaradas em 2009. Na conversa, cultura popular, comunismo, artes plásticas e política. Leia a seguir a entrevista na íntegra.
Cacá Araújo foi aluno do dramaturgo Augusto Boal (falecido recentemente) , fundador do Teatro do Oprimido.
Quem é Cacá Araújo?
Comunista, professor, dramaturgo, ator, diretor de teatro, poeta, folclorista. Filho de José e Joselita. Pai de Diogo Stálin, Carlos Ângelo, Maria Isaura e Lilith. Guerrilheiro permanente em defesa da liberdade, da democracia e do socialismo.
Quando teve início seu trabalho artístico?
Há mais de vinte e cinco anos, no movimento literário, juntamente com os poetas Gênes de Alencar e Domingos Sávio Barroso, criando posteriormente o Grupo Artístico-Cultural poesia, Vida & Sangue, responsável pela edição de vários livros de poesia, em especial a Antologia Poetas do Cariri 1986, da qual participaram novos e consagrados poetas como Saraiva de Sá e Patativa do Assaré.
Quais as influências do seu trabalho?
Minha formação principal é baseada na militância política fundada no marxismo-leninismo, sem desconsiderar que me criei no meio da feira do Crato, alternando com longas estadas no Sítio Riacho Vermelho, de propriedade de meu avô, no Distrito de Santa Fé. Em decorrência disso, de ser orgulhosamente matuto do pé da serra, veio a natural influência das tradições populares, das histórias do campo, da alma sertaneja.
Outra grande influência é a grande oportunidade e privilégio de conviver com os mestres do folclore local, como o Mestre Cirilo, Mestre Aldenir, Mestre Raimundo Aniceto, Mestra Zulene Galdino, Mestra Edite Dias e tantos outros.
Além de Marx, Engels, Lênin, Stálin, Amazonas e os nossos Mestres da Cultura Popular, outros como Brecht, Stanislavski, Augusto Boal, Dario Fo, Plauto, Aristóteles, Sófocles, Eurípedes, Ésquilo, Camões, Garret, Patativa do Assaré, Pedro Bandeira, Eloi Teles, Câmara Cascudo, Suassuna, Seu Joaquim Vicente, Júlia Doida, Miguel Preto, Capela, Sorriso, Incha Tetê, Tandô, entre muitos outros de ontem, transantontem e de hoje.
Como você vê a relação entre arte e política?
São partes de um todo indivisível, apesar de alguns tolos, imbecis e ou mercenários negarem. Arte é resultado da inventividade humana, que deriva de sua existência material, que por sua vez determina sua base espiritual e intelectual.
Seu trabalho segue uma dramaturgia de afirmação cultural? Qual a relação da sua produção com a de Ariano Suassuna?
Erguemos a mesma bandeira política da defesa da soberania nacional tendo a cultura popular como principal elemento identitário do país. As matrizes culturais que, caldeadas, formam a identidade nacional, revelam que nossas raízes são universais ao mesmo tempo em que manifestam a plural singularidade brasileira.
Em 1988, você foi aluno do dramaturgo Augusto Boal (falecido recentemente) , fundador do Teatro do Oprimido. Qual a sua opinião sobre a contribuição deste teórico no campo do fazer teatral?
O Boal é a maior referência teatral das américas e um dos mais importantes nomes mundiais de todos os tempos. Seu teatro é verdadeiramente revolucionário porque propõe a inclusão do espectador no universo cênico, discutindo, analisando e protagonizando soluções na cena, como que ensaiando as transformações que a vida real exige.
Você trabalha com a metodologia do Teatro do Oprimido?
A poética do oprimido é um compêndio político de extrema significação para quem vê no teatro uma forma de manifestar a alma e os anseios populares. Em várias ocasiões trabalho com várias técnicas do TO, seja com grupos específicos (professores, estudantes e comunitários, por exemplo), ou mesmo no dia-a-dia do desenvolvimento dos atores de nossa companhia teatral.
Qual a contribuição do marxismo para o teatro?
O Marxismo é fundamental para a compreensão do mundo e suas implicações políticas, econômicas, sociais e culturais. Oferece o embasamento ideológico para que uma ação, inclusive o teatro, adquira conteúdo revolucionário e contribua na educação das massas para as necessárias transformações sociais.
Qual sua produção em dramaturgia?
Minha dramaturgia “brincante” é toda ela pontuada pela mitologia, causos, história e costumes regionais: “A Comédia da Maldição”, que apresenta o mito da Mula-sem-cabeça; “O Pecado de Clara Menina”, abordando relações de poder e matreirices sertanejas, inspirada em poema anônimo medieval ibérico; “As presepadas de Zé Ozébe”, sugerida pelo cordel A história do cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes de Barros; “a Donzela e o Cangaceiro” (premiada pela Bolsa Funarte de Estímulo à Dramaturgia 2007), que traz o mito da Caipora e aborda temas ecológicos; e “O Mapa da Botija”, comédia infantil de aventura que evidencia o mito do “Papa-Figo” e a lenda caririense da “Pedra da Batateira”.
Tenho também textos que abordam temática urbana contemporânea, destacando-se: “Monólogos das Flores Violadas”, baseado em reportagens sobre casos de exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias federais do Ceará; e “Lágrimas no papel”, inspirado na história da militante comunista Helenira Resende, assassinada pela repressão militar na Guerrilha do Araguaia, em 1972.
Como você analisa a atual conjuntura de políticas públicas que vem sendo desenvolvida pelo Ministério da Cultura?
É a expressão prática da democratização de bens e meios de produção culturais, principalmente através do genial programa de Pontos de Cultura, além de outras não menos importantes ações desenvolvidas por meio de editais, patrocínios diretos, estímulo ao mecenato e criação de sistema nacional de cultura envolvendo a totalidade de estados e municípios.
Como você vê a produção teatral na região do Cariri?
Intensa e diversificada. Aqui temos excelentes dramaturgos, atores, encenadores, produtores. Mas a maior virtude do nosso teatro atualmente é o abandono dos clichês globais e da estética ditada pelos grandes centros urbanos do Sul e Sudeste, principalmente através de ações midiáticas criminosas, hegemonistas e preconceituosas. O produto teatral do Cariri tem que ter o aroma, o sotaque, o rebolado, o ritmo, a história, a cultura do nosso povo que, longe de se fechar na região, revela uma avassaladora universalidade.
Entretanto, ainda há equívocos institucionais sérios, quando alguns órgãos, mesmo com dinheiro público, promovem um intercâmbio doutrinador e eliminador da auto-estima, quando desprestigiam a cena local.
Justiça precisa ser feita ao excelente desempenho do Centro Cultural Banco do Nordeste, que, ao longo do ano, atua na formação de platéia através do gosto pela cena produzida na região, fazendo-a circular e ganhar sentido de existir. Isso tem dado excelentes resultados na qualidade da produção caririense, além de gerar renda para os grupos e companhias.
A Guerrilha do Ato Dramático Caririense é uma realidade. O que é e como surgiu a idéia deste evento?
A Guerrilha é um movimento em favor da diversidade, respeito e afirmação da identidade cultural brasileira, especialmente por destacar a dramaturgia e a encenação produzidas no Cariri cearense como fortes elementos identitários do nosso povo. Foi, portanto, pensado a partir do debate com atores, diretores, dramaturgos e produtores, como forma de valorizar a produção dramatúrgica, a encenação e a realização de espetáculos na região, posto ser necessária intervenção de impacto que abra espaços de difusão da arte e do artista caririense, nordestino, brasileiro.
Esperamos, na continuidade desse processo, criar uma cooperativa de artes cênicas com o fim de garantir a unidade em defesa de ações formativas, difusão, desenvolvimento e, principalmente, reconhecimento aos artistas e suas produções.
Fonte:
http://www.vermelho.org.br/
17 de Novembro de 2009
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