A classe média revoltada tem mais um decibel de ruído. O Congresso Nacional, no interesse do Governo Federal, pretende criar mais um imposto com a finalidade de financiar a atenção de saúde através das políticas do Ministério da Saúde. Como no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a opção é pela arrecadação da movimentação das contas bancárias. E aí começa um drama nacional. A ruidosa queixa de quem tem movimentação bancária seja esta queixa de pessoa jurídica ou física. Aliás, contrariando a materialidade do mundo, as queixas das pessoas "jurídicas" são sempre mais retumbantes do que as físicas.
Agora se atenha ao quê se discute. A discussão é política, essencialmente política. E não tem aquele papo de política do pê maísculo ou pê minúsculo, isso é não existe, esta diferença é fruto da própria ignorância social e individual quanto a ser e funcionar na civilização humana. É política a questão da saúde desde o século XIX. Principalmente a partir da revolução industrial, ainda no século XVIIII, quando a miséria da mão-de-obra de reserva expôs os intestinos da nova civilização. Quando se expôs a questão da desigualdade social que relação alguma tinha com a desigualdade natural. Na verdade não apenas se expôs a questão da doença como um elemento da desigualdade social como se demonstrou, à exaustão, a insalubridade do "meio ambiente" urbano conseqüente da urbanidade desenfreada e da industrialização. A miséria dos expulsos dos campos e a maquinaria infernal de matar gente empregada nas tarefas industriais. Um símbolo definitivo: os Tempos Modernos do Chaplin.
É na mesma linha que a questão da saúde se apresenta neste ano de 2008, especialmente no Brasil. O Brasil, ao contrário dos reacionários de sempre, é um país capitalista, segue o modelo de sociedade e economia americana, tem suas instituições assemelhadas com a americana e, no entanto, na questão da saúde aqui é muito mais desigual a que deles. Além do mais, isso tem enorme relevância a cada pulso vital do cidadão, a saúde é hoje uma mercadoria internacional e a atenção de saúde inteiramente dependente do comércio mundial. A demonstração de que somos mais desiguais que eles: a) o per capita brasileiro com saúde é muito inferior ao americano (30 vezes menos); b) a diferença do per capita entre a classe média e o sistema em geral é enorme no Brasil (3 vezes); c) enquanto o sistema americano é financiado essencialmente pelo governo e por um sistema mutualista, no Brasil o desembolso das famílias representa mais de 30% das despesas globais.
A questão da saúde, em qualquer local do mundo e em qualquer estágio de desenvolvimento do capitalismo é matéria política. Apenas com a vontade de maiorias, com a solidariedade econômica e social e com a firme vontade expressa em políticas públicas de saúde, se podem incorporar coletivamente as vantagens dos avanços da tecnologia de base científica, das boas práticas decorrentes do conhecimento e da educação e da proteção daquelas em situação de risco. Neste ponto é que no mais avançado país do capitalismo mundial, os EUA, o governo, através dos impostos, financia mais da metade dos gastos com atenção de saúde. Do mesmo modo lá, o governo, por incentivos, por regulação e através de bases sociais de troca de conhecimento também se coloca no centro das políticas empresariais e dos trabalhadores nos chamados planos de saúde.
O Brasil não pode se resumir aos decibéis de uma classe média revoltada com impostos, aos gritos justos e necessários da oposição. È preciso ir além deste parco horizonte. O dever do Estado para com a saúde brasileira é constitucional e se fará, democraticamente, com fundos públicos, de modo hierarquizado (o que implica em racionalidade); descentralizado (significa justiça territorial); com equidade (redução das desigualdades sociais) e integral (promove, previne e recupera). Até hoje o Congresso Nacional não regulamentou em toda a sua extensão a Seguridade Social e não definiu as fontes que a financiarão de modo permanente e para o futuro, sem lesão dos direitos constitucionais das novas gerações.
Por isso não estamos tratando de uma simples taxa de acréscimo nas despesas de quem movimenta conta bancária. Não podemos perder de vista que estamos discutindo, com esta matéria, o próprio Sistema Nacional de Saúde e a paz social que decorre de sociedades mais iguais. Quando apresento o conceito de Sistema Nacional de Saúde é que hoje a sociedade, através do Estado, já oferece políticas nacionais de saúde em todos os sentidos, inclusive nos Planos de Saúde que já são regulados por lei. Por isso mesmo é que tudo se encontra no mesmo patamar, de onde se tira, ali se repõe. Quando até empresas de Planos de Saúde e prestadores de saúde sofrem a atração dos decibéis contra o imposto da movimentação bancária, não levam em conta que na outra ponta, a classe média que declara imposto de renda, tem renúncia fiscal por pagar tais despesas. Ora, de que adianta resistir aqui se na outra ponta isso poderá ser interrompido para fazer justiça com o sistema público?
A cautela mesmo é pensar a respeito das desigualdades atuais e na sua solução para o futuro. Não gostaria de acrescer mais nada, sei que me fiz entendido, mas acontece de alguém não ter percebido que a conta da saúde é social, que todos os agentes econômicos nacionais fazem parte desta conta, inclusive naquilo que a insensibilidade tecnocrática chama de custo Brasil. Pois bem, ser uma empresa nacional, fazer acúmulo de capital no país, tem deveres com a saúde e de modo geral com a sociedade brasileira. È preciso que as empresas, inclusive aquelas ligadas à vetusta FIESP, levem isso em conta na sua eficiência gerencial. Até é aceitável que façam o marketing de empresa preocupada com seu papel social, só não pode é perder a noção que pertencem a um ente que todos os brasileiros imaginam pertencer.
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