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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Enterro de Zé Sozinho



Um dos maiores divulgadores do cinema da região morre aos 67 anos, de parada cardíaca. Era um ex-agricultor, apaixonado pela sétima arte, que levou o nome do Cariri ao cenário nacional, recentemente, ao dar entrevista no Programa Jô Soares. José Raimundo Cavalcante, Zé Sozinho, o pernambucano de Pajeú das Flores, veio ainda menino para Caririaçu. O Cine Zé Sozinho trouxe alegria e fama. De bicicleta percorria o chão dos sertões com o seu projetor 16mm e suas latas de filmes pelo Interior, montando seu cinema ambulante e projetando clássicos da Cinédia e da Atlântida e títulos internacionais de aventura, faroeste e bíblicos.

No fim da tarde de ontem, seu corpo foi sepultado no cemitério local, cidade que por mais de quatro décadas teve a oportunidade de conhecer cinema. E, por esse ideal, Zé Sozinho percorreu cidades do Interior do Estado e do País. Mesmo com problemas de doença, não se dava ao direito de deixar sua grande paixão de lado. Há três semanas, fazia questão de levar seus filmes ao Centro Cultural de Caririaçu. Ele faleceu na manhã de segunda-feira.

A fama se espalhou. Zé Sozinho saia de casa sem data de voltar. O apelido de infância fez jus à sua profissão de fé. Filho de Maria Sozinha, a mãe recebeu a alcunha por chegar em Caririaçu com cinco filhos, viúva. Aos 12 anos, lembra o amigo de infância, Humberto Borges, Zé Sozinho já alimentava a sua grande paixão por cinema. “Ele chegava a ficar emendando a fita e quando não tinha mais o material para finalizar o filme, dava o seu final”, diz o amigo, ao ressaltar sempre o bom humor de Zé Sozinho.

“A cidade está triste. Ele era muito querido por todos”, diz Humberto Borges. Em casa, familiares e amigos davam o último adeus. À tarde o corpo foi levado para a igreja que Zé Sozinho freqüentava. Ele era evangélico. Humberto fala de outra paixão do amigo, que era a leitura. Livros que ele não chegava a entender, repassava para o amigo ler e explicar depois. O último deles o “Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec. “Ele me entregou e disse para eu ler, porque não estava entendendo”, diz o amigo, ao mostrar a página que fala do materialismo.

Em casa, amanhece o dia. Uma tristeza no salão. Embaixo do caixão, a cachorrinha Safira também revela ao seu modo a falta de Zé Sozinho. A noite inteira esteve velando pelo seu ex-dono. As crianças perguntam pelo homem que distribuía biscoitos e bombons. O ideal de vida de Zé Sozinho, segundo a sua viúva, Rita Ferreira Cavalcante, custou uma vida também muitas vezes solitária. Foram dez anos sem ter praticamente o marido em casa.

Um personagem que ganhou fama. Ocupou dois blocos do Programa Jô Soares, da Rede Globo, para falar um pouco de sua história. Esteve na emissora, por meio do contato de Adriano Lima, que em 2007 lançou um documentário sobre o “Cine Zé Sozinho”. Em 2006, uma grande alegria para o senhor do cinema do Cariri. Ele recebeu do Centro Cultural Banco do Nordeste equipamentos novos para continuar projetando os seus filmes, avaliados em R$ 18 mil. Uma de suas grandes alegrias na vida.

Ao mesmo tempo esperto e ingênuo, Zé Sozinho fazia proezas inesperadas, como editar um filme sobre a Paixão de Cristo com cenas de filmes de faroeste, para saciar a vontade por aventura do público de uma determinada cidade. Mesmo com uma estrutura precária de seus equipamentos, e da falta de filmes para projeção que o fim da Embrafilme acarretou, ele cumpria sua missão de levar cultura e diversão para localidades que nunca tinham visto uma tela de cinema. Projetou o seu sonho nas telas e na vida de milhares de pessoas.

Em 2001, o diretor Adriano Lima, que não pôde comparecer ao velório, encontrou seu personagem pela primeira vez. Com isso, deu início à pesquisa que resultou em Cine Zé Sozinho. Num pequeno quarto ao lado da casa onde estava sendo velado, guardava seus equipamentos de trabalho. Latas de negativo em deterioração e fitas VHS. Um megafone, a placa do Cine Paraíso. Na Praça Belizário Clementino, de frente, realizava as suas últimas exibições de filmes. A homenagem do Cine Ceará foi em 2003. Zé Sozinho foi presenteado com um projetor digital. A sua paixão por cinema era maior do que todas as dificuldades. Não mediu distância. Pegou carona no sonho e partiu.

Elizângela Santos
Repórter

PROTAGONISTA

Sonhador - Zé Sozinho
José Raimundo Cavalcante, o Zé Sozinho, dedicou sua vida a exibir filmes no Interior do Estado. Durante anos, carregou seu projetor 16mm e suas latas de filmes, montando o cinema ambulante com clássicos

Diário do Nordeste

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