Entrevista concedida por Cacá Araújo à jornalista Thereza Dantas, para o site Dramaturgia Contemporânea. É só conferir o site pelo :www.dramaturgiacontemporanea.com.br/agenda
1. Quais textos já foram montados?
- “A Comédia da Maldição”, em 2005 e 2007, com direção minha e atuação da Cia. Cearense de Teatro Brincante, no Teatro Rachel de Queiroz, Crato-CE. Tem reestréia marcada para maio de 2009, no Teatro SESC Patativa do Assaré, em Juazeiro do Norte-CE.
- “O Pecado de Clara Menina”, estreou em 2007 no Teatro Rachel de Queiroz, Crato-CE, e circula pela região do Cariri cearense, também com minha direção e atuação da Cia. Cearense de Teatro Brincante. Continua em cartaz em 2009, devendo seguir para Sousa-PB e Fortaleza-CE.
- “As presepadas de Zé Ozébe”, foi criada em 2007, inicialmente encenada por alunos do Curso de Teatro da Sociedade de Cultura Artística do Crato (Turma de Cacá Araújo, dez/2007, com direção de Daniel Rodrigues). Depois foi montada pela Cia. Impulso de Teatro, de Juazeiro do Norte-CE, com direção de Mauro César, desta feita estreando em 2008 no Teatro do Centro Cultural do Banco do Nordeste (Juazeiro do Norte-CE), circula no Cariri cearense e paraibano. Continua em cartaz em 2009. Deve ser encenada em Feira de Santana-BA, sob a direção de Marcelo Czar.
- “Monólogos das Flores Violadas”, encenada em 2008, com apresentações no Teatro do Centro Cultural do Banco do Nordeste (Juazeiro do Norte-CE) e Teatro do SESC (Crato-CE), dirigida mim e interpretada pela excelente atriz Carla Hemanuela.
- “Lágrimas no papel”, que estreou em 2008, direção minha, na Faculdade Leão Sampaio - Curso de Serviço Social (Juazeiro do Norte-CE), tem a brilhante interpretação da atriz Françoi Fernandes. Ainda em cartaz em 2009, recentemente foi apresentada no Teatro do SESC em Crato-CE e Juazeiro do Norte-CE.
- “A Donzela e o Cangaceiro”, em fase de montagem, com direção minha e elenco da Cia. Cearense de Teatro Brincante tem estréia prevista para o segundo semestre de 2009, no Teatro Rachel de Queiroz, Crato-CE.
2. A linguagem de suas peças é muito coloquial nordestina, porque você faz isso?
Tenho preferência pela escrita de textos no que chamo de “dialeto nordestino”, que é uma variação lingüística identitária e reveladora da alma popular da região, a um só tempo local e universal, pelo que traz do arsenal vocabular ibérico e, em menores proporções, de outras partes do mundo. Uso, ainda, o verso popular, que nos remete aos trovadores medievais e nos aproxima dos cantadores e repentistas, tão emblemáticos da nossa cultura. Também sempre elejo como motivos centrais causos, lendas e mitos ancestrais como forma de manter vibrantes nossas raízes culturais, de difundir nossas tradições através dessa contação de histórias espetacular que é o teatro. É uma contribuição modesta à gloriosa luta pela afirmação nacional, respeitando toda a diversidade sem se deixar engolir pelos detentores do poder econômico e midiático, seja de dentro ou de fora do país. É a celebração da harmonia universal das diferenças! Somente assim a alma não se destrói, e a contemporaneidade não perde a seiva ancestral que a torna legítima de um povo ou nação.
Mas também escrevo sobre temáticas políticas e sociais numa linguagem, digamos, urbana, como é o caso de meus dois monólogos e de outros projetos que tenho prontos, sempre, nestes casos, seguindo a linha “engajada” de denúncia, de luta social, de forte teor ideológico e de combate ao capitalismo e às injustiças por ele produzidas.
3. Você acredita que esse coloquialismo pode gerar um sentimento regionalista e não sair das fronteiras do Nordeste?
Independente disso, nós já somos vítimas de um preconceito imbecil e arrogante por parte da grande mídia e de certa intelectualidade elitista principalmente do Sul e Sudeste, que não admite arte que não seja moldada em seus parâmetros estéticos e lingüísticos ou nos de seus “superiores” estrangeiros. Vêem-nos com menores, inferiores, até mesmo quando “macaqueamos” seus modelos. Mas felizmente essa é uma tendência que está ficando ultrapassada, especialmente quando se tem em curso políticas públicas que valorizam a diversidade, como é o caso atualmente do desempenho do governo federal.
Creio que o fato de privilegiarmos nossa linguagem pode gerar desinteresse por parte dos grandes patrocinadores privados de origem não-nordestina e internacionais, embriagados pela mídia e enlouquecidos pela sede de lucros. Mas penso que circuitos alternativos subsidiados pelo poder público realizados por instituições sérias como o SESC, BNB, FUNARTE e outras, via editais ou mesmo através de festivais e outras iniciativas, poderão desmistificar esse falso entendimento de regionalismo e proclamar a universalidade de qualquer gesto artístico.
Outra vertente importante é no campo midiático. O Brasil não pode mais bancar o monopólio da informação e da veiculação de símbolos culturais nas mãos de um punhado de produtores e intelectuais de uma única região ou estado. Precisamos regionalizar a nossa produção televisiva e informativa para que a diversidade nacional seja respeitada. Quando falo regionalizar é no sentido de difundir a arte, a notícia, os costumes, a história, a vida do povo de cada região geográfica e cultural, sem impor as neuras comportamentais estrangeiras nem os modismos novelísticos da vez. A democratização efetiva dos meios de comunicação é um caminho indispensável. Na minha opinião deveria ser tudo estatizado, laicizado, “gratuitizado”, com efetivo e eficiente controle social. Nada de “Marinhos”, “Macedos” e outros arremedos de paladinos da comunicação.
Não podemos, também, descuidar dos processos educacionais formais. A escola tem que ser um centro múltiplo: receptor, produtor, irradiador e intercambiador da ciência e da arte. Digo isso porque vejo a Educação como centro da emancipação humana. Somente através dela pode salvar o homem da desgraça, da barbárie, da destruição. Mas precisamos mudar os paradigmas ideológicos dominantes.
4. Existe alguma regra na construção dos seus dramas?
Sou um dramaturgo autodidata. Li e leio muito sobre tudo, de história e teoria literária aos clássicos e atuais conhecidos e desconhecidos autores. Cordéis, romances, política, poemas...
Considero-me privilegiado por ser aluno de Aristóteles, Platão, Sócrates, Sófocles, Eurípides, Ésquilo, Plauto, Racine, Molière, Goldoni, Brecht, Meyerhold, Stanislavski, Marx, Engels, Stálin, João Amazonas, Ângelo Arrôyo, Plínio Marcos, Dario Fo, Nelson Rodrigues, Maria Clara Machado, Lourdes Ramalho, Ariano Suassuna, Dias Gomes, Guarnieri, Boal, Câmara Cascudo, Oswaldo Barroso, Rosemberg Caririy, Mário de Andrade, Patativa do Assaré, Correinha, Leandro Gomes de Barros, Galego Aboiador, Marreco, Gavião, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Pedro Bandeira de Caldas, Raimundo Aniceto, Mestre Aldenir, do transeunte, do bêbado, da meretriz, da criança, do vento... e de tantas e tantos incontáveis mestres e loucos!
Não costumo seguir regras na criação de minhas obras, apenas estabeleço um argumento inicial, que depois deriva para narrativas mais detalhadas, seguindo-se da elaboração do texto propriamente dito. Como sou ator e diretor, gosto de abusar de rubricas, pois escrevo para eu mesmo encenar, embora não proíba que outros diretores e companhias montem meus textos.
5. Você está escrevendo um livro sobre o gestual do teatro nordestino. Poderia nos contar um pouco sobre esse trabalho?
Não é exatamente um livro. Estou pesquisando e experimentando o que chamo de “cena brincante”, que é um mergulho na tradição dos folguedos populares (Reisado, Maneiro pau, Coco, Bandas cabaçais etc.), na inspiração dos mitos (Lobisomem, Caipora, Lula-sem-cabeça...), no aconchego dos causos e lendas, nos movimentos faunescos (gestualidade animal), no antropo-homem sertanejo... ligando isso tudo a nossa ancestralidade. Estamos à procura do “gesto dramático universal”, por isso a palavra falada, dita, não pode ser impeditiva de circulação de um espetáculo. Pretendo, entretanto, publicar essa experiência.
6. Quais são os personagens arquetípicos do teatro nordestino?
O Nordeste é mais legitimamente universal do que qualquer outra região do país. Aqui residem os elementos formadores do grande mosaico cultural que é o Brasil, caldeado por mais de quinhentos anos. Aqui nós temos ibéricos, mouros, africanos e ameríndios. Somos talvez o maior exemplo da possibilidade de unidade de contrários, de harmonia da diversidade, de beleza e de multiplicidade de cores.
Neste sentido, nossos personagens arquetípicos vêm de tempos medievos e de pelejas nem sempre alegres ou brincantes. É o Bobo-Grilo-Malasartes-Mateus-Povo que diverte os poderosos ao tempo em que deles se vinga e astuciosamente persegue a felicidade. É o valente, a donzela, o bicho-mito que apavora e fortalece uma moral religiosa, a fera que se transforma, o príncipe que liberta... Somos um povo “aventuroso” desde os nossos antepassados. Estamos sempre recontando a extraordinária epopéia da busca da felicidade, reeditando permanentemente a comédia e a tragédia de se viver digladiando contra a opressão (monstro) para salvar a princesa (liberdade). Isso é resquício da colonização católica. Temos nossos Zumbis e outros mitos e heróis que nos remetem ao índio, ao cangaço e às façanhas revolucionárias que nossa maravilhosa história teima em reacender.
7. O que se aproxima mais do teatro nordestino hoje, a comédia dell'arte ou a dramaturgia contemporânea?
Vejo a commedia dell’arte como a síntese genética do teatro nordestino, pois este, mais apegado à tradição das ruas e das feiras, soube melhor traduzir a essência da alma popular, não se deixando levar pela tendência neurótica do urbanóide narcotizado pelo vírus estadunidense ou pela vertente européia degenerada.
Quero até fazer um parênteses quanto à questão da contemporaneidade. É que as épocas estão se fundindo como que a caldear uma nova existência e o que tiver raiz profunda sobreviverá. Por isso não podemos nos perder do nosso tronco, sob pena de termos que penar mamando no peito de quem não nos pariu e até nos comportarmos como sendo outro, pensando sermos nós. Imagino e sou convicto de que o nosso “novo”, o nosso “contemporâneo” não deve se perder da “umbilicalidade” original.
8. Como você vê a produção do teatro nordestino hoje?
O verdadeiro teatro nordestino é a festa dionisíaca mais original, efervescente e respeitável que conheço, pois, via de regra, não tem apelo nem pêlo dos gatinhos e gatinhas da mídia novelística que garante bilheterias e dispensa talento. Vejo autores mais destacados como o Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho e Lourdes Ramalho, serem, por nós notabilizados, junto a Oswald Barroso, Marcos Barbosa, Emmanuel Nogueira, Cacá Araújo e Wanderley Tavares dentre outros, com algum espaço na produção e circulação, ainda que circunscrita praticamente ao Ceará e ao Nordeste.
9. Como você vê a produção do teatro brasileiro?
Acompanho o que a internet, jornais e revistas me oferecem. Depois o que consigo ver por aqui, não sendo muito, mas sempre de muita valia.
Entendo que o teatro brasileiro terá sua dimensão reconhecida em todos os sentidos quando o povo conseguir olhar para o espelho e vir a si mesmo, com suas ambições, perfeições e defecções, sonhos, alentos e desalentos, feiúras e belezas, aventuras e desventuras... motivos de orgulho e de auto-estima revigorados! Hoje o nosso teatro ainda é, no conjunto majoritário, a expressão de poucas companhias de famosos e ou privilegiados pelo grande patrocinador privado ou estatal, fruto de lobby midiático.
Entretanto, a produção não cessa e se diversifica na riqueza do temário, da história, da ousadia e do talento de homens e mulheres que se afirmam na condução da cena brasileira alternativa. Não se pode desconhecer a interpretação magistral de um Autran e de uma Montenegro ou Pêra, sem também elencar gente nossa como Ricardo Correia, Salviano Saraiva, Orleyna Moura e muitas e muitos...
Em, 5 de abril do ano 2009.
foto: www.blogger.com
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terça-feira, 14 de abril de 2009
A DRAMATURGIA DE CACÁ ARAÚJO
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