Nem sempre é o esquecimento aquele que faz renascer as atrocidades da história. Por vezes são as paixões irracionais de certos períodos que as põe em prática novamente. Na última eleição o que mais chamou a atenção foi o “renascimento” dos setores envolvidos com a repressão política na época da ditadura militar. Ex-quadros ligados à tortura, militares reformados encastelados no Clube Militar, com mandato legislativo e em blogs e site, usaram a estrutura da campanha do PSDB para se ativarem no meio.
O Jornal A Folha de São Paulo foi ativa nesta prática, desde o momento que tornou manchete uma ficha falsa da candidata Dilma Roussef, elaborada por um site ligado aos quadros da repressão. Aqueles e-mails que inundaram as caixas de correio falando do jovem militar metralhado, de que a candidata não poderia ir aos EUA impedida como seqüestradora do embaixador americano nos idos de 68, como a história de ser filha de búlgaro e assim por diante. A velha máquina fascista de perseguição a comunistas e liberais da política.
Todos sabemos que a história não está fora como escrita nas folhas das cascas mortas das árvores. A história nos confronta o tempo todo, desde o momento que se leu e repassou aquelas mensagens, quanto das vezes em que as reproduziu em conversas. Lembro de uma das coisas mais impressionantes que me ocorreu no confronto direto com a história.
Era meu terceiro ano no Rio de Janeiro. Esta imensa e indigesta cidade, com a qual não tinha grandes relações e ainda decifrava seu modo de operar. Após estágio na ainda provinciana cidade de Fortaleza, agora as dimensões eram de bordas imprecisas. Onde parar e como começar? As questões eram efetivamente transcendentais e estrangeiras para mim. Estagiava num hospital de Doenças Infecciosas e Parasitárias durante a grande epidemia de Meningite da década de 70.
No meu pequeno hospital universitário, escondíamos quadros do Partido Comunista Brasileiro, naquela altura vítimas de feroz perseguição política. Então estou de plantão, quase que solitário no Hospital. Por coincidência cuido de uma criança em estado grave, acabara de fazer-lhe uma punção para tirar líquido da sua coluna vertebral e analisar a evolução da doença, quando entrou um senhor de meia idade, carregando um chapéu pela mão e de cabeça baixa.
Esperou o fim do procedimento e timidamente se aproximou da beira do leito onde eu fazia as anotações para enviar o material biológico ao laboratório. Aproximou-se e identificou-se como pai da criança. Não me pediu por palavras, mas seus olhos suplicavam por uma palavra minha e lhe relatei o estado do filho, demonstrando otimismo. O líquor (colhido da coluna) estava mais claro e aquilo era sinal de boa evolução e o quadro neurológico não parecia apontar seqüelas.
Ele relaxou e com emoção começou a falar de seu estado quase clandestino, por isso sua dor só pudera se defrontar com o estágio da doença do filho naquela hora. Ele era policial civil, recrutado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury para atuar na repressão à esquerda brasileira em São Paulo. Se soubesse de mim lhe seria vítima e eu era uma das salvações do seu filho o qual se recuperou muito bem e deve ter dado netos àquele pai. Não o imagino, se ainda estiver vivo, como autor daquelas mensagens, mas nada impede que o seja.
Como bem diz Maria Helena Moreira Alves no seu livro sobre a ação política da ditadura: a censura sobre a tortura impõe o silêncio; este silêncio isola os que sofrem a repressão e a exploração econômica e este isolamento impede que outros setores da sociedade viessem em socorro. Enfim, uma ação política que quebrava antropologicamente o maior esteio da cultura: a solidariedade entre as pessoas. Aquela mesma que profundamente me ligou ao drama daquela família de um policial envolvido com a repressão e a tortura.
Nunca é demais perguntar-se sobre o teu papel nestas ditas horas.
O Jornal A Folha de São Paulo foi ativa nesta prática, desde o momento que tornou manchete uma ficha falsa da candidata Dilma Roussef, elaborada por um site ligado aos quadros da repressão. Aqueles e-mails que inundaram as caixas de correio falando do jovem militar metralhado, de que a candidata não poderia ir aos EUA impedida como seqüestradora do embaixador americano nos idos de 68, como a história de ser filha de búlgaro e assim por diante. A velha máquina fascista de perseguição a comunistas e liberais da política.
Todos sabemos que a história não está fora como escrita nas folhas das cascas mortas das árvores. A história nos confronta o tempo todo, desde o momento que se leu e repassou aquelas mensagens, quanto das vezes em que as reproduziu em conversas. Lembro de uma das coisas mais impressionantes que me ocorreu no confronto direto com a história.
Era meu terceiro ano no Rio de Janeiro. Esta imensa e indigesta cidade, com a qual não tinha grandes relações e ainda decifrava seu modo de operar. Após estágio na ainda provinciana cidade de Fortaleza, agora as dimensões eram de bordas imprecisas. Onde parar e como começar? As questões eram efetivamente transcendentais e estrangeiras para mim. Estagiava num hospital de Doenças Infecciosas e Parasitárias durante a grande epidemia de Meningite da década de 70.
No meu pequeno hospital universitário, escondíamos quadros do Partido Comunista Brasileiro, naquela altura vítimas de feroz perseguição política. Então estou de plantão, quase que solitário no Hospital. Por coincidência cuido de uma criança em estado grave, acabara de fazer-lhe uma punção para tirar líquido da sua coluna vertebral e analisar a evolução da doença, quando entrou um senhor de meia idade, carregando um chapéu pela mão e de cabeça baixa.
Esperou o fim do procedimento e timidamente se aproximou da beira do leito onde eu fazia as anotações para enviar o material biológico ao laboratório. Aproximou-se e identificou-se como pai da criança. Não me pediu por palavras, mas seus olhos suplicavam por uma palavra minha e lhe relatei o estado do filho, demonstrando otimismo. O líquor (colhido da coluna) estava mais claro e aquilo era sinal de boa evolução e o quadro neurológico não parecia apontar seqüelas.
Ele relaxou e com emoção começou a falar de seu estado quase clandestino, por isso sua dor só pudera se defrontar com o estágio da doença do filho naquela hora. Ele era policial civil, recrutado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury para atuar na repressão à esquerda brasileira em São Paulo. Se soubesse de mim lhe seria vítima e eu era uma das salvações do seu filho o qual se recuperou muito bem e deve ter dado netos àquele pai. Não o imagino, se ainda estiver vivo, como autor daquelas mensagens, mas nada impede que o seja.
Como bem diz Maria Helena Moreira Alves no seu livro sobre a ação política da ditadura: a censura sobre a tortura impõe o silêncio; este silêncio isola os que sofrem a repressão e a exploração econômica e este isolamento impede que outros setores da sociedade viessem em socorro. Enfim, uma ação política que quebrava antropologicamente o maior esteio da cultura: a solidariedade entre as pessoas. Aquela mesma que profundamente me ligou ao drama daquela família de um policial envolvido com a repressão e a tortura.
Nunca é demais perguntar-se sobre o teu papel nestas ditas horas.
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