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sábado, 19 de abril de 2008

Há 170 anos George Gardner visitava a Vila Real do Crato

Antigo engenho de rapadura localizado no município de
Crato (CE) - arquivo de Waldemar Arraes de Farias

Uma vida breve e rica! Assim poderia ser sintetizada a existência de George Gardner, Naturalista, Botânico Memorialista, Intelectual, Pesquisador, Escritor, Ensaísta e Cientista inglês, nascido em Glasgow, Escócia, no dia 02 de maio de 1812. Naquela cidade, ele iniciou seus primeiros estudos. Graduou-se em Medicina e Botânica. Muito jovem, aos 24 anos, iniciou uma visita de estudos ao então Império do Brasil.

Ao final da tarde do dia 9 de setembro de 1838, após ter cavalgado sobre terra plana e arenosa, de ter contemplado grandes plantações de cana, onde sentiu o cheiro do mel vindo dos engenhos de rapadura, a invadir a atmosfera com seu aroma adocicado, avistou Crato. Extasiado com a beleza da localidade, ele escreveu as linhas abaixo:

"
Impossível descrever o deleite que senti, ao entrar neste distrito, comparativamente rico e risonho, depois de marchar mais de trezentas milhas através de uma região que, naquela estação, era pouco melhor que um deserto.

A tarde era das mais belas que me lembra ter visto, com o sol a sumir-se em grande esplendor por trás da Serra do Araripe, longa cadeia de montanhas, a cerca de uma légua para Oeste da Vila, e o frescor da região parece tirar aos seus raios o ardor que pouco antes do poente é tão opressivo ao viajante, nas terras baixas.

A beleza da noite, a doçura revigorante da atmosfera, a riqueza da paisagem, tão diferente de quanto, havia pouco, houvera visto, tudo tendia a gerar uma exultação de espírito, que só experimenta o amante da natureza e que, em vão eu desejava fosse duradoura, porque me sentia não só em harmonia comigo mesmo, mas “em paz com tudo em torno".

No dia seguinte, o visitante aprofundaria o seu contato com a sociedade de Crato e, aos poucos, ia registrando as primeiras decepções. É dele a seguinte observação:
“(A Vila do Crato) é uma cidade pequena e suficientemente mísera, com um terço de Icó em tamanho. Suas casas, muito irregularmente construídas, são todas térreas, com uma só exceção. Tem uma cadeia e duas igrejas, mas a primeira destas, inacabada, já tem toda a aparência de ruína, pelo tempo em que a deixaram assim. A cadeia, também, está de tal modo arruinada que mal lhe cabe o nome de prisão, embora encerre sempre uns poucos criminosos. Era guardada por dois soldados, que cumpriam seu dever tão molemente que, ao passar, eu os via ora jogando cartas, ora dormindo à sombra da casa. De um sargento que, quando ali estive, se achava preso por desobediência ao seu superior, sabia-se que saía todas as noites, por uma janela só de trancas de pau, para dormir em casa e voltar de manhã para passar o dia na prisão.

Toda a população da Vila chega a dois mil habitantes, na maioria todos índios ou mestiços que deles descendem. Os habitantes mais respeitáveis são brasileiros, em maioria negociantes; mas como
ganharam a vida as raças mais pobres é coisa que não entendo".

Ritos, mitos e lendas do Cariri 1: a cachoeira de Missão Velha

Na história primeva do Vale do Cariri, ganhou destaque uma cachoeira – localizada no município de Missão Velha – que era apresentada como um lugar misterioso e sagrado para os primeiros habitantes do Vale: os índios Cariris. Estes, naquele aprazível sítio, interagiam com a natureza. Na cachoeira existe a Pedra da Glória, donde, ainda hoje, a voz humana é projetada com sons metálicos. Dizem que essa pedra era o local escolhido pelos silvícolas para suas cerimônias místicas.

O imaginário popular conservou muitas lendas, a partir da Cachoeira de Missão Velha. Falava-se na existência de passagens subterrâneas que, partindo do local, levariam a castelos encantados, cheios de tesouros. Traços da cultura da Península Ibérica? Na realidade, um contraste com o estado de penúria de parte da população que vivia e vive marginalizada do exercício da cidadania. Nos dias atuais, esta Cachoeira virou local para encontros dos adeptos do Candomblé, religião introduzida no Brasil pelos escravos negros, e que vem crescendo, ultimamente, até nas pequenas cidades do interior brasileiro. Esta outra realidade do presente, da qual o Cariri não pode fugir.

Quem sabe, vem daí esta interação – que perdura até os dias de hoje – entre o Homem-Cariri e a terra que lhe serve de habitat. Dotada de belas paisagens – emolduradas pela Serra do Araripe – a Região do Cariri é muito mais do que um vale fértil, privilegiado de águas abundantes, onde predomina o verde das matas e dos canaviais. Aqui foi plasmada uma cultura sui generis, formada por duas correntes. A primeira é remanescente das manifestações culturais dos índios Cariris. A segunda, que se fundiu com a primeira, teve origem na Península Ibérica e foi trazida pelo colonizador branco. Desta última conservamos as festas do Pau da Bandeira, que abrem as novenas dos padroeiros das cidades do Cariri. Uma coisa uniu essas duas correntes: a simbiose com a terra, que influenciou e modificou os costumes importados.