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quarta-feira, 2 de junho de 2010

A peleja de Pedro Honório com Benardo Melgaço - Por Zé Nilton

Por Zé Nilton
Crédito da imagem: ateliedapalavra.zip.net/

Outro dia recebi a agradável visita de dois amigos. O prof. Bernardo Melgaço chegou bem cedinho ao meu rancho. Quando olhei pro caminho, distante, lá vinha Pedro Honório.

A manhã daquele domingo resultou num duelo de titãs. O prof. Melgaço e Pedro Honório. Aquele cabeça; este cabaça. O primeiro, dono de uma mente brilhante armazenada de resultados do conhecimento sobre os homens e o mundo. O segundo, igualmente. A diferença entre os dois está na forma de apreensão da realidade. Cada um, de per si, se serviram do velho padrão dual de acesso ao conhecimento. Melgaço, intelectual orgânico, falou através dos ditames adquiridos pelos mecanismos (nem sempre, ele professa) racionais da ciência; Honório, intelectual orgânico (viva o relativismo do conceito em Gramsci) pela observação direta (senso comum).

Naquele domingo comeu-se um suculento mungunzá, prato preferido do carnívoro Pedro Honório, sem descurar do peixe cozido para o vegetariano Melgaço.

Eu, da cozinha, olhava os olhares dos dois fixados um para o outro. Seu Pedro descia um respeitoso olhar de cima para baixo sobre o prof. Bernardo. Este fitava o rosto de seu Pedro como a contar as rugas de sua vivência. Cada um esperou o mote do outro, respeitosamente.

Quebrou-se o silencio.

- Seu Pedro, disse Melgaço, o Zé Nilton tem me falado do Sr. Disse-me que o Sr. é poeta, contador de histórias, músico, mateiro, uma espécie de capitão do mato, e filósofo, o que me diz ?

- Homi, não é nada disso. A não ser do mato, outra coisa num sou. De quando em vez, dou as minha espiadas nas coisas da vida...

- O que o Sr. vê olhando o mundo ?

- Dr., olhando pro mundo redondo, vejo as composição do universo, tudo perfeito e girando

de um jeito que não se acaba nunca. Eu tenho feito previsão, lendo o “anuário prepeto” ,de coisa que eu digo pros daqui, e eles num acredita. Só acredita quando acontece, e tem acontecido muito...

- Fale-me do que o Sr. já adivinhou.

- Nunca perdo um ano de inverno. Começo em oitubro, nas primeira madrugada. Olho pra barra do nascente, pro vermei do poente, pra localização da estrela Dalva, e aí num tem perigo preu num dizer como vai ser o inverno.

Nesta altura, o prof. Melgaço perguntou a Pedro Honório o que ele lhe diria sobre a vida. Coincidiu também com o meu afastamento dos dois. Permaneci um tempão ocupado entre a cozinha e a frente da casa, atendendo a vizinhos, sem deixar, de vez em quando, de mexer as panelas e ouvir a peleja.

Numa das vezes que acorri ao fogão, o prof. Melgaço discorria sobre a teoria das cordas, um dos novos paradigmas dos inícios. Notei um Pedro Honório boquiaberto. Noutra, seu Pedro perguntava a Melgaço: você sabe por que a vida é um buraco?

Já na mesa, entre mungunzá e peixe cozido eu reparava para as duas figuras. E pensava comigo: os dois estão corretos ou são apenas concepções diferentes sobre as coisas do mundo?

Que o prof., Bernardo Melgaço tenha rápida e pronta recuperação; e que Pedro Honório, aos quase noventa anos, continue firme e forte, e me visitando, para saborear o meu (seu) mungunzá

Por Zé Nilton

COMPOSITORES DO BRASIL


“Vem que passa teu sofrer
Se todo mundo sambasse
Seria tão fácil viver”
(Chico Buarque, Tem mais Samba, 1964).

CHICO BUARQUE
Parte I

Por Zé Nilton

Guardadas as devidas proporções musicais, mas não sentimentais, talvez o meu espanto ao ouvir o Chico pela primeira vez, quando eu subia a rua Mons. Assis Feitosa rumo à Praça Siqueira campos, numa tarde qualquer do ano de 1966, assemelhe-se ao que foi acometido por Caetano, Gil, Chico, Nelson Motta e outros, quando ouviram o inusitado João Gilberto tirando a clássica “Chega de Saudade”, de Tom e Vinícius, com a desconcertante batida de seu violão, em 1959.

O veículo do meu deleite foi o mesmo de alguns dos citados: a amplificadora. No centro da Praça, e espalhada pelos bairros de então, a famosa Amplificadora Cratense sonorizava a música de um tempo que ficou marcado no imaginário de toda uma geração, e contribui para forjar a identidade de nosso povo.

Chico é considerado um divisor de águas entre a bossa nova e a nova música popular brasileira em que o talento dele e de muitos imprimiram uma diversificação rítmica, principalmente na música urbana. O próprio Chico produziu samba, fox - trote, marchinha, bolero, valsa, rock, baião, blues, e vai por aí...

A história da produção artística do compositor, cantor, escritor, teatrólogo e amante do futebol, esse carioca nascido em 04 de junho de 1944, está escrita, reescrita em livros, jornais, teses acadêmicas, e no seu site www.chicobuarque.com.br.

Portanto, não temos nada de novo a dizer, a não ser que sempre percebemos algo de novo toda vez que o escutamos, com frequencia.

Queremos tão-somente homenageá-lo no mês de seu aniversário, e o faremos editando e apresentando uma sequencia de três programas no Compositores do Brasil.

Seguiremos a linha do tempo para que o ouvinte possa acompanhar a evolução musical desse gênio de nossa música, ao tempo em que vamos contextualizando a sua obra no interior dos principais acontecimentos históricos do Brasil recente.

Como suporte, lançamos mão da bela escrita de Wagner Homem no seu livro: Histórias de canções, Chico Buarque, São Paulo, Editora Leya, 2009.

Na sequencia algumas músicas de 1964 a 1966.

TEM MAIS SAMBA (“considerado pelo Chico como marco zero de sua carreira profissional”)
JUCA
LUA CHEIA, de Chico e Toquinho
SONHO DE UM CARNAVAL
PEDRO PEDREIRO
OLÊ, OLÀ
MEU REFRÃO
NOITE DOS MASCARADOS
COM AÇUCAR E COM AFETO
MORENA DOS OLHOS D´ÁGUA
A BANDA
QUEM TI VIU, QUEM TE VÊ

Quem ouvir verá!

Informações:
Programa Compositores do Brasil
Pesquisa, produção e apresentação de Zé Nilton
Sempre às quintas-feiras, de 14 as 15 horas
Rádio Educadora do Cariri – 1020 kz.
Apoio: CCBN.
Retransmitido pela www.cratinho.blogspot.com

Grata recordação

Pedro Esmeraldo

No inicio dos anos 30, meu pai iniciou o plantio da cana-de-açúcar no sítio São José. Considero-me uma pessoa privilegiada, pois tive a sorte de conviver no meio da bagaceira, já que meu pai possuía dois engenhos, um em Crato e outro no município de Barro – CE.

Deixou-me como legado um patrimônio auspicioso que foi a educação. Esse engenho teve início em 1930; a principio, de forma rudimentar, movido a tração de bois. No meio da década de 30, mudou para engenho a vapor que perdurou até a vinda da energia elétrica de Paulo Afonso, no ano de 1970, quando desapareceu o predomínio da rapadura, visto que foi substituído pelos alimentos sofisticados dos tempos modernos.

Quando passo pelas ruínas do antigo engenho, no sítio Pau Seco, neste município, tenho grandes recordações daqueles tempos áureos de minha infância. Há mais ou menos 50 anos era um lugar aprazível, aconchegante e que favorecia uma relação harmoniosa de paz de espírito.

Convivi naquele local no meio de pessoas humildes, com comportamentos inusitados, constituídos de várias naturezas, com semblante rústico, precisando de muito sutileza no equilíbrio emocional, decorrente da fadiga pela luta árdua e das canseiras diárias.

Meu pai, um cidadão sério, agricultor arrojado, praticava as atividades agrícolas por vocação. Sabia projetar com equilíbrio o trabalho agrícola. Conduzia com perfeição as manhas dos trabalhadores, mas manejava com altivez e bom senso crítico. Livrava-se dos perigos, utilizando palavras hábeis. Fugia com muita tranquilidade das pessoas ardilosas que o obrigavam a se comportar com o máximo grau de bondade que o respeitavam e obedeciam com sinceridade as suas ordens.

Como já relatei acima, meu pai, homem destemido e hábil, tinha o cuidado de colocar trabalhadores certos nos lugares certos.

Autodidata por natureza, dirigia com perfeição e conhecimento todos os trabalhos inerentes ao campo agrícola, saindo-se muito bem nessa atividade espinhosa, levando com brilhantismo e com direção arejada a luta do campo; sempre acompanhado de trabalhadores experientes, afim de adquirir melhoria de produtividade, já que desejava aumentar o seu patrimônio dentro da tecnologia aperfeiçoada.

Seus trabalhadores tinham uma conduta séria e de comportamento exemplar, por isso granjeou muitas amizades, projetando bom desempenho, mostrando que com trabalho sério e honestidade o homem chega a ter sucesso em seu serviço.

Esses trabalhadores rudes, que mais guardo na recordação da minha memória, vistos pelo seu comportamento zombeteiro, foram indubitavelmente os cambiteiros: eram irrelevantes, com procedimentos duvidosos, senhores absolutos e anarquistas, visto que desrespeitavam a pessoa humana. Tornavam-se figuras intolerantes em seus trabalhos com a posição de homens irregulares no campo de transporte de cana do brejo para o engenho. Nem tudo era desprezo para essa classe de trabalhadores rudes já que desempenhavam com muita satisfação a sua tarefa.

Trabalhavam sem cessar, como prestadores de serviço, pois tinham por obrigação conduzir com 5 (cinco) animais atrelados com arreios rústicos: como a cangalha (peça de madeira artesanal colocada no lombo do animal, revestida de forro e pano de algodão e coro de gado e embutida com produto cactáceo existente nas catingas do nordeste), a cilha (fita de couro que prendia a cangalha na barriga do animal), a focinheira (espécie de cabresto para facilitar o manejo dos animais), a rabichola (que prendia a cauda do animal à cangalha), e o cambito (peça de madeira que facilitava o transporte da cana).

Devido à rusticidade do trabalho, os cambiteiros se tornavam intolerantes aod habitantes aos arredores dos engenhos. Ninguém gostava de sua conduta. Possuidores de comportamento repreensível, tornavam-se intolerantes comprovadamente pela anarquia que, por natureza, ninguém suportava de bom grado, Eram, pois, zombeteiros e intrigantes quando iam pela estrada e não queriam saber quem viesse pela frente. Se a pessoa não se submetesse ao seu comportamento caiam no ridículo.

Certa vez, observei uma cena que me deixou intrigado, preservando-a na memória: um comportamento desses anarquistas que vou relatar neste artigo.

Um dia chegava ao engenho um senhor de tez branca, querendo conhecer o movimento do engenho, mas pelo seu jeito afeminado foi logo observado pelos cambiteiros a partir do seu andar duvidoso. Foi quando, sob gritos, o pobre homem saiu desesperado sem nunca mais pisar em bagaceira nenhuma.

Apenas desejei lembrar e repassar para os amigos como era o regime de cambiteiros e como ainda hoje sinto saudades dos velhos tempos de outrora que não voltam mais e jamais poderão ser substituídos por este modernismo desequilibrado e algumas vezes intolerante.

Sinais da Guerra - por José do Vale Pinheiro Feitosa

Os brasileiros ainda não sentiram na pele, mas o centro do sistema capitalista mundial está em crise: EUA e Europa. Estamos apegados ao crescimento da China e a certo protagonismo dos emergentes incluindo os chamados BRICs. Diante de mudanças de fundo enormes, inclusive se tomarmos os dados recentes, com o surgimento, por exemplo, da Turquia nos eventos destes últimos 20 dias, relembrando o velho Império Otomano. Aliás, os brasileiros estão ávidos por turismo na Turquia, inclusive aquele religioso. Tudo isso reflete enormes mudanças em curso.

O pensador português Boaventura de Sousa Santos analisando a situação da Europa identifica o ressurgimento das lutas de classe que haviam se reduzido no continente em razão da social-democracia. Finalmente, nos últimos 60 anos a antiga luta de classe entre o operariado e a burguesia capitalista havia chegado a acordo mutuamente vantajoso para os dois lados: “o capital consentiria em altos níveis de tributação e de intervenção do Estado em troca de não ver a sua prosperidade ameaçada; os trabalhadores conquistariam importantes direitos sociais em troca de desistirem de uma alternativa socialista. Assim surgiram a concertação social e seus mais invejáveis resultados: altos níveis de competitividade indexados a altos níveis de proteção social; o modelo social europeu e o Estado Providência; a possibilidade, sem precedentes na história, de os trabalhadores e suas famílias poderem fazer planos de futuro a médio prazo (educação dos filhos, compra de casa); a paz social; o continente com os mais baixos níveis de desigualdade social.”

Agora com as reformas neoliberais sustentadas pelo capitalismo financeiro, levando ao corte nos benefícios sociais (só este ano Portugal fechará 900 pequenas escolas), redução da proteção aos desempregados e estiolamento dos direitos trabalhistas a luta de classe ressurge, a revolta operária toma as ruas e certamente evoluirá para novas formas de violência. Neste ponto o pensador pondera, ou a classe operária, atualmente fragmentada, se junta aos diversos movimentos da sociedade, faz um articulação continental, pois os Estados Nacionais europeus não mais se sustentam, inclusive desvinculando o capital produtivo do especulativo, ou a saída neste clima é o fascismo.

Robert Fisk, célebre jornalista inglês, em artigo de ontem, analisa a tibieza dos governos e aponta o poder popular de volta à cena política ao comentar a ação de ativistas confrontando o bloqueio de Israel à faixa de Gaza. Isso tudo remete para aquele clima de luta de classes e de grandes articulações na luta popular. Por outro lado a situação dos governos e da política mundial é assustadora e os sinais da guerra estão todos à mostra.

Façamos um paralelo entre o cerco Israelense à Faixa de Gaza e aquele dos exércitos nazistas à cidade de Leningrado que não exageramos. Façamos o mesmo, no reverso, do cerco dos russos a Berlim no final da guerra, quando EUA e Inglaterra tentaram furar o bloqueio para que alemães não fosse igualmente vitimados como haviam sido os russos de Leningrado. Isso é o que se encontra por trás desta questão de gaza.

Agora vejam os sinais de guerra: os EUA, que protegem Israel como uma parte de si mesmo - Israel é cada vez mais algo como um Havai que apenas não vota diretamente nas eleições americanas, mas têm uma enorme influencia recíproca – se comportam do modo mais vil possível. Menos de dez dias após querer sangrar o Brasil e a Turquia por uma missão de paz, humilha a inteligência mundial com seus argumentos diante deste ataque de Israel à flotilha que pretendia furar o bloqueio e realizar ajuda humanitária diretamente. Hillary Clinton anunciou, ontem, a mais incrível das idéias: ela quer uma investigação isenta e clara dos acontecimentos sobre o comando de Israel. Israel é quem deve realizar as investigações e apresentar as conclusões.

Qualquer um que leia os embates diplomáticos do início da segunda grande guerra vai encontrar este mesmo cinismo com a finalidade única de confrontar o inimigo. Israel irá camuflar sua ação de bloqueio com a análise do que deu errado na operação. Mas calma, não é o que deu errado por existir o bloqueio ou ter realizado uma operação ilegal em águas internacionais. O errado que apontarão: são aqueles táticos e a suficiência da força necessária para sufocar, num primeiro momento, a reação dos ativistas. Eles não querem saber do principal, mas apenas apagar os assassinatos cometidos contra bolinhas de gude e estilingues.

Como sempre há vida no lado do povo. O simbolismo que representa a cineasta brasileira Iara Lee (antes que alguém diga, ela tem dupla nacionalidade é, também, americana) nesta frente internacional é importantíssimo para o nosso próprio juízo. Além do mais a carta que o cineasta Silvio Tendler, ele um orgulhoso judeu, fez ao governo de Israel mostrando o dissabor com suas práticas diz bem da capacidade que supera o cinismo e a truculência.

O maior símbolo de todos: é Hedy Epstein, judia, de 85 anos, radicada nos EUA desde 1948, que fugiu da Alemanha Nazista e teve a família trucidada no campo de concentração de Auschwitz. Ela já tentou furar o bloqueio à faixa de gaza três vezes antes. No dia do embarque foi proibida de entrar num dos barcos da flotilha pelas autoridades Cipriotas. Agora tentará tomar um barco Irlandês que ficou para trás por questões mecânicas e rumará para a faixa de Gaza, mais uma vez em desafio.

Os ativistas mundiais estão cada vez mais parecidos que os judeus que resistiram à opressão na segunda guerra mundial.