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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ENCONTRO DE GUERRILHEIROS DAS ARTES

ÚLTIMAS NOTÍCIAS - Prefeito Samuel Araripe consegue 4 milhões de reais para as obras emergenciais do Canal do Rio Grangeiro


ATENÇÃO - A notícia que todos os Cratenses aguardavam!


O prefeito Samuel Araripe informa que acaba de conseguir com o ministro da integração nacional, Fernando Bezerra Coelho, recursos para a recuperação emergencial do canal do Rio Grangeiro. O valor já foi creditado na conta da Prefeitura do Crato no início da noite de ontem , quinta-feira ( 17 ). O prefeito Samuel Araripe frisa que o Crato trabalha pela liberação de duas verbas federais distintas: a emergencial, que é da órdem de 4 milhões de reais, que servirá para atender às situações mais urgentes do município, e outra verba maior, para a reconstrução do canal do Rio Grangeiro através de um novo projeto.

O prefeito do Crato ressalta a intermediação do deputado Federal Arnon Bezerra, que esteve também na reunião realizada na semana passada com o ministro da integração nacional em Brasília, a fim de solicitar a liberação desses recursos federais hoje conseguidos.

Por: Dihelson Mendonça

Cortando o cordão – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

O acaso sempre esteve presente na minha vida. Sem que eu planejasse muita coisa, como muitos o fazem, deixei que a vida me levasse e, ela me conduziu por caminhos retilíneos e belos. Em janeiro de 1964, eu pensava que iria continuar estudando no Crato, na minha zona de conforto, sob a proteção dos meus pais, entre meus familiares e colegas de estudos, uma turma unida e muito amiga. Dizem que o destino sabe traçar a estrada daqueles que sem querer, a ele se entregam. Talvez tenha sido esse o meu caso.

Um primo que estudava engenharia no Recife, estava de férias e visitava nossa casa, no São José. Ao vê-lo, fui conversar com ele, saber como era o curso de engenharia, suas dificuldades e sobre o vestibular. Sabedor de que eu desejava cursar engenharia, ele me aconselhou a ir estudar no Recife durante o curso científico. Disse-me que se eu ficasse no Crato, correria o risco de não ser aprovado no vestibular. Respondi que não dependia de mim. E então ele foi falar com o meu pai. E o fez de uma forma tão convincente, que eu senti naquele contato a concordância do meu pai. Mas este não disse nem sim e nem não. Para mim dizia ser impossível, pois não estava podendo arcar com as despesas.

Dias depois, um parente do meu pai, diretor da Escola de Engenharia de Minas de Ouro Preto, visitava meus pais, sempre que vinha ao Crato em suas férias. Ao saber do meu desejo de cursar engenharia, aconselhou-me que eu fosse estudar em Ouro Preto, colocando sua casa à minha disposição. Fiquei receoso de meu pai aceitar aquele convite protocolar, pois além de não ter nenhuma intimidade com aquele parente distante, Ouro Preto, para mim, era um fim de mundo.

No inicio do mês de fevereiro daquele ano, nada estava definido. Pensava tranquilamente que iria continuar no velho Colégio Diocesano e isso me dava certo alento, pois por ser o filho caçula, eu era muito apegado aos meus pais e irmãos. Entretanto, dias depois, o meu pai recebeu uma carta de uma irmã dele, a tia Anete, que residia em Salvador, dizendo que já reservara a minha matrícula e que eu poderia ir estudar na Bahia. Olhei no sobrescrito o meu futuro endereço: Avenida Beira Mar 404. Na minha imaginação surgiu, como que de repente, a avenida de mesmo nome que eu vira em Fortaleza na única visita que fizera até então a uma cidade maior que o Crato, além do Juazeiro, é claro! E imaginava que iria viver num paraíso. Fiquei ainda mais contente, quando soube que o meu primo e companheiro de brincadeiras, José Esmeraldo Gonçalves também iria.

Tudo então ficou decidido e às pressas, mamãe preparou um enxoval que fez minhas lembranças recuarem cinco anos, quando fui estudar no Seminário. Um medo disfarçado se apoderou de mim. Era a primeira vez que iria sair do Crato e debaixo das asas e da proteção dos meus entes queridos.

Um novo mundo se descortinava à minha frente, o desconhecido, a sensação de uma nova vida. Viajar de avião, coisa impensada, conhecer a cidade de Salvador e suas inúmeras igrejas e tantas outras belezas das quais ouvia falar com insistência.

Viajei com meus primos que lá já estudavam e residiam com minha tia Anete. Por causa de um defeito no DC3 que nos levaria, esperamos um dia inteiro no velho Aeroporto de Fátima, sem nada para enganar o estômago e sem comunicação. Somente no dia seguinte é que conseguimos voar num DC6 que veio em substituição ao avião danificado. O DC6 era um avião grande, com assentos com três cadeiras de cada lado e capacidade para mais de cem passageiros. Ao chegarmos a Salvador, uma Kombi da Varig levou os passageiros de porta em porta até a residência de cada um. O aeroporto distava mais de trinta quilômetros da cidade. Fomos os últimos a chegar ao destino, pois onde tia Anete morava era na Ribeira, final de uma península na cidade baixa.

Senti um misto de arrependimento e tristeza. A Avenida Beira Mar não era nada daquilo que eu imaginara. Era uma rua larga, às margens da Baia de Todos os Santos, sem calçamento, cheia de poças d’água, muita lama e enormes amendoeiras no meio, cujas folhas caídas se misturavam e recobriam as poças de lama. O bairro era triste, composto por um monte de casas velhas. Onde íamos morar era numa escola, o Educandário Pio XII, alojado num velho casarão de três andares, com piso de tábua corrida, que ecoava sob nossos passos. No terceiro andar havia um pequeno apartamento composto de três quartos, um banheiro, um vestíbulo com guarda-roupa coletivo e uma ante-sala ao lado da escada, onde estudávamos. Ao todo éramos seis pessoas que morávamos neste pequeno apartamento, eu, e os primos João Barreto, José Esmeraldo, Luciano Gonçalves, além do cratense Dailton, professor do Pio XII e dois jovens de Alagoinhas: Wedner e Ananias. Daílton era o mais velho do grupo. Ele tinha na época 26 anos, e por causa disso recebeu o apelido de “O Velho”.

A tia Anete ao nos receber, entregou a mim a Zé Esmeraldo uma chave da porta de entrada e nos disse: “vocês saem e entram na hora que quiserem e não precisam me avisar nada.” Senti um enorme peso, pois lá em casa, eu vivia sob certo controle e acompanhamento. Mas aos poucos aprendi a usar minha independência e isto me foi de grande importância para meu amadurecimento pessoal.

Ainda hoje, eu sou grato a essa minha querida tia por ter tornado possível a realização de um sonho. Se não fosse sua solicitude não teria oportunidade de estudar num grande centro. Por isso eu tenho por ela um enorme carinho e gratidão. Ela é a única das minhas tias ainda viva. Reside no Crato, com bastante lucidez e invejável memória, aos oitenta e nove anos. Em julho próximo, esperamos festejar seus 90 anos.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Roberto Siebra - O ajudante de pedreiro que se fez doutor

Filho de merendeira e marceneiro, Roberto Siebra tem uma história de vida que orgulha os filhos da classe do proletariado deste país. Quando menino vendeu pão picolé, inventou de ser engraxate, já adulto foi ajudante de pedreiro e atualmente é professor doutor da Universidade Regional do Cariri – URCA. Siebra foi perseguido na sua juventude por causa da sua militância política e é uma das figuras históricas do Partido Comunista do Brasil na Região do Cariri por ter ajudado a construir o partido no período da semi-cladestinidade.

Alexandre Lucas - Quem é Roberto Siebra?

Roberto Siebra - Um rapaz nascido e criado no bairro do Seminário, no município do Crato, tendo uma bela vista do Sopé da Chapada do Araripe, filho de uma merendeira de escola pública e de um marceneiro, casal que criou seus 4 filhos de forma honesta e ética, ensinamentos estes que até os dias atuais tomo como guia nas ações que pratico no cotidiano.


Alexandre Lucas - Como teve início o seu contato com o Partido Comunista do Brasil – PCdoB?

Roberto Siebra - O meu contato foi no inicio da década de 80, quando na oportunidade participava dos movimentos de juventude existentes no nosso município. Naquele período o Brasil vivia os dias finais da ditadura militar, com grandes manifestações da sociedade civil e política participando de milhares de movimentos pela liberdade e pela democracia. Foi em um destes momentos que conheci o PCdoB, ainda na clandestinidade.

Alexandre Lucas - Você teve um trabalho importante na construção do PCdoB na região do Cariri, no tempo em que o partido ainda vivia na clandestinidade. O que foi ser comunista neste tempo?

Roberto Siebra - Lembro bem que neste período éramos obrigados a termos nomes falsos, o meu era Mauricio, e as reuniões eram feitas obedecendo a várias regras de segurança, entre as quais, a de nunca exceder o numero de três pessoas, não fazer anotações, não se reunir sempre no mesmo lugar, etc.

Foi um período muito difícil para mim, então com 17 anos, que tive que trocar vários prazeres da juventude, pela prática política semi-clandestina. Significou por um bom tempo ter que mentir para família (Ex. varias vezes tinha reunião em Fortaleza e ai dizia que íamos para um encontro religioso, uma viagem de ferias, etc.)

Significou também enfrentar um grande preconceito de pessoas e instituições, e como exemplo lembro um episodio que mim marcou profundamente, a solicitação, na época de pessoas da Igreja Católica exigindo que retirasse do movimento de juventude, pois isto podia prejudicá-lo, etc.

Outro exemplo marcante foi a minha expulsão do Colégio Agrícola do Crato, depois de ter sido arrombado o meu armário e retirado alguns pertences, entre os quais alguns documentos tidos como subversivos. Mas, nada disto nos tirava a certeza de que o novo sempre vem, como diz o poeta Belchior. E, poucos anos depois, pudemos comprovar isto na prática com o fim da ditadura militar e o retorno a um país democrático.

E como as coisas mudaram, sinto feliz em ter dado esta contribuição. Esta é a melhor coisa que tenho, é o meu bem mais precioso, que deixo aos meus filhos, meus netos e próximos da minha geração. Dizer-lhes e provar-lhes que ajudei a construir um país livre da opressão e da miséria, tarefa que ainda continuo até hoje e pretendo levar até os dias finais de vida.

Alexandre Lucas – Quais eram os desafios?

Roberto Siebra - O grande desafio da época era combinar o trabalho semi-clandestino com o trabalho legal, mas o grande trabalho era organizar o combate a Ditadura Militar, daí tínhamos uma grande participação no movimento secundarista e de bairros.

Alexandre Lucas – Você vem da classe operária e teve uma vida sem facilidades. Antes de receber a titulação de doutor foi servente da
construção civil.

Roberto Siebra - Desde cedo aprendemos a lição reservada aos filhos das classes pobres – TRABALHAR. Comecei vendendo pão, depois picolés e até, sem muito sucesso tentando ser engraxate. Depois fui contratado por uma construtora para trabalhar nas casas populares, inicialmente como servente e depois, por conta de algumas facilidades, ascendi para apontador. Infelizmente esta carreira na construção civil durou pouco, pois ao descobri que tinha uma militância política e na obra estava tentando sindicalizar alguns funcionários, fui demitido.
Consegui emprego junto aos trabalhadores em transportes rodoviários, passando a atuar especificamente no sindicato dos trabalhadores desta categoria por um longo tempo, e ao sair fui ser Agente de Saúde no Crato, sendo posteriormente conduzido ao Sindicato Estadual dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde.

No decorrer da minha vida sempre mim virei para conseguir trabalho, mas o que é fundamental que nunca larguei os estudos. Mesmo tendo que trabalhar, conclui a minha graduação em História na Faculdade de Filosofia e fiz duas especializações na UECE, o que mim qualificou a trabalhar inicialmente na URCA como professor colaborador sendo contratado como professor efetivo, em decorrência de ter passado no primeiro concurso publico promovido por esta instituição. Foi uma das maiores alegrias da minha vida e da minha família.

Dentro da universidade, e com muita dificuldade lutei para conseguir galgar a patamares maiores. Afirmo com orgulho que eu sou um destes casos excepcionais numa sociedade como a nossa que reservou os melhores lugares sociais, políticos e econômicos, para as classes dominantes e abastardas. Imaginar que uma pessoa que teve a minha origem e história chegar a um dos maiores títulos acadêmicos em uma universidade brasileira – SER DOUTOR.

Alexandre Lucas – Essa sua trajetória é marcada por momentos difíceis?

Roberto Siebra - É verdade, aminha vida não foi nem é fácil. O importante nisto tudo é como enfrentamos e resolvemos estas dificuldades e tomei a decisão de enfrentá-las através de muito trabalho, de ser sincero, honesto e ético. Principalmente de nunca esquecer minha origem e em especial o esforço que o meu pai e mãe (Cristovão e Altina) fizeram para chegar aonde cheguei. Sem meus genitores, não estaria onde estou hoje e a eles dedico todas estas conquistas.

A esta trajetória gostaria de tirar uma lição aprendida na prática, por mais difícil que seja a vida, podemos conseguir sair vitorioso, mas isto significar ir a luta e não só ficar em casa se lamentando ou criticando os outros. Eu sou a prova viva disto.

Alexandre Lucas – Antes você ajudava a construir prédios e hoje ajudar a construir consciências?

Roberto Siebra - Esta é maior tarefa que existe e que enfrento. Construir consciências é um prédio muito difícil de levantar, até porque nunca estará concluso, sempre terá um andar para subir, o que exige um cotidiano de práticas e compromissos. Na construção das consciências existem dois fatores importantes, de caráter objetivo e subjetivo. O primeiro está relacionado como a pratica da educação formal e informal e o fator subjetivo engloba outras situações, muito difíceis de enfrentar numa sociedade onde o valor supremo é o dinheiro e o poder material, em detrimentos de outros valores éticos e morais transformados em moeda de troca no mercado de ações capitalistas.

Construir consciência significa construir um novo mundo calcado em valores supremos de dignidade e respeito aos valores fundamentais dos seres humanos. Significa em primeiro lugar acabar com a fome a miséria da maioria de nossa população.

Alexandre Lucas – O que significa a educação para você?

Roberto Siebra - Um passo importante, mas não o único, para iniciarmos o processo da construção de nossas consciências, um aliado fundamental para darmos dignidade a pessoa humana, e um instrumento valiosos na construção de uma ova sociedade. Não podemos prescindir do papel da educação como essencial no processo de produção e transformação das riquezas materiais, ou melhor dizendo, alavanca fundamental no avanço das forças produtivas e conseqüente mudança das relações sociais.

Alexandre Lucas – Existe uma crença de que a educação fará a revolução. Você acredita nisso?

Roberto Siebra - Não acredito que educação faça revolução até porque se isto fosse verdade os professores seriam agentes altamente revolucionários e aqueles que tem mestrado e/ou doutorado seriam seus lideres. E a realidade é bem diferente, pois a história mostra que este segmento nunca foi capaz de avançar ou liderar processos revolucionários significativos, ficando sua participação política restrita a lutas especificas, como melhoria salarial, etc.

É bem verdade que a educação formal pode ser um componente importante no processo de transformações de uma sociedade, mas se isto for acompanhado de um processo de conscientização política que ocorra em outras arenas da vida.

Alexandre Lucas – Qual o seu papel enquanto professor?

Roberto Siebra - O mesmo que tinha quando estava na fabrica, contribuir para a construção de um mundo melhor. Não mudou nada o fato de ser professor no que diz respeito ao meu papel, só o terreno da prática, pois é mais difícil ser professor universitário do que ser operário. O palco é diferenciado com grande predominância da vaidade e da falta de humildade, fatores que impedem que vejamos as outras categorias como parceiras e que exercem um papel fundamental na construção de uma nova realidade


Alexandre Lucas – O índice de analfabetismo em Cuba é baixíssimo. Quando você esteve em Cuba pode perceber diferenças no sistema educacional brasileiro?

Roberto Siebra - Tenho viajado muito, Europa, América Central e mais recentemente vários países da América Latina e isto mim fez ter muito cuidado na hora de fazer avaliações sobre as realidades especificas de cada país. São contextos históricos, sociais e políticos completamente diferentes dos nossos e temos que levar isto em consideração sob pena de cometermos erros de avaliação.

O caso cubano é mais complicado porque temos que levarmos em consideração um fator importante na construção histórica deste país, refiro-me a tentativa deste povo construir uma nova sociedade diferente daquela que estamos acostumados e que tem como base a mercantilização das relações. Isto é diferente e vai de encontro a falsa realidade que permeia a maioria da humanidade construída principalmente pelas classes dominantes dos grandes países imperialistas modernos, especialmente os Estados Unidos.

Não precisamos aqui fazemos nenhuma apologia a realidade cubana, pois os dados estatísticos referentes a conquistas sociais, nos quais está inserido a educação, são provas cientificas da vitalidade do sistema e dos grandes avanços conseguidos por este povo. É bem verdade que existem grandes problemas a serem enfrentados e vencidos e isto tem sido uma pratica cotidiana deste povo.

Alexandre Lucas - O seu doutorado é em Sociologia e sua tese tem como título: Os subterrâneos do poder: corrupção e instituições de controle no Estado do Ceará. O que você pode concluir a partir desta pesquisa?

Roberto Siebra - São varias as conclusões, mas especialmente, no que se diz respeito a corrupção podemos afirmar que é um fenômeno histórico, datado e não natural como afirma o senso comum. Isto significa dizer que esta pratica política, assim como teve inicio pode ter fim.

A corrupção é uma prática política de poder relacionada às elites dominantes que sempre a usaram como forma de manter os seus privilégios, motivo pela qual persistem nas instituições governamentais.

Outro fator importante diz respeito a relação entre corrupção e democracia, na medida em que esta ultima pode ser um antídoto poderoso para combater esta pratica ilícita.

Alexandre Lucas – No final do ano passado você vez uma aventura pela America Latina que lembra o revolucionário Ernesto Che Guevara. Como foi essa experiência em conhecer os países vizinhos como mochileiro?

Roberto Siebra - Estive recentemente na Bolívia, Peru, Chile e Argentina, conhecendo estes lugares, seu povo e historia de uma forma que lembra Guevara.Mas apesar de ter adotado a mesma forma de conhecimento, isto é, usar meios alternativos para esta aventura, nunca tive a presunção de imitar o comandante, até porque isto seria impossível, por vários motivos. Foi uma viagem de conhecimento, já que tive acesso a povos, culturas e costumes em tempo real, sem intermediários, vivenciando o cotidiano de nossos irmãos latino americanos. Isto é fundamental para o aprendizado de um cientista social de profissão e de coração que acredita que a busca do conhecimento tem que ter dois pilares inseparáveis: a teoria e a prática.

Todo este roteiro foi feito a pé, de bicicleta e de ônibus, seguindo um projeto que foi pensado por cerca de 10 meses e que foi finalmente concretizado, com todos os percalços que uma empreitada desta pode oferecer, inclusive risco de vida. Certamente foi uma das maiores aventuras de minha vida e mim impulsionou a transformá-la numa rotina a ponto de esta já planejando uma próxima

Roberto Siebra - O ajudante de pedreiro que se fez doutor

Filho de merendeira e marceneiro, Roberto Siebra tem uma história de vida que orgulha os filhos da classe do proletariado deste país. Quando menino vendeu pão picolé, inventou de ser engraxate, já adulto foi ajudante de pedreiro e atualmente é professor doutor da Universidade Regional do Cariri – URCA. Siebra foi perseguido na sua juventude por causa da sua militância política e é uma das figuras históricas do Partido Comunista do Brasil na Região do Cariri por ter ajudado a construir o partido no período da semi-cladestinidade.

Alexandre Lucas - Quem é Roberto Siebra?

Roberto Siebra - Um rapaz nascido e criado no bairro do Seminário, no município do Crato, tendo uma bela vista do Sopé da Chapada do Araripe, filho de uma merendeira de escola pública e de um marceneiro, casal que criou seus 4 filhos de forma honesta e ética, ensinamentos estes que até os dias atuais tomo como guia nas ações que pratico no cotidiano.


Alexandre Lucas - Como teve início o seu contato com o Partido Comunista do Brasil – PCdoB?

Roberto Siebra - O meu contato foi no inicio da década de 80, quando na oportunidade participava dos movimentos de juventude existentes no nosso município. Naquele período o Brasil vivia os dias finais da ditadura militar, com grandes manifestações da sociedade civil e política participando de milhares de movimentos pela liberdade e pela democracia. Foi em um destes momentos que conheci o PCdoB, ainda na clandestinidade.

Alexandre Lucas - Você teve um trabalho importante na construção do PCdoB na região do Cariri, no tempo em que o partido ainda vivia na clandestinidade. O que foi ser comunista neste tempo?

Roberto Siebra - Lembro bem que neste período éramos obrigados a termos nomes falsos, o meu era Mauricio, e as reuniões eram feitas obedecendo a várias regras de segurança, entre as quais, a de nunca exceder o numero de três pessoas, não fazer anotações, não se reunir sempre no mesmo lugar, etc.

Foi um período muito difícil para mim, então com 17 anos, que tive que trocar vários prazeres da juventude, pela prática política semi-clandestina. Significou por um bom tempo ter que mentir para família (Ex. varias vezes tinha reunião em Fortaleza e ai dizia que íamos para um encontro religioso, uma viagem de ferias, etc.)

Significou também enfrentar um grande preconceito de pessoas e instituições, e como exemplo lembro um episodio que mim marcou profundamente, a solicitação, na época de pessoas da Igreja Católica exigindo que retirasse do movimento de juventude, pois isto podia prejudicá-lo, etc.

Outro exemplo marcante foi a minha expulsão do Colégio Agrícola do Crato, depois de ter sido arrombado o meu armário e retirado alguns pertences, entre os quais alguns documentos tidos como subversivos. Mas, nada disto nos tirava a certeza de que o novo sempre vem, como diz o poeta Belchior. E, poucos anos depois, pudemos comprovar isto na prática com o fim da ditadura militar e o retorno a um país democrático.

E como as coisas mudaram, sinto feliz em ter dado esta contribuição. Esta é a melhor coisa que tenho, é o meu bem mais precioso, que deixo aos meus filhos, meus netos e próximos da minha geração. Dizer-lhes e provar-lhes que ajudei a construir um país livre da opressão e da miséria, tarefa que ainda continuo até hoje e pretendo levar até os dias finais de vida.

Alexandre Lucas – Quais eram os desafios?

Roberto Siebra - O grande desafio da época era combinar o trabalho semi-clandestino com o trabalho legal, mas o grande trabalho era organizar o combate a Ditadura Militar, daí tínhamos uma grande participação no movimento secundarista e de bairros.

Alexandre Lucas – Você vem da classe operária e teve uma vida sem facilidades. Antes de receber a titulação de doutor foi servente da
construção civil.

Roberto Siebra - Desde cedo aprendemos a lição reservada aos filhos das classes pobres – TRABALHAR. Comecei vendendo pão, depois picolés e até, sem muito sucesso tentando ser engraxate. Depois fui contratado por uma construtora para trabalhar nas casas populares, inicialmente como servente e depois, por conta de algumas facilidades, ascendi para apontador. Infelizmente esta carreira na construção civil durou pouco, pois ao descobri que tinha uma militância política e na obra estava tentando sindicalizar alguns funcionários, fui demitido.
Consegui emprego junto aos trabalhadores em transportes rodoviários, passando a atuar especificamente no sindicato dos trabalhadores desta categoria por um longo tempo, e ao sair fui ser Agente de Saúde no Crato, sendo posteriormente conduzido ao Sindicato Estadual dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde.

No decorrer da minha vida sempre mim virei para conseguir trabalho, mas o que é fundamental que nunca larguei os estudos. Mesmo tendo que trabalhar, conclui a minha graduação em História na Faculdade de Filosofia e fiz duas especializações na UECE, o que mim qualificou a trabalhar inicialmente na URCA como professor colaborador sendo contratado como professor efetivo, em decorrência de ter passado no primeiro concurso publico promovido por esta instituição. Foi uma das maiores alegrias da minha vida e da minha família.

Dentro da universidade, e com muita dificuldade lutei para conseguir galgar a patamares maiores. Afirmo com orgulho que eu sou um destes casos excepcionais numa sociedade como a nossa que reservou os melhores lugares sociais, políticos e econômicos, para as classes dominantes e abastardas. Imaginar que uma pessoa que teve a minha origem e história chegar a um dos maiores títulos acadêmicos em uma universidade brasileira – SER DOUTOR.

Alexandre Lucas – Essa sua trajetória é marcada por momentos difíceis?

Roberto Siebra - É verdade, aminha vida não foi nem é fácil. O importante nisto tudo é como enfrentamos e resolvemos estas dificuldades e tomei a decisão de enfrentá-las através de muito trabalho, de ser sincero, honesto e ético. Principalmente de nunca esquecer minha origem e em especial o esforço que o meu pai e mãe (Cristovão e Altina) fizeram para chegar aonde cheguei. Sem meus genitores, não estaria onde estou hoje e a eles dedico todas estas conquistas.

A esta trajetória gostaria de tirar uma lição aprendida na prática, por mais difícil que seja a vida, podemos conseguir sair vitorioso, mas isto significar ir a luta e não só ficar em casa se lamentando ou criticando os outros. Eu sou a prova viva disto.

Alexandre Lucas – Antes você ajudava a construir prédios e hoje ajudar a construir consciências?

Roberto Siebra - Esta é maior tarefa que existe e que enfrento. Construir consciências é um prédio muito difícil de levantar, até porque nunca estará concluso, sempre terá um andar para subir, o que exige um cotidiano de práticas e compromissos. Na construção das consciências existem dois fatores importantes, de caráter objetivo e subjetivo. O primeiro está relacionado como a pratica da educação formal e informal e o fator subjetivo engloba outras situações, muito difíceis de enfrentar numa sociedade onde o valor supremo é o dinheiro e o poder material, em detrimentos de outros valores éticos e morais transformados em moeda de troca no mercado de ações capitalistas.

Construir consciência significa construir um novo mundo calcado em valores supremos de dignidade e respeito aos valores fundamentais dos seres humanos. Significa em primeiro lugar acabar com a fome a miséria da maioria de nossa população.

Alexandre Lucas – O que significa a educação para você?

Roberto Siebra - Um passo importante, mas não o único, para iniciarmos o processo da construção de nossas consciências, um aliado fundamental para darmos dignidade a pessoa humana, e um instrumento valiosos na construção de uma ova sociedade. Não podemos prescindir do papel da educação como essencial no processo de produção e transformação das riquezas materiais, ou melhor dizendo, alavanca fundamental no avanço das forças produtivas e conseqüente mudança das relações sociais.

Alexandre Lucas – Existe uma crença de que a educação fará a revolução. Você acredita nisso?

Roberto Siebra - Não acredito que educação faça revolução até porque se isto fosse verdade os professores seriam agentes altamente revolucionários e aqueles que tem mestrado e/ou doutorado seriam seus lideres. E a realidade é bem diferente, pois a história mostra que este segmento nunca foi capaz de avançar ou liderar processos revolucionários significativos, ficando sua participação política restrita a lutas especificas, como melhoria salarial, etc.

É bem verdade que a educação formal pode ser um componente importante no processo de transformações de uma sociedade, mas se isto for acompanhado de um processo de conscientização política que ocorra em outras arenas da vida.

Alexandre Lucas – Qual o seu papel enquanto professor?

Roberto Siebra - O mesmo que tinha quando estava na fabrica, contribuir para a construção de um mundo melhor. Não mudou nada o fato de ser professor no que diz respeito ao meu papel, só o terreno da prática, pois é mais difícil ser professor universitário do que ser operário. O palco é diferenciado com grande predominância da vaidade e da falta de humildade, fatores que impedem que vejamos as outras categorias como parceiras e que exercem um papel fundamental na construção de uma nova realidade


Alexandre Lucas – O índice de analfabetismo em Cuba é baixíssimo. Quando você esteve em Cuba pode perceber diferenças no sistema educacional brasileiro?

Roberto Siebra - Tenho viajado muito, Europa, América Central e mais recentemente vários países da América Latina e isto mim fez ter muito cuidado na hora de fazer avaliações sobre as realidades especificas de cada país. São contextos históricos, sociais e políticos completamente diferentes dos nossos e temos que levar isto em consideração sob pena de cometermos erros de avaliação.

O caso cubano é mais complicado porque temos que levarmos em consideração um fator importante na construção histórica deste país, refiro-me a tentativa deste povo construir uma nova sociedade diferente daquela que estamos acostumados e que tem como base a mercantilização das relações. Isto é diferente e vai de encontro a falsa realidade que permeia a maioria da humanidade construída principalmente pelas classes dominantes dos grandes países imperialistas modernos, especialmente os Estados Unidos.

Não precisamos aqui fazemos nenhuma apologia a realidade cubana, pois os dados estatísticos referentes a conquistas sociais, nos quais está inserido a educação, são provas cientificas da vitalidade do sistema e dos grandes avanços conseguidos por este povo. É bem verdade que existem grandes problemas a serem enfrentados e vencidos e isto tem sido uma pratica cotidiana deste povo.

Alexandre Lucas - O seu doutorado é em Sociologia e sua tese tem como título: Os subterrâneos do poder: corrupção e instituições de controle no Estado do Ceará. O que você pode concluir a partir desta pesquisa?

Roberto Siebra - São varias as conclusões, mas especialmente, no que se diz respeito a corrupção podemos afirmar que é um fenômeno histórico, datado e não natural como afirma o senso comum. Isto significa dizer que esta pratica política, assim como teve inicio pode ter fim.

A corrupção é uma prática política de poder relacionada às elites dominantes que sempre a usaram como forma de manter os seus privilégios, motivo pela qual persistem nas instituições governamentais.

Outro fator importante diz respeito a relação entre corrupção e democracia, na medida em que esta ultima pode ser um antídoto poderoso para combater esta pratica ilícita.

Alexandre Lucas – No final do ano passado você vez uma aventura pela America Latina que lembra o revolucionário Ernesto Che Guevara. Como foi essa experiência em conhecer os países vizinhos como mochileiro?

Roberto Siebra - Estive recentemente na Bolívia, Peru, Chile e Argentina, conhecendo estes lugares, seu povo e historia de uma forma que lembra Guevara.Mas apesar de ter adotado a mesma forma de conhecimento, isto é, usar meios alternativos para esta aventura, nunca tive a presunção de imitar o comandante, até porque isto seria impossível, por vários motivos. Foi uma viagem de conhecimento, já que tive acesso a povos, culturas e costumes em tempo real, sem intermediários, vivenciando o cotidiano de nossos irmãos latino americanos. Isto é fundamental para o aprendizado de um cientista social de profissão e de coração que acredita que a busca do conhecimento tem que ter dois pilares inseparáveis: a teoria e a prática.

Todo este roteiro foi feito a pé, de bicicleta e de ônibus, seguindo um projeto que foi pensado por cerca de 10 meses e que foi finalmente concretizado, com todos os percalços que uma empreitada desta pode oferecer, inclusive risco de vida. Certamente foi uma das maiores aventuras de minha vida e mim impulsionou a transformá-la numa rotina a ponto de esta já planejando uma próxima