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sábado, 5 de julho de 2008

Como surgiu a Basílica Menor de Nossa Senhora da Dores


O Cariri passará a contar, a partir do próximo dia 15 de setembro, com uma Basílica Menor: a igreja de Nossa Senhora das Dores de Juazeiro do Norte. Basílica Menor é titulo honorífico concedido a numerosas igrejas em diversos países do mundo. O Papa confere este título ás igrejas que são consideradas importantes pela veneração que lhe devotam os cristãos, pela sua transcendência histórica ou pela beleza artística de sua arquitetura e decoração. Tal fato vem despertando a curiosidade de muitos caririenses que querem saber como surgiu a atual igreja de Nossa Senhora das Dores de Juazeiro do Norte.

Amália Xavier de Oliveira, autora do livro, O Padre Cícero que eu conheci, esclareceu o que motivou a construção da capela na fazenda Tabuleiro Grande:

"Ordenara-se Sacerdote o Pe. Pedro Ribeiro de Carvalho, neto do Brigadeiro, porque filho de sua primogênita, Luiza Bezerra de Menezes, e de seu primeiro marido, o Sargento-mor Sebastião de Carvalho de Andrade, natural de Pernambuco. Para que o padre pudesse celebrar diariamente, sem lhe ser necessário ir a Crato, Barbalha ou Missão Velha, a família combinou com o novel sacerdote a ereção de uma capelinha, no ponto principal da Fazenda, perto da casa já existente. (OLIVEIRA, 1981:33-34).
A Capela foi consagrada a Nossa Senhora das Dores, cuja imagem foi trazida de Portugal”. (id.: 35).

Amália complementou as informações acima, citando Irineu Pinheiro, autor do livro Efemérides do Cariri :

“Quem ler “O Sul do Ceará”, hebdomadário cratense, de 16 de abril de 1905, lerá, em artigo assinado por José Joaquim de Maria Lobo, ter sido assentada a Pedra Fundamental da Capela de Nossa Senhora das Dores de Juazeiro do Norte, em 15 de setembro de 1827, havendo Missa cantada na casa de Oração pelo Padre Ribeiro Monteiro (o mesmo que também assinava Carvalho)...” (OLIVEIRA,1981: 34-35).

O fundador da povoação de “Joaseiro”

Alguns autores insistem, erroneamente, em atribuir ao Padre Cícero Romão Batista a fundação de Juazeiro do Norte. Pelas informações – acima citadas – concluímos que foi o Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro o fundador do núcleo primitivo, origem da atual cidade. Deve-se ao Brigadeiro Leandro a iniciativa da primeira urbanização da localidade – ainda conhecida por Tabuleiro Grande – com a edificação da Casa Grande, capela, residências para os escravos e agregados da família. A realidade histórica nos mostra: quando o Padre Cícero chegou ao “Joaseiro”, para fixar residência, em 11 de abril de 1872, já encontrou um povoado formado em torno da capelinha de Nossa Senhora das Dores. Contava o lugarejo, à época da chegada deste sacerdote, com 35 residências, quase todas de taipa, espalhadas desordenadamente por duas pequenas ruas, conhecidas por Rua do Brejo e Rua Grande. No povoado, à época da chegada do Padre Cícero, residiam cinco famílias, tidas como a elite do vilarejo: Bezerra de Menezes, Sobreira, Landim, Macedo e Gonçalves. É verdade, porém, que o povoado só veio a ter alguma projeção a partir da ação evangelizadora do Padre Cícero. E o vertiginoso crescimento demográfico da localidade só começou em 1889, motivado pela ocorrência dos fatos protagonizados pela beata Maria de Araújo, que passaram à história como “O Milagre da Hóstia”.

A primitiva imagem da Mãe das Dores

A imagenzinha de Nossa Senhora das Dores – adquirida pelo Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, em Portugal – foi venerada como padroeira da Fazenda Tabuleiro Grande e do povoado de “Joaseiro” por cerca de 60 anos. Zélia Pinheiro, escrevendo ­– no opúsculo Sesquicentenário de Fé – sobre a inauguração, em 19 de agosto de 1884, da nova capela de “Joaseiro”, esta já construída pelo Padre Cícero, em substituição à primitiva, edificada pelo Brigadeiro, narra: (...)

"Continuava como Padroeira Nossa Senhora das Dores e fora colocada no Altar a mesma imagem trazida de Portugal para a Capelinha da Fazenda Tabuleiro Grande. Era uma imagem em estilo bizantino, de madeira, muito bem esculpida, tendo setenta e cinco centímetros de tamanho e permaneceu no Altar-Mor até setembro de 1887, quando foi trocada pela imagem que até hoje está lá". (PINHEIRO, 1977:26).

Bom esclarecer que a atual imagem, adquirida pelo Padre Cícero, substituta da primeira, somente chegou a Juazeiro em 1887, proveniente da França. A pequena imagem primitiva de Nossa Senhora das Dores, chamada antigamente pelo povo de “Carita”, encontra-se em perfeito estado de conservação. Ela, por questão de segurança, é guardada na Casa Paroquial. Geralmente é exposta à veneração dos fiéis nas duas grandes procissões anuais: a de 2 de fevereiro (Nossa Senhora das Candeias) e 15 de setembro ( Nossa Senhora das Dores).


Referências Bibliográficas:

OLIVEIRA, Amália Xavier de. Conheça o Cariri. Crato: Tipografia e Papelaria do Cariri, sem data.16 p.
OLIVEIRA, Amália Xavier de. O Padre Cícero que eu conheci: verdadeira história de Juazeiro do Norte. 3ª ed. Recife: Editora Massangana, 1981. 332 p.
PINHEIRO, Zélia. Sesquicentenário de Fé – Juazeiro do Norte – Ceará – 1827 a 1977. Crato (CE): Empresa Gráfica Ltda, 1977. 50 p.

É A MESMA JÁ SENDO OUTRA

Uma simples foto de um ângulo da Siqueira Campos, publicada no Blog Cariri Agora, revela tudo. Dois jovens sentados iguais a tantos outros e não é mais a mesma coisa. E onde não é a mesma coisa? Em aparentemente tudo. Explico.

Há uns três anos passados cheguei ao Crato num dia de meio de semana, na metade da tarde, vindo do Aeroporto de Juazeiro. Estive numa reunião que durou uma hora ou um pouco mais e fui para o hotel. Aquele que fica no caminho do granjeiro. No quarto, com o resto da tarde e pela noite sem qualquer programação com alguém. Sai do quarto e fui para a piscina do hotel. Na minha frente a belíssima paisagem da encosta da Chapada do Araripe. Mas não fiquei como um observador distante. Lentamente a flora foi me reconhecendo, assim como os pássaros, a iluminação e a brisa da tarde. Numa observação simbólica, novamente em meu território, o espaço e as gentes que sabia contínua a mim mesmo.

Chegou a noite. Estas noites que apavoram o homem moderno por motivo diferente daquele apavoramento do homem antigo. Naquele pelos mistérios do mundo cheio de desconhecidos e agora pelo vazio de nada ter para se distrair, se atentar, se aquietar nas telas eletrônicas que mostram uma realidade que não se encontra onde meu olho examina, mas muito distante dele. Neste clima pedi um táxi e fui para um restaurante de idos tempos na rua Monsenhor Esmeraldo. Não tinha cartão de crédito e eu sem dinheiro. Desisti e resolvi ir até o Banco do Brasil na esquina da Bárbara de Alencar com Senador Pompeu. Pegaria o dinheiro e voltaria ao restaurante.

Mas tudo mudou. Andando pela Senador Pompeu, a antiga rua da feira da rapadura, através de um casario que fazia parte do tempo. Era a mesma coisa. Pinturas e restaurações adicionadas, placas e anúncios, o mesmo vazio das horas de comércio fechado, alguns transeuntes. Ali o vazio onde um grupo de amigos, especialmente Tarcísio Leitim, jogava gamão. O antigo prédio das Pernambucanas, um farmácia encontrada na memória, um jeitão de balcão de loja de tecidos com seus vendedores aprontando o fetiche nos olhos das mulheres.

Após pegar dinheiro no caixa eletrônica retornei às ruas. Ruas cheias dos prédios que diziam: o Crato é aqui mesmo. O volume do reconhecimento foi até o limite em que igualmente busquei o sentido destes prédios por meio das pessoas conhecidas. Mas as ruas e os prédios estavam vazios desta gente. Enquanto avançava pela Senador Pompeu, naquela altura o vazio não mais animou-me a retornar ao restaurante, indo na direção da Siqueira Campos mais uma imagem se formava. Naquele passo, inteiramente solitário, solidão que mais se acentuava no contraste do casario reconhecido, formou-se a nítida contradição entre conteúdo e continente.

O continente era reconhecível, mas o conteúdo não mais o era. Todas as pessoas eram outras. Enquanto avançava pela praça Siqueira Campos, naquela altura menos iluminada e infinitamente mais vazia do que a minha memória, compreendia a sina dos historiadores. Um visitante dos espaços em que seus hospedadores não mais existem como entes do mundo. O efeito de passear-se numa cidade fantasma não era igual, posto que pessoas circulavam. Diria que aquele Crato era uma cidade cenográfica em que as gerações fizeram e fazem seu teatro de vida individual e coletiva.

Na foto do Cariri Agora, a expressão desta cenografia vista pelos dois atores da atualidade. O velho Café Crato, quando apenas devem existir os ossos do Sr. Orestes, seu antigo dono. Agora com suas paredes divididas entre a cor ocre e o marrom. Cores outras, mais fechadas, acrescendo cadeiras de plástico avermelhado. Existe uma pessoa sentada, talvez isenta do passado daquele café no qual não existiam mesas ou cadeiras, todos ficávamos em , sentido o perfume do café sendo coado e paquerando as garçonetes num rito machista equivalente para elas a um desejo e para os outros homens a uma fortaleza. Aquela pessoa é tão isenta do passado quanto eu do presente.

Na esquina uma loja entre o branco e o azul, uma ótica (?), uma joalheria (?), uma loja de presentes (?), não importa. Ali ficava a lanchonete de Bantim. A lanchonete do tempo que o lanche era merenda e seu conteúdo era outro: sanduíche bauru, bananada, abacatada, um picolé ou um sorvete. Para aqueles dois jovens eu conto que houve um dia um sujeito que mudou completamente o conceito de merenda. Foi o Cascatinha: era mate gelado batido com limão e pastel. A loja ficava cheia de compradores e o filho do dono, nosso colega e amigo, de tanto sucesso teve o negócio do pai até recebeu por apelido o mesmo da casa. Apenas por lembrança, que Bantim puxou Cascatinha, vou à rua Duque de Caxias, próxima do Diocesano, onde o pai do Peixoto (pai ou tio do Waltim) vendia doces que encantavam os alunos do colégio. Comíamos como no olimpo mistura de doces. Gostava muito da mistura do doce de batatas com goiaba em calda.

A dicotomia conteúdo e continente também pode ser uma bela ilusão. Afinal o presente é apenas muito próximo de uma linha evolutiva, mas não é em absoluto um contínuo do passado. Quando o presente se encontra algum tempo antes de sê-lo, existem algumas possibilidades do modo como será, que apenas o será como coisa dada, algum tempo depois de ser presente. Com isso não digo que o presente seja uma ficção, apenas um momento entre o passado e o futuro, não é isso. A proximidade entre acontecer e acontecido é tão grande que nos confunde, mas é inegável que algo poderá modificar o rumo esperado antes para o presente.

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