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terça-feira, 17 de junho de 2008

Violeta, a guerreira que se foi – por André Herzog

Violeta Arraes em seu gabinete na URCA
Violeta Arraes visita reserva fossilífera em Santana do Cariri

Fiquei sabendo – por comunicação de amigos do Cariri – do falecimento da reitora Violeta Arraes. A notícia trouxe-me forte emoção. Depois do choque chegaram as lembranças de gratas recordações que guardo do convívio que tive com ela.Fui admitido como professor da URCA – por meio de concurso público – durante o reitorado de Violeta Arraes. Além de professor, assumi na URCA, a convite da reitora, as funções de Coordenador de Curso, Chefe de Departamento, Coordenador Geral do Programa de Formação de Professores para o Ensino Fundamental e Pró-Reitor de Ensino de Graduação.Abaixo, um texto sobre a guerreira Violeta, por mim escrito, e que foi colocado no“site” da URCA (“link” Galeria dos ex-reitores) à época da minha administração naquela universidade.

André Herzog

Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau


Violeta Arraes nasceu em 1926, na pequena cidade de Araripe, localizada na grande bacia sedimentar do Sul do Ceará. Cursou o Primário no Grupo Escolar de Crato e iniciou o Curso Secundário no Colégio Santa Tereza de Jesus, também em Crato.Aos 14 anos se transfere para o Rio de Janeiro, sob a orientação do conceituado irmão político, Miguel Arraes. Ali, cursou o Clássico no Colégio Sacré-Couer de Marie e no Colégio Santo Amaro.

Conheceu o Padre Hélder Câmara, de quem se tornou muito próxima e foi colaboradora formal como militante do Secretariado Nacional da Ação Católica.Formada em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, Violeta Arraes Gervaiseau tem uma vida marcada pela ação cultural e política. Foi presidente da JUC de 1948 a 1950. Foi representante brasileira no Congresso Internacional da JUC na Europa no Ano Santo de 1950.Estagiou um ano na França, no Centro Internacional de Economia e Humanismo, dirigido pelo Padre Lebret, onde conheceu seu marido, Pierre Maurice Gervaiseau, com quem se casou em Recife, em 1951.

De 1958 a 1964 reside em Recife, onde foi uma das iniciadoras do Movimento de Cultura Popular juntamente com Paulo Freire. Participou ainda dos movimentos de educação de base, ligada ao Cinema Novo e ao mundo artístico e literário. Nesse período, juntamente com Pierre Gervaiseau, Economista e cooperante Francês na SUDENE colaborou na ação política do Governador Miguel Arraes.Testemunhou os acontecimentos que culminou com a deposição e prisão do Governador Miguel Arraes no dia 1ºº de abril de 1964. Presa, juntamente com seu marido, quando chegava ao arcebispado para visitar D. Hélder Câmara no seu primeiro dia de bispo de Recife e Olinda. Foi expulsa do país com sua família quatro meses depois.

Na França, onde residiu a partir de 1964, cursou pós-graduação em psicologia e exerceu a função de psicoterapeuta no serviço do renomado Dr. Widlocher.Juntamente com Pierre Gervaiseau, coordenou e produziu na Europa vários eventos objetivando a difusão da cultura brasileira nas áreas cinematográficas, teatral, musical. Atuou ainda na tradução de livros e organização de debates sobre a cultura brasileira. Promoveu e participou de grupos de reflexão sobre os problemas sociais e políticos dos países da América Latina, em particular com as revistas "Esprit", "Les Temps Modernes", "Croissance des Jeunes Nations" e o jornal "le Monde".Militante ativa pela redemocratização do Brasil, contou com o apoio integral de várias instituições e personalidades políticas e religiosas as quais se manteve sempre ligada. Nesse período se relacionou com Mike Bride, fundador da Anistia Internacional, e que mais tarde seria laureado com o Prêmio Nobel da Paz; Olof Palm, ministro sueco; Lélio Basso, senador italiano; Hubert Beauve Mery, fundador do jornal "le Monde"; Jacques Delors, da Comunidade Européia, Michel Rocard, deputado europeu e ministro francês e Leonel Jospin, primeiro ministro francês.

Em 1979, ano da anistia, retorna ao Brasil, engajando-se na campanha pelas "Diretas Já" e retomando o contato estreito com a vida cultural e política do país. Foi convidada por Tancredo Neves para ser a adida cultural na Embaixada do Brasil em paris, o que não se concretizou pelas razões que todos conhecem.Com o fim do regime autoritário militar no país foi convidada a trabalhar como adida no Projeto França-Brasil, na Embaixada brasileira em Paris. De 1984 a 1986, Violeta se dedicou a elaborar e desenvolver o projeto, realizando vários eventos significativos, entre os quais merece ser destacado, a exposição de Arte Popular Brasileira, no Museu de Arte Moderna, contando com hegemônica participação da arte nordestina.Em 1988, em reconhecimento as suas intensas atividades, recebeu convite do Governador Tasso Jereissati para assumir a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. Desde a posse até o fim de sua gestão, Violeta Arraes desenvolveu um projeto que contemplou não apenas a realização de obras e eventos, mas principalmente, a implementação de um programa cuja pedagogia e filosofia buscava conscientizar toda a sociedade sobre o real e amplo conceito de cultura.

Coordenou inúmeros trabalhos de recuperação de prédios tombados pelo Patrimônio Histórico, em um esforço que culminou com a reforma e restauração do Theatro José de Alencar, devolvido à população cearense em janeiro de 1991. Também se pode destacar o resgate da Biblioteca Menezes Pimentel, a recuperação da antiga sede da Assembléia Provincial e a mudança de sede do Arquivo e do Museu do Estado.Realizou vários eventos abrangendo as mais diversas manifestações artístico-culturais, entre as quais um seminário realizado em 1988 sobre a temática da comunicação que reuniu os mais expressivos nomes da televisão, rádio e cinema do país, e contou com a participação de um dos maiores teóricos do assunto, Romand Mattellart. Viabilizou a realização, em Fortaleza, do FestRio, Festival Internacional de Cinema.

Organizou ainda, em Canindé, uma homenagem a Dom Hélder Câmara com a presença de Bispos e Cardeais do Brasil e do exterior, reunindo um público de mais de 70 mil pessoas, com a cobertura de oito redes de televisão estrangeiras.Na área da música, vale destacar o projeto "Um Canto em Cada Canto", desenvolvido na periferia de Fortaleza, beneficiando cerca de 600 crianças carentes e que ao mesmo tempo promoveu o trabalho de monitores, regentes, compositores e arranjadores locais. A Secretaria de Cultura incentivou, também, através de apoio financeiro, artistas populares, como os reunidos no Clube do Chorinho e na Associação de Cantadores do Nordeste. No setor de folclore, realizou Mostras de Folclore e o projeto Festas e Folguedos. Finalmente, a frente da SECULT, inventariou todas as associações e manifestações culturais do Estado do Ceará.

De volta a Paris em 1991, continuou a participar e defender vários projetos de importância para a cultura brasileira como o filme "Credi-me" de Bia Lessa e o espetáculo "Imitação da Vida" de Maria Betânia com a pesquisa de texto de Fernando Pessoa. Sempre ao lado do marido, integrou um grupo de estudos instituído na Universidade Regional do Cariri (URCA) que defendia o reconhecimento da Chapada do Araripe como área de proteção ambiental. Esta preocupação levou a contatos com a direção do Museu de História Natural de Paris, tendo assim a oportunidade de acompanhar o diretor do museu e renomado paleontologista Prof. Philipe Taquet e sua equipe numa missão ao Laos.

Em 1997 assumiu o seu último desafio, a Reitoria da Universidade Regional do Cariri. Com ela, trouxe um novo projeto em mente, que tem procurado incansavelmente realizar, com coerência: a dinamização da cultura do sertão.Assim, a Reitora Violeta Arraes percebeu sua missão e a Universidade, com as seguintes palavras: "O projeto da URCA só pode ser entendido como um projeto coletivo. O que tento fazer é captar os anseios da comunidade acadêmica e da região onde estamos, em plena Bacia do Araripe, fronteira com Pernambuco, Paraíba e Piauí. Isso por si só já determina um certo número de prioridades, pois temos que levar em conta as singularidades da região, como a floresta em plena área semi-árida, a reserva fossilífera, o manancial de água encravado no meio do sertão nordestino. Nesse contexto, acho que a universidade deve ser o veículo transmissor do conhecimento voltado para o desenvolvimento sustentável dessa riqueza natural. É sua missão formar e inserir profissionais na sociedade, assim como transmitir valores de convivência para que tenhamos cidadãos convictos do ideal de uma sociedade justa e igualitária.A nova cultura terá a marca da integração e da participação nos benefícios do desenvolvimento sustentável, cujo símbolo há de ser sempre o uso racional da Chapada do Araripe, dádiva da natureza e desafio permanente para nossa criatividade e inteligência, e elo de união da população dos estados do Ceará, Pernanmbuco, Paraíba e Piauí."