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quinta-feira, 2 de outubro de 2008



República
impopular do Brasil


A sociedade ficou fora no regime que teve de imitar mitos, hinos, bandeiras e heróis


Cláudio Fragata Lopes (*)


A proclamação da República que em 15 de novembro próximo completará 119 anos, ainda é um capítulo equivocado na História do Brasil. Muita gente pensa no episódio como uma revolução popular, que pôs fim à monarquia e instalou no país um regime moderno e progressista. Mas não foi bem assim. O ato de implantação da República não teve participação popular. Foi fruto de uma elite, formada por militares, intelectuais e proprietários rurais, que, para legitimar o novo regime junto ao povo, tentou forjar mitos e símbolos.
Aprendemos na escola a ver a República como um movimento renovador e patriótico. Mas o episódio teve uma repercussão bem diferente daquela que está nos livros. A população carioca assistiu, no dia 15 de novembro de 1889, a uma parada militar liderada pelo marechal Deodoro da Fonseca, que até o último momento hesitou em desempenhar o papel de "proclamador”.
Testemunhos da época sustentam que o marechal deu um “viva ao imperador” ao fazer o famoso gesto que o pintor Henrique Bernadelli eternizou em quadro, e até hoje simboliza o ato da proclamação.
A descrição que o dramaturgo Arthur de Azevedo fez do episódio não é mais animadora: o cortejo passou em silêncio pelas ruas e o marechal parecia “um herói derrotado, mal se sustentando na sela, a cara fechada, de cor ferrosa puxando para o verde”.José Murilo de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é um dos historiadores que vêem a República com outros olhos: “Deodoro nunca foi republicano, nem antes, nem depois de 15 de novembro”, afirma. O marechal aceitou a missão por razões corporativistas, em defesa da honra militar, e também táticas, já que os conspiradores eram muito jovens.


Alegorias republicanas
De todos os símbolos fabricados, só a bandeira vingou


O mito do herói
A atuação dos participantes de 15 de novembro não foi suficiente para transformá-los em heróis. O jeito foi promover Tiradentes ao panteão cívico da República. Durante o desfile, o pintor positivista Décio Villares distribuiu uma litogravura onde o inconfidente aparecia com ares de Cristo.


A mulher República
Todo o esforço de representar o novo regime por meio da figura feminina, como foi feito na França, fracassou. Nesta tentativa de Décio Villares, a República brasileira tem na cabeça o barrete frígio, tal como foi usado ao tempo da primeira república francesa. Mas ganhou um toque nacional, passando de vermelho a verde e amarelo.(*)


(*) Cláudio Fragata Lopes é jornalista
cfragata@edglobo.com.br

(continua)

Primeira bandeira da República dos Estados Unidos do Brasil que só durou 4 dias (de 15 a 19 de novembro de 1889)
República
Impopular do Brasil
(2ª parte)
A sociedade ficou fora no regime que teve de inventar mitos, hinos, bandeiras e heróis

Cláudio Fragata Lopes (*)

Como salienta o historiador José Murilo de Carvalho, a campanha abolicionista foi popular: “O republicanismo, não”. Mas existem razões para isso. Desde sua fundação, em 1870, o movimento republicano foi sustentado por três correntes que se engalfinharam pela definição do novo regime: o liberalismo à americana, o jacobinismo à francesa e o positivismo, doutrina do filósofo francês Auguste Comte, difundida entre os militares brasileiros por Benjamin Constant. Eram ideologias que pertenciam ao círculo fechado das elites educadas. Seus respectivos ideários estavam acima da compreensão da maioria da população, que dispunha de baixíssimo nível de instrução.
Eis porque sua atuação era nula no palco da política organizada. No dia 15 de novembro não foi diferente. O papel reservado às massas foi de figuração, sem tomadas de Bastilhas, como na França Revolucionária.
A saída mais conveniente para a República foi a do liberalismo ortodoxo, vestido de federalismo à americana, salienta o historiador. Sem demora, porém, empenharam-se (os golpistas) em criar um arsenal de símbolos, mitos e alegorias que sensibilizasse as massas, de modo a legitimar o novo regime. ”Por meio da recriação de um imaginário é que se pode atingir não só a cabeça, como o coração de um povo”, frisa Carvalho.
Uma das medidas mais urgentes foi encontrar um herói para a República. Vários nomes destacaram-se no episódio. Quintino Bocaiúva, dono do jornal “O Paiz”, porta-voz oficial do republicanismo, era considerado “patriarca” ou “apóstolo” da República. Deodoro e Benjamin Constant disputavam o título de “fundador”, embora o mais aceito para o velho marechal fosse o de “proclamador”. O vice-presidente, marechal Floriano Peixoto, que substituiu Deodoro quando este renunciou em 1891, era aclamado como o “salvador” do regime. Nenhum deles tinha carisma popular. Para ter um herói, a solução encontrada foi promover Tiradentes ao panteão da República. Mas a celebração do 21 de abril só começou em 1891, instituída pelo novo regime.
A principal batalha pela simbologia republicana se deu em torno de uma nova bandeira e do Hino Nacional. No dia da proclamação, os participantes não tinham ainda uma bandeira. Levaram às ruas um modelo confeccionado pelos sócios do clube republicano Lopes Trovão, na verdade uma cópia da bandeira norte-americana, onde as cores imperiais verde e amarela foram conservadas nas faixas horizontais.
Quatro dias depois foi anunciada a vitória da corrente positivista. A bandeira continuaria a ser a do Império, retirando as armas imperiais e no lugar uma esfera azul com a inscrição “Ordem e Progresso”.

(*) Cláudio Fragata Lopes é jornalista
cfragata@edglobo.com.br