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sábado, 18 de dezembro de 2010

Lênin: Tolstoi, um grande artista

Morreu Leon Tolstoi. Sua importância mundial como artista e sua popularidade universal como pensador e pregador refletem, a seu modo, a importância mundial da revolução russa.

Por Vladimir Ilitch Lênin*

Leon Tolstoi se manifestou como um grande artista desde os tempos do regime da servidão. Em várias obras geniais, escritas por ele no transcurso dos longos cinquenta anos em que se prolongou a sua atividade literária, pintou de preferência a velha Rússia anterior à revolução, que depois de 1861 ficou em um regime de semisservidão; pintou a Rússia aldeã, a Rússia do latifundiário e o camponês. Ao pintar esse período da vida histórica da Rússia, Leon Tolstoi soube apresentar tantas questões fundamentais em seus escritos, alcançou em sua arte tão grande força, que suas obras figuram entre as melhores da literatura mundial.

A época em que se preparava a revolução em um dos países oprimidos pelos senhores feudais foi, graças à forma genial com que Tolstoi a tratou, um passo adiante no desenvolvimento artístico de toda a humanidade.

Como artista, somente uma minoria insignificante o conhece na Rússia. Para fazer efetivamente suas grandes obras patrimônio de todos, há que lutar contra o regime social que condenou milhões e milhões de seres à ignorância, ao embrutecimento, a um trabalho próprio de condenados e à miséria; há que fazer a revolução socialista.

Tolstoi não só escreveu obras literárias que sempre serão apreciadas e lidas pelas massas quando estas criem para si condições de vida humana, derrubando a opressão dos latifundiários e dos capitalistas; ele soube também descrever com força admirável o estado de ânimo das grandes massas subjugadas pela ordem de coisas desse tempo, soube também pintar sua situação e expressar os seus sentimentos espontâneos de protesto e indignação. Tostói que pertenceu, principalmente, à época de 1861 a 1904, refletiu com assombroso realce em suas obras – como artista e como pregador – as características da especificidade histórica de toda a primeira revolução russa, sua força e sua debilidade...

Olhem com atenção o que dizem de Tolstoi os jornais do governo. Choram lágrimas de crocodilo assegurando que têm em alta estima o “grande escritor”; mas, ao mesmo tempo, defendem o “santíssimo” sínodo. E os santíssimos padres acabam de cometer uma canalhice das mais imundas, enviando seus popes à cabeceira do moribundo, para enganar o povo e dizer que Tolstoi se “arrependeu”. Antes, o santíssimo sínodo havia excomungado Tolstoi.

Prestem atenção no que dizem de Tolstoi os jornais liberais. Eles se apressam com estas frases ocas, oficial-liberalescas, batidas e professorais sobre “a voz da humanidade civilizada”, “o eco unânime do mundo”, “as ideias da verdade e do bem”, etc. etc., pelas razões que Tolstoi castigava com tanta força e tanta razão contra a ciência burguesa. Os jornais liberais não podem dizer clara e concretamente o que pensam das idéias de Tolstoi sobre o Estado, a Igreja, a propriedade privada da terra e o capitalismo. Isso não porque a censura os atrapalha – pelo contrário, a censura os ajuda a sair da dificuldade.

Eles não podem porque cada tese da crítica de Tolstoi é uma bofetada no liberalismo burguês; porque, por si, a valente, franca e implacavelmente dura concepção das questões mais candentes e mais malditas de nossa época por Tolstoi é uma bofetada nas frases estereotipadas, nos batidos subterfúgios e na falsidade escorregadia, “civilizada” de nossa imprensa liberal (e liberal populista).

Morreu Tolstoi, e se foi o passado da Rússia anterior à revolução, a Rússia cuja debilidade e impotência se expressaram na filosofia do genial artista e vemos refletidas em sua obras. Mas em sua herança há coisas que não pertencem ao passado. Pertencem ao futuro. Essa herança passa às mãos dos proletários da Rússia, que a está estudando. Daí virá a explicação às massas trabalhadoras e exploradas da significação da crítica que Tolstoi fez ao Estado, à Igreja, à propriedade privada da terra; e não o fará para que as massas se limitem à autoperfeição e a suspirar por uma vida santa, mas para que se levantem com o fim de lançar um novo golpe à monarquia czarista e à posse da terra por latifundiários, que em 1905 só foi ligeiramente quebrada e que deve ser destruída. Então se explicará às massas a crítica que Tolstoi fez do capitalismo, mas não o fará para que as massas se limitem a maldizer o capitalismo e o poder do dinheiro, mas para que aprendam a apoiar-se, em cada passo de sua vida e de sua luta, nas conquistas técnicas e sociais do capitalismo, para que aprendam a se agrupar em um exército único de milhões de lutadores socialistas, que derrubarão o capitalismo e criarão uma nova sociedade sem miséria para o povo, sem exploração do homem pelo homem.

* Fragmentos do texto de Lênin refletindo a morte de Tolstoi

Fonte: Publicado em 16 (29) de novembro de 1910 em “O Social-democrata” 


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CACÁ ARAÚJO NO PORTAL VERMELHO

Em entrevista, Cacá Araújo fala de comunismo e arte no Cariri

A entrevista foi concedida ao Blog Coletivo Camaradas em 2009. Na conversa, cultura popular, comunismo, artes plásticas e política. Leia a seguir a entrevista na íntegra.

Cacá Araújo Cacá Araújo foi aluno do dramaturgo Augusto Boal (falecido recentemente) , fundador do Teatro do Oprimido.
 
Quem é Cacá Araújo?

Comunista, professor, dramaturgo, ator, diretor de teatro, poeta, folclorista. Filho de José e Joselita. Pai de Diogo Stálin, Carlos Ângelo, Maria Isaura e Lilith. Guerrilheiro permanente em defesa da liberdade, da democracia e do socialismo.

Quando teve início seu trabalho artístico?

Há mais de vinte e cinco anos, no movimento literário, juntamente com os poetas Gênes de Alencar e Domingos Sávio Barroso, criando posteriormente o Grupo Artístico-Cultural poesia, Vida & Sangue, responsável pela edição de vários livros de poesia, em especial a Antologia Poetas do Cariri 1986, da qual participaram novos e consagrados poetas como Saraiva de Sá e Patativa do Assaré.

Quais as influências do seu trabalho?

Minha formação principal é baseada na militância política fundada no marxismo-leninismo, sem desconsiderar que me criei no meio da feira do Crato, alternando com longas estadas no Sítio Riacho Vermelho, de propriedade de meu avô, no Distrito de Santa Fé. Em decorrência disso, de ser orgulhosamente matuto do pé da serra, veio a natural influência das tradições populares, das histórias do campo, da alma sertaneja.

Outra grande influência é a grande oportunidade e privilégio de conviver com os mestres do folclore local, como o Mestre Cirilo, Mestre Aldenir, Mestre Raimundo Aniceto, Mestra Zulene Galdino, Mestra Edite Dias e tantos outros.

Além de Marx, Engels, Lênin, Stálin, Amazonas e os nossos Mestres da Cultura Popular, outros como Brecht, Stanislavski, Augusto Boal, Dario Fo, Plauto, Aristóteles, Sófocles, Eurípedes, Ésquilo, Camões, Garret, Patativa do Assaré, Pedro Bandeira, Eloi Teles, Câmara Cascudo, Suassuna, Seu Joaquim Vicente, Júlia Doida, Miguel Preto, Capela, Sorriso, Incha Tetê, Tandô, entre muitos outros de ontem, transantontem e de hoje.

Como você vê a relação entre arte e política?

São partes de um todo indivisível, apesar de alguns tolos, imbecis e ou mercenários negarem. Arte é resultado da inventividade humana, que deriva de sua existência material, que por sua vez determina sua base espiritual e intelectual.

Seu trabalho segue uma dramaturgia de afirmação cultural? Qual a relação da sua produção com a de Ariano Suassuna?

Erguemos a mesma bandeira política da defesa da soberania nacional tendo a cultura popular como principal elemento identitário do país. As matrizes culturais que, caldeadas, formam a identidade nacional, revelam que nossas raízes são universais ao mesmo tempo em que manifestam a plural singularidade brasileira.

Em 1988, você foi aluno do dramaturgo Augusto Boal (falecido recentemente) , fundador do Teatro do Oprimido. Qual a sua opinião sobre a contribuição deste teórico no campo do fazer teatral?

O Boal é a maior referência teatral das américas e um dos mais importantes nomes mundiais de todos os tempos. Seu teatro é verdadeiramente revolucionário porque propõe a inclusão do espectador no universo cênico, discutindo, analisando e protagonizando soluções na cena, como que ensaiando as transformações que a vida real exige.

Você trabalha com a metodologia do Teatro do Oprimido?

A poética do oprimido é um compêndio político de extrema significação para quem vê no teatro uma forma de manifestar a alma e os anseios populares. Em várias ocasiões trabalho com várias técnicas do TO, seja com grupos específicos (professores, estudantes e comunitários, por exemplo), ou mesmo no dia-a-dia do desenvolvimento dos atores de nossa companhia teatral.

Qual a contribuição do marxismo para o teatro?

O Marxismo é fundamental para a compreensão do mundo e suas implicações políticas, econômicas, sociais e culturais. Oferece o embasamento ideológico para que uma ação, inclusive o teatro, adquira conteúdo revolucionário e contribua na educação das massas para as necessárias transformações sociais.

Qual sua produção em dramaturgia?

Minha dramaturgia “brincante” é toda ela pontuada pela mitologia, causos, história e costumes regionais: “A Comédia da Maldição”, que apresenta o mito da Mula-sem-cabeça; “O Pecado de Clara Menina”, abordando relações de poder e matreirices sertanejas, inspirada em poema anônimo medieval ibérico; “As presepadas de Zé Ozébe”, sugerida pelo cordel A história do cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes de Barros; “a Donzela e o Cangaceiro” (premiada pela Bolsa Funarte de Estímulo à Dramaturgia 2007), que traz o mito da Caipora e aborda temas ecológicos; e “O Mapa da Botija”, comédia infantil de aventura que evidencia o mito do “Papa-Figo” e a lenda caririense da “Pedra da Batateira”.

Tenho também textos que abordam temática urbana contemporânea, destacando-se: “Monólogos das Flores Violadas”, baseado em reportagens sobre casos de exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias federais do Ceará; e “Lágrimas no papel”, inspirado na história da militante comunista Helenira Resende, assassinada pela repressão militar na Guerrilha do Araguaia, em 1972.

Como você analisa a atual conjuntura de políticas públicas que vem sendo desenvolvida pelo Ministério da Cultura?

É a expressão prática da democratização de bens e meios de produção culturais, principalmente através do genial programa de Pontos de Cultura, além de outras não menos importantes ações desenvolvidas por meio de editais, patrocínios diretos, estímulo ao mecenato e criação de sistema nacional de cultura envolvendo a totalidade de estados e municípios.

Como você vê a produção teatral na região do Cariri?

Intensa e diversificada. Aqui temos excelentes dramaturgos, atores, encenadores, produtores. Mas a maior virtude do nosso teatro atualmente é o abandono dos clichês globais e da estética ditada pelos grandes centros urbanos do Sul e Sudeste, principalmente através de ações midiáticas criminosas, hegemonistas e preconceituosas. O produto teatral do Cariri tem que ter o aroma, o sotaque, o rebolado, o ritmo, a história, a cultura do nosso povo que, longe de se fechar na região, revela uma avassaladora universalidade.

Entretanto, ainda há equívocos institucionais sérios, quando alguns órgãos, mesmo com dinheiro público, promovem um intercâmbio doutrinador e eliminador da auto-estima, quando desprestigiam a cena local.

Justiça precisa ser feita ao excelente desempenho do Centro Cultural Banco do Nordeste, que, ao longo do ano, atua na formação de platéia através do gosto pela cena produzida na região, fazendo-a circular e ganhar sentido de existir. Isso tem dado excelentes resultados na qualidade da produção caririense, além de gerar renda para os grupos e companhias.

A Guerrilha do Ato Dramático Caririense é uma realidade. O que é e como surgiu a idéia deste evento?

A Guerrilha é um movimento em favor da diversidade, respeito e afirmação da identidade cultural brasileira, especialmente por destacar a dramaturgia e a encenação produzidas no Cariri cearense como fortes elementos identitários do nosso povo. Foi, portanto, pensado a partir do debate com atores, diretores, dramaturgos e produtores, como forma de valorizar a produção dramatúrgica, a encenação e a realização de espetáculos na região, posto ser necessária intervenção de impacto que abra espaços de difusão da arte e do artista caririense, nordestino, brasileiro.

Esperamos, na continuidade desse processo, criar uma cooperativa de artes cênicas com o fim de garantir a unidade em defesa de ações formativas, difusão, desenvolvimento e, principalmente, reconhecimento aos artistas e suas produções.


Fonte:
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17 de Novembro de 2009

Oswald Barroso: Sertão de Poesia

O Cedro que eu conheci no início dos anos oitenta do século passado ainda era o município de pequenos sitiantes produtores de algodão, com a usina de sua cooperativa agrícola, a escola técnica e várias indústrias em pleno funcionamento, além de um comércio muito ativo, ares de antigo centro ferroviário, lugar próspero, onde corria algum dinheiro na zona rural e se podia contratar um cantador de viola ou um sanfoneiro dos bons para uma noitada inteira.

Por Oswald Barroso*

Talvez por isso, guardasse marcas da pequena Atenas cabocla que fora, espécie de São José do Egito cearense(1) , ou de Assaré de Patativa, já que naqueles sítios, apesar da faina intensa sobrava tempo para ouvir rádio e sonhar poesia.

Imagino que ali, durante a primeira metade do século 20, quando Idalzira nasceu, o cabra em vez de nascer chorando, como costuma acontecer, já nascia cantando, porque versejar era como falar. Então, veja lá, havia dentro de casa o pai João Bezerra, exímio poeta, e Joan ainda fala de um “Tio Clóidio” que na certa por ali andava. Além do mais, é preciso lembrar, o Cedro não por acaso ser berço de Geraldo Amâncio, um dos maiores cantadores brasileiros da atualidade, nascido exatamente nos meados dos mil e novecentos. Poesia, portanto, no meio em que Idalzira foi criada, era patrimônio familiar e comunitário, pra lá de literatura e arte, assunto cotidiano, jogo e divertimento, motivo para disputa, exibicionismo, duelo e desafio.

Sob inspiração das musas eram organizados torneios, festivais, com gêneros diversos de disputas, que incluíam perguntas e advinhas. Provas nas quais os contendores, homens ou mulheres, careciam mostrar poderes mágicos com as palavras, através de arranjos intrincados de sons, e arrotar valentia, como se estivessem manejando espadas invisíveis. Conforme o caso, precisavam fazer tremer o inimigo com versos indecifráveis e rimas terríveis, ou comover o coração das mais resistentes donzelas com a narrativa de romances enternecedores.
 

Talvez, principalmente, da intimidade do lar se nutrisse aquela poética, porque naqueles sítios de então, a vida se completava em rima. Digo pela forma como Idalzira fala de sua própria experiência: “Eu rimo quando estou triste/Para as mágoas espantar/Rimo quando tenho saudades/Pois é muito feio chorar/Rimo quando estou contente/Rimo quando estou ausente/Querendo te abraçar.” E de jogos e brincadeiras, as rimas se espalhavam por afetos, sentimentos, desejos, angústias, saudades, aflições, em conversas de salas, cozinhas, alcovas e alpendres principalmente. Demoravam-se em sessões nas quais a palavra falada, cantada de preferência, medida, exata, bem escolhida, era cultivada e cultuada, debulhada em cordéis, fabulada em histórias que narravam desde os mitos da origem dos tempos até a última novidade apregoada na feira ou ouvida no rádio.

Em sítios assim, orgulho maior é ser membro de uma prole de poetas, trovadores, repentistas ou especialistas outros do verso, como a família Bezerra de Idalzira. Não por acaso, Erivan, o caçula, perde completamente a modéstia para seguir a tradição, quando afirma sua pertença a esse clã. Diz ele, numa bela quadra: “Eu sou a pedra turquesa/Minha mãe é uma safira/Sou filho de Idalzira/Poeta por natureza.” E não está mentindo, pois se trata de uma família onde o cultivo da arte poética é bem herdado, estando justificada a admiração recíproca, embora, como afirma com autoridade Joan, o filho mais velho, a mestra indiscutível seja a mãe.

xxx

Visitei o Cedro, quinze anos depois de haver lá morado, dessa vez como repórter, e também Morada Nova, outro município onde havia do mesmo modo trabalhado como educador em cooperativas de pequenos produtores de algodão. Outra era a realidade. Distritos e sítios esvaziados, plantações abandonadas. Comércio mais ativo só no dia de pagamento dos aposentados. A população envelhecera, o interior definhara. No Cedro as poucas indústrias, casas de comércio maiores e centros educacionais haviam fechado. A juventude emigrara. Nos sítios, principalmente, estabelecera-se um sentimento de abandono na fala dos velhos.

Talvez por isso, a sensação que me veio ao ler a carta de Idalzira para Joan sobre o mote: “De uma casa cheia de gente/Só resta um gato e um cancão”, foi o de estar frente a uma nova “Triste Partida”, de um canto social, como o de Patativa do Assaré. Um canto de tristeza dos que ficaram e, porque não dizer também, dos que partiram. De uma família de sitiantes que vê seus filhos irem-se, um a um, às vezes para nunca regressarem. Por isso, o canto de Idalzira é geral e dói além de sua dor particular. É a dor do migrante e de sua terra, é a dor de dois terços do mundo. É a dor de um coração partido.

Mas a dor de Idalzira é também só dela e única, porque se foi Joan e depois, tão menino ainda, Erivan, o caçula. Logo ele. Nem adiantou o consolo da visita à residência universitária e o conselho ao filho, de colocar na parede uma gravura do sol brincando com a lua, no lugar da foto de uma mulher nua (na certa por causa da rima, pois ela queria certamente era que o filho colasse a gravura de uma santa). Nada preenche o vazio na casa após a partida dos filhos. Nem os bichos: “O cancão, meu grande amigo/Canta e pula sem parar/O gato fica a miar/Pensando que não lhe ligo/Porém baixinho lhe digo/Não tenha ciúme não/Que é grande meu coração/Amo a todos igualmente./De uma casa cheia de gente/Só resta um gato e um cancão...”

Se para quem fica o vazio não tem tamanho, para quem vai a dor tem a mesma proporção, como mostram esses versos antológicos de Joan: “Volto a pegar no papel/Pra mais uma vez escrever/Tentar assim combater/Esta saudade cruel/Que amarga como fel/Corrói o peito da gente/Dá uma dor tão pungente/Que quase eu dou razão/A quem mata a solidão/Em um copo de aguardente.”

"O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente".
Fernando Pessoa
E o que é tão grande para uma mãe quanto o vazio de uma casa sem os filhos? Um vazio que nem a zoada de um cancão e de um gato, de madrugada pedindo comida, abala? O que pode preencher a espera de uma mãe solitária enquanto sonha em reunir a família no final do ano? A poesia, Sultão! Responderia a princesa Sherazade.

A maga Idalzira também é iniciada nesse segredo. Para preencher o vazio de seu mundo, armou uma dimensão de versos e rimas. Fez-se aranha rainha, lançou suas linhas e estendeu sua teia entre os caibros, ligando filhos e netos. Dor e solidão, distância e separação, espera e abandono tratou de encantar em poesia. Por carta novamente a prole dos Bezerra deu corpo ao Cedro do velho João. Fez reviver os romances de amor, o lirismo dos trovadores, mas também os torneios cavaleirescos, os desafios, as disputas, os repentes, o humor corrosivo, o sarcasmo até, a valentia, a pabulagem, a briga, a dor, a traição, o ciúme, a intriga (por que não?), todos eles ingredientes indispensáveis para uma cantoria cheia de suspense ou para um cordel repleto de imprevistos.

Na correspondência mantida entre Idalzira, filhos e neta, a vida se faz arte e a realidade se encanta em ficção. Entre afetos e notícias trocados por mãe e filhos, os poetas inserem ingredientes propositalmente artísticos. Primeiro são os filhos que, brincando, fingem querer suplantar a mãe na arte poética. Ela como resposta lhes dá um puxão de orelha: – Respeita Januário! Depois, Joan e Erivan disputam a atenção e o amor de Idalzira simulando brigar por ela. Tudo para impressionar a mãe. E saem por aí, trocando rima, se exibindo para Idalzira, travando desafios, fingindo que a luta é só de brincadeira, pra mãe não se chatear com a arenga dos filhos. Em seguida, vêm os desafios lançados dos filhos à mãe e aceitos para saudar com versos cada neto que nasce, cada filho que casa, cada novo acontecimento na família. Mais adiante, é Joan que, para chamar atenção, se mostra escandalizado com o casamento da irmã e inventa de fazer graça, transformando aquilo num fato extraordinário.

A verdade é que nessa correspondência poética, não se sabe em que direção vai o fingimento, se no sentido de fazer a dor parecer maior para torná-la mais eficazmente artística, ou se no sentido de fazê-la artística para que se torne mais suportável. Não se pode precisar se a queixa da mãe é um pretexto para fazer poesia ou se fazer poesia é uma forma da queixa não se tornar aborrecida (porque sempre com muito bom humor), ou seja, da queixa poder ser feita reiteradamente, isto é, de fingir estar usando o pretexto da queixa para fazer poesia, quando a mãe quer mesmo é se queixar da falta de notícias do filho. Daí vem o dito de Fernando Pessoa colocado na abertura desse texto.

Muitas são cartas comuns como as de mãe orientando o filho, aconselhando o filho que se candidatou a vereador, ou a do filho consolando a mãe saudosa, outras da mãe com críticas e comentários políticos, mas há até mesmo cartas inusitadas como a do filho dando conselhos à mãe, escrita por ele como se aconselhasse uma filha, com muito humor e descontração. Depois entra a neta Geórgia na conversa e mantém o nível poético da correspondência, agora entre avó, filhos e neta.

Afinal, são cartas que ajudam a transformar a saudade em arte, a dor em vida, a solidão em beleza. Cartas que viraram atração entre os amigos de Joan e Erivan, lidas para o coletivo de estudantes. Cartas que, acima de tudo, revelam um imenso amor entre os três, agora quatro, sentimento bem traduzido nesses versos de Erivan para a mãe: “Me despeço de antemão/Já com saudade no peito/Mas sinto que é o jeito/Pois o tempo é um balão/Voando de hora em hora/Minha vontade era agora/Lhe mandar meu coração.”

Por tratar-se de um livro de correspondência poética, entre uma mãe e os seus, a obra já teria assegurado seu interesse e sua originalidade. De quebra, Idalzira ainda nos brinda com uma série de sonetos e outros poemas, em que fala de sua vida, de seus sentimentos, de sua família, de seus alunos e de sua terra, o Cedro. Trata-se, além do mais, de uma crônica do cotidiano rural, de um rico testemunho dos costumes, da política, da vida nos sítios, dos valores morais e do imaginário de uma vila sertaneja, onde ainda havia tempo e espaço para traduzir o mundo em poesia.

(1) Município do Alto Sertão do Pajeú pernambucano, berço de tantos poetas e cantadores famosos, entre os quais Rogaciano Leite e os irmãos Batista, Lourival, Dimas e Otacílio.

* Oswald Barroso é professor universitário, poeta, dramaturgo e pesquisador da cultura popular


Fonte: PORTAL VERMELHO - http://www.vermelho.org.br/

NOTÍCIA DO PORTAL VERMELHO


Aconteceu em
18 de dezembro
Guerrilha da Sierra Maestra: ao centro, Fidel
1956 - Dia da Sierra Maestra
Os guerrilheiros cubanos que sobrevivem ao desembarque do Granma reúnem-se, na Sierra Maestra. A serra será o 1º núcleo da revolução vitoriosa em 1959.
1889:
Motim de praças, severamente reprimido, no Rio de Janeiro.
1915:
Sufocado levante de praças contra os baixos soldos na Vila Militar, Rio; 256 presos.
1940:
Decreto secreto de Hitler ordena que se prepare a invasão da URSS.
1972:
Auge do bombardeio do Vietnã do Norte pelos EUA.
1987:
Decreto de Sarney proíbe a pesca da baleia em águas brasileiras.
1987:
Comício por diretas em 88 reúne 15 mil no Rio de Janeiro.
1989:
Marines dos EUA invadem o Panamá, a pretexto de prender o ex-presidente Noriega. Mil mortos, 1.500 presos.
1997:
O oposicionista Kim Dae-jung elege-se pres. da Coréia do Sul, na esteira da crise asiática. Início do degelo entre as Coréias do Norte e do Sul.
2005:
Evo Morales, indígena aimará, sindicalista e dirigente do antiimperialista MAS (Movimento ao Socialismo), é o 1º presidente da Bolívia a se eleger no 1º turno, com 53,7% dos votos.
Evo

I Fest Cariri Caribe - Emerson Monteiro


Acontece desde ontem (17/12) até 20/12 (segunda-feira), em Farias Brito CE, o primeiro festival de cinema denominado Fest Cariri Caribe (Audiovisual, Teatro, Música e Movimento), uma iniciativa do poeta e cineasta Rosemberg Cariry, filho do município, que envolve exibição e competição de filmes longa e curta metragens realizados no Brasil e em países da zona do Caribe, na América Central, este ano representada por Cuba, Venezuela e Porto Príncipe.
No decorrer da mostra na cidade, que comemora seus 74 anos de emancipação política, registram-se outras atividades culturais até o dia 20, dia do seu aniversário de autonomia. Além da exibição dos filmes, são realizadas palestras, oficinas, exposições, apresentações artísticas e, no final da tarde do dia 17, houve, pelas principais ruas da cidade, rico desfile de grupos artísticos e folclóricos, alguns deles dos municípios de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, numa animação das mais intensas, ao som da Banda de Música de Farias Brito, marcando, com isso, a abertura do evento.
A realização do I Fest Cariri Caribe coube ao Governo Municipal de Farias Brito, na atual gestão de José Vandevelder, sob o patrocínio da Casa Civil do Governo do Estado do Ceará e apoio de Sereia Filmes, Associação Cultural Curumins do Sertão, Cineclube Inácio de Loyola e Cineclube Quixará das Artes, ambos de Farias Brito.
Desde o primeiro dia, o festival mobiliza as escolas e as ruas, em clima alegre e participativo, que envolve os habitantes do lugar e sensibiliza pela beleza plástica e musicalidade.
Numa participação intensa dos principais responsáveis pela iniciativa, Auxiliadora Nergino, Bárbara Cariry, Nailson Teixeira e Cíceros Clislones, somados a outros nomes dedicados à educação do município, as atividades desenvolvem as apresentações seguirão até segunda-feira, quando, à noite, ocorrerá a premiação dos filmes da mostra competitiva, a exibição do documentário Patativa do Assaré - Ave Poesia, de Rosemberg Cariry, e a festa popular Noite Caribenha, animada por grupos musicais de Farias Brito.
A proposta do festival ora em andamento teve bases limitadas do ponto de vista do investimento financeiro, e junto a uma comunidade de menor porte do Cariri, contudo objetiva, dentro de pouco tempo, se transforma em uma data importante do calendário do cinema no Ceará, o que segundo Rosemberg, também incluirá outras cidades da Região.
Filho de Farias Brito, Rosemberg Cariry instalou e mantém funcionando, em avenida central da cidade, um ponto que reúne casa de cultura e centro cultural, com biblioteca, filmoteca, acervo de artes plásticas e sala de cinema, onde funciona o grupo de teatro denominado Os Curumins do Sertão.

Ecos do Salão de Outubro – Um recado para Edilma Rocha

Ontem eu fui ao dentista. Ele me contou um fato interessante. Um casal português que, viaja pelo mundo, foi atendido por ele em seu consultório há cerca de um mês e, comentou que acabara de chegar do Crato, vindo do Recife e ficou encantado com a cidade. Visitou uma exposição de artes, viu espetáculos de danças, poesias, um movimento cultural que nada fica a dever aos grandes centros da Europa. Essa noticia é para Edilma Rocha e os parabéns de todos os cratenses pela realização do último Salão de Outubro.