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terça-feira, 6 de abril de 2010

Tempo, o senhor da razão - Emerson Monteiro

Tantas vezes quantas necessárias, haveremos de recorrer às ideias na intenção de esclarecer, ou mesmo refutar, contradições do cotidiano. Parar e pensar, por menor proveito que represente do imenso cabedal dos acontecimentos, deixam aflorar revelações fundamentais, novas e outras revelações, sentido único de superar as fronteiras rijas do instante.

Pensar representaria, portanto, a mais extensa faixa do caminho, na revelação individual da consciência. Novas chances de esperar movimentações da mente imporiam a alternativa às longas ou breves excursões pelos mares do desconhecido, nas camadas possíveis do instante, com estação final num dia a todos assinalado.

Conquanto o fluir das horas marquem pulsar da finalidade útil de contemplar e interpretar motivos, andar aqui, na face deste chão lotado de questões fundamentais, a todo segundo configura o adiamento do ato final do drama diário.

Ninguém percorre seus passos isento de responsabilidades perante a longa humanidade, independente das opções particulares de quem se pretenda possuir talentos superiores, porquanto um determinismo cósmico, ou destino, avalia e conduz o presente definitivo, nas telas do agora aqui, cinema perpétuo. Força coercitiva, constante, raiz dos mínimos fenômenos, converge fatal, para produzir resultados constelados de séculos e milênios.

A própria razão da civilização dos homens se submete ao tal processo intermitente das horas que correm ao ritmo de corações imaginários. Pela hierarquia dos poderes universais, o Tempo fixa padrões de circunstâncias, enquanto pessoas borbulham pensamentos nascidos nas ocorrências históricas.

O poder que em si contém o fluir de todo momento resume a potência dos seres limitados da Natureza e governa acima de tudo, dotado de tentáculos enérgicos a ponto de suplantar as liberdades humanas e a ânsia de superioridade, quadro geral da expectativa existencial.

Ainda que usufruamos dos pensamentos e elaboremos conceitos racionais sob o manto da mesma racionalidade, sua interpretação defronta barreira inesgotável de normas e resultados quiçá contraditórios, a cobrir nossos pés, na força das oportunidades.

Diante disso, quer-se crer em níveis superiores de uma outra razão acima da razão vulgar das criaturas humanas, domínio que abrange o vasto Universo e elabora causas originais, além de manifestar a forma do Tempo na face do Nada absoluto; um senhor da razão apenas relativa, Ser dos seres.

O Rio se Desmanchando - por José do Vale Pinheiro Feitosa

É evidente: não é possível acrescentar mais nada ao que acontece agora no Rio de Janeiro. As televisões estão informando tudo. As rádios apenas falam do assunto. Os canais de TV a cabo estão com a programação em exclusividade no tema. Aí o que há para acrescentar para os blogs do Cariri?

A situação de acordo com o sentimento de cada um nesta cidade e desde ontem por volta das 17 horas. Portanto há mais de 24 horas. Moro numa rua de encosta, um prédio cujo segundo andar se encontra a dez andares da Rua Jardim Botânico. Apenas consegui chegar em casa, vindo do bairro da Gávea, mais ou menos a distância entre o Pimenta e o início da João Pessoa no Crato, depois de passar pelo Leblon, dar um tempo num Shopping, aí por volta das 23:30 horas.

Durante a missa de sétimo dia por Carlos Augusto Arraes de Alencar, filho do ex-governador Miguel Arraes, caiu a segunda tromba d´água aqui na Zona Sul. Mas a cidade inteira já estava toda alagada e as encostas caindo e matando gente. Peguei uma carona até o Leblon, numa destas Pajeros imensas, em meio a uma confusão generalizada. O Canal da Rua Visconde de Albuquerque no Leblon já começava a transbordar para as duas ruas paralelas.

Mas para se observar a situação de cada um, no microcosmo da perplexidade geral, estou aqui no computador, com todos os ouvidos atentos. Uma casa quase em frente ao nosso prédio, destas casas imensas com piscina solta na altura da encosta, teve a parte baixa de seu terreno deslizado. Destruiu um carro que estava estacionado junto ao muro e uma árvore obstrui a nossa rua.

A Rua Jardim Botânico está praticamente parada quando os engarrafamentos seriam a regra. O que se ouve são as sirenes da defesa civil. E o céu ameaça. Não pára de chover, ora com ventos fortes, noutras aqueles pingos que enchem um vasilhame de água. O Túnel Rebouças, não funciona, a Lagoa Rodrigo de Freitas invadiu as pistas laterais e, portanto, interrompeu o fluxo de saída do túnel.

Ontem à noite o motorista de taxi que se aventurou a vir até aqui comigo, era pura tensão. Um sujeito interessantíssimo. Muito conversador, mas de uma amabilidade misturada com a crítica à vida. Ele já tivera uma fábrica de fazer material de praia, guarda sol, barracas entre outras coisas. Uma fábrica com mais de 25 empregados. Perdeu seu negócio porque um concorrente, talvez lavando dinheiro de algum esquema fraudulento, destruiu a concorrência com preços impraticáveis face aos custos.

Ele me deixou aqui e se mandou para casa. A cunhada estava ilhada no centro da cidade. Não sei a hora, mas logo depois a barreira caiu e a via pela qual subi até aqui sofreu a interrupção. E a perspectiva? Começou o dia anunciando precariedade. O prefeito do Rio pediu que as pessoas não saíssem de casa. Anúncio do esgotamento da cidade e prenúncio de que a duração do temporal ainda duraria muito.

A medida exata do microcosmo é que uma colega de trabalho da Tereza, ambas saíram do centro da cidade por volta das 18 horas, apenas chegou em casa, num bairro vizinho ao centro, a Tijuca, por volta de 9:40 horas da manhã de hoje. Passou a noite inteira e parte da manhã sentada dentro do seu carro esperando que a situação melhorasse. Urinava em sacos de plástico.

E ouvindo os pingos da chuva, contam-se os segundos de uma longa noite de expectativas.

O Rosto de Ana - por José do Vale Pinheiro Feitosa

Seria tão mais fácil pronunciar o teu nome: ANA. Tudo apenas início, com apenas uma consoante o intermediando. Mas era a ausência de um dos dez dedos que aquele homem do Araripe plantou em Recife. Quando pela tarde o tempo fechou no Rio de Janeiro e, na Missa da Ressurreição, os céus desabaram sobre a cidade, juntamente com seus morros.

Seria fácil apenas a pronúncia, mas não perco a imagem do teu rosto. Um rosto de corpo levantado. Apenas tu em pé durante a longa fila dos comungantes. Por frágil que seja a prova da ressurreição, eis que na fila tantos jovens e teu rosto apenas perguntava. A quem? O quê?

Numa igreja católica a resposta mais fácil seria: perguntava a Deus. Onde se encontra o terceiro dos dez, aquele Carlos ao qual se acrescentou Augusto? Por paradoxal que seja tão presente quando se recorda a ausência num ritual de ressurreição.

Mas poderia ser a pergunta feita ao povo, aquele que se sentava enquanto tu ficavas em pé sozinha. Tu e o celebrante. E perguntavas sobre a dor no mundo que tantos consideram a dor do próprio cosmo. Esta dor crônica, desesperançada da morte após a vitória em sociedade; da morte em face da conquista da fé ou da razão, pois tudo se encontra no mesmo.

Ana, seria mais fácil falar daqueles mesmos vestidos iguais - as três: Maria Edite, Tu e Dedê. Mas o teu rosto ultrapassava estas simplicidades memorativas. Continha um vasto humano que fica mais fácil quando se olham imagens históricas ou para a foto de uma multidão.

Teu rosto tinha todo o carisma das ameríndias vendo os guerreiros ceifados pelos ventos que empurraram tantas naus ao litoral deste lado. Poderia ser o rosto de uma mãe africana por uma brecha do casco de madeira, vendo os navios negreiros se dispersar com seus filhos a destinos tão diversos.
Quando me dei conta, meus olhos haviam esquecido todo o conteúdo circundante. Teu rosto era o mesmo daquela mãe nordestina com o olhar sobre a necessidade, com a boca fechada, murmurando a oração das cruzes famintas. Ana, eras uma italiana se despedindo dos filhos num navio em Gênova. Aquela janela de trem que se abre para o olhar angustiado de netos e avós, de um lado e outro do piso firme da estação e do móvel da composição.

Por fim o celebrante carregou o cálice com as hóstias até o sacrário e, então, retornastes à posição sentada. Agora um perfil para mim que estava logo atrás e um pouco de lado. Por mais que seja a memória dos presentes, dou por mim que toda a liturgia sobre Gusto foi mais completa ou mais complexa em teu rosto do que na esperança da ressurreição.

Igual em Zé Almino, cerrando os lábios para não chorar, no percurso de uma oração quase que feita para chorar. Como Guel, de tão raros encontros, mas encontros substanciais, quando me parece lamentar a perda de suas referências, logo ele que é uma referência. Como a voz, quase de caçula de Lula, tropeçando como todos nós na palavra Tessalonicense. A sisudez, quase tímida, mas seguramente amiga, de Maurício até em suas fugidias lágrimas.

Conheço todos os nomes. Nomes do meu universo afetivo desde muito: Nena, Marcos, Mariana e Pedro. Não sei se reconheceria Marcos, Mariana e Pedro numa rua movimentada, mas os conheço. Quando tudo era perda, ausência igual a esta de agora.

Perda tal qual, na calçada da frente da Batateira, um grupo entre os seus 14 a 15 anos discutia o futuro. E no calor dos sonhos e perplexidade, Gusto mostrou-se contrariado com os rumos da fábrica: e não restará para mim nem uma lata de óleo.

Gusto multiplicou navios de óleo. De todas as naturezas. Compreendeu a lida mercantil e fez parte de uma geração que substituiu na África Portuguesa as estruturas terminais do colonialismo. O fez até para o desgosto furibundo do incompetente General Leônidas Pires Gonçalves.