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quinta-feira, 16 de outubro de 2008

2 resgates históricos da revista VEJA


Idéias- Eduardo Oinegue
O investment grade político

"Iniciou-se ainda no século XIX a última seqüência de pelomenos três presidentes eleitos pelo voto direto, em que umpassou a faixa ao outro, sem mortes, sem intermediação deum vice-presidente, sem interferência dos militares, enfim, semmodificações nas regras eleitorais de nenhuma natureza"
Sabe qual foi a última vez que os brasileiros tiveram a oportunidade de ver uma seqüência de pelo menos três presidentes eleitos pelo voto direto, um passando a faixa ao outro, sem mortes, sem intermediação de um vice-presidente, sem interferência dos militares, enfim, sem modificações nas regras eleitorais de qualquer natureza? Na primeira série de eleições envolvendo civis, iniciada no século XIX, durante a República Velha, quando três presidentes eleitos em seguida concluíram seu mandato e passaram a faixa ao sucessor. E sabe quantas vezes isso voltaria a se repetir no Brasil? Nenhuma vez. Voltamos a ter a chance de ver algo parecido agora, no século XXI.Primeiro presidente civil eleito no Brasil, Prudente de Moraes (1894-1898) passou a faixa ao sucessor, Campos Salles (1898-1902), que a entregou a Rodrigues Alves (1902-1906) e este a Affonso Penna. Os três primeiros iniciaram e concluíram seu mandato. Affonso Penna morreu de pneumonia em pleno mandato, concluído pelo vice, Nilo Peçanha. Prudente adoeceu e seu vice, Manuel Vitorino, promoveu uma ruptura radical, mudando ministros nomeados pelo presidente, suspendendo obras e até trocando a sede da Presidência de lugar. Restabelecido, o presidente foi vítima de um atentado a faca que matou seu ministro da Guerra e acabou decretando estado de sítio. Isso numa ponta da seqüência. Naquele tempo, a eleição era quase uma formalidade, as fraudes e o voto de cabresto uma regra, e os presidentes recebiam em média uma votação que representava menos de 3% da população. A comparação com os dias de hoje, portanto, pode ser considerada meramente ilustrativa. Ainda assim, o insucesso que tivemos nas tentativas de repetir a mesma seqüência dimensiona o compromisso nacional com o cumprimento e a manutenção das regras.
O saldo do descompromisso brasileiro com as regras é conhecido: da proclamação da República até hoje, um total de 119 anos, o Brasil teve 45 presidentes listados oficialmente. A conta inclui todos os interinos e os integrantes das juntas militares de 1930 e 1969. Dá uma média de permanência no cargo de apenas dois anos e sete meses. Para efeito de comparação, os Estados Unidos não atingiram essa quantidade de presidentes nem tendo a seu favor um século a mais de eleições. De 1789 aos dias atuais, foram 43 os eleitos, de George Washington a George W. Bush.
No governo Fernando Henrique, o Brasil conheceu a estabilidade do ministro da Fazenda. No governo Lula, a estabilidade do presidente do Banco Central. Cabe aos políticos decidir se os presidentes devem ficar quatro anos e ter direito à reeleição ou se melhor é estabelecer um mandato único de cinco anos, sem reeleição. Fernando Henrique e Lula têm uma lista de realizações econômicas e sociais para apresentar em oito anos. JK vai ser lembrado para sempre e ficou apenas cinco. O importante é, enfrentado esse debate, que o seja pela última vez. Já é hora de encerrar a discussão das regras e começar o jogo. Concluída a transmissão de posse do presidente Lula a seu sucessor, terão se passado impressionantes quinze anos de normalidade política. Considerada na conta a normalidade econômica recentemente conquistada, o Brasil terá atingido um patamar de maturidade inédito. Depois do investment grade econômico, o Brasil terá conquistado o investment grade político.

Eduardo Oinegue é jornalista
(Fonte: "Veja", edição 2082, 15 de outubo de 2008)






SER HUMANO ABOMINÁVEL
Alencar e o trabalho escravo (à esq.): contra os filantropos



Livros
O romântico cínico
Os panfletos escravistas de José de Alencar
O título estarrecedor não é o original. Os textos que reaparecem agora como Cartas a Favor da Escravidão (Hedra; 160 páginas; 18 reais) foram publicados entre 1867 e 1868 como Novas Cartas Políticas. Mas seu autor, o romancista e político José de Alencar, dificilmente levantaria objeções ao novo título. Pois o objeto central de seus textos – uma série de panfletos endereçados, na forma de cartas públicas, ao imperador dom Pedro II, que vinha expressando uma débil simpatia pela causa abolicionista – era esse mesmo: defender o trabalho escravo, instituição vergonhosa que só o Brasil, entre todas as nações independentes da América, ainda sustentava. Sobra pouco do autor cearense depois da leitura desses textos. Consagrado sobretudo pelo romantismo indianista de Iracema e O Guarani, José de Alencar era um escritor quando muito medíocre – e, como o leitor de suas invectivas escravistas poderá constatar, um ser humano abominável.
O empenho escravista de Alencar já era fato conhecido. Mas a republicação de sua defesa do regime escravo – em edição organizada pelo jornalista e historiador Tâmis Parron – permite que o leitor tome contato direto com o cinismo de sua argumentação. Nas cartas de Alencar, o escravo aparece como um feliz agente da civilização nos trópicos. Os abolicionistas são ironizados como utopistas de gabinete, cuja filantropia de inspiração européia empalidece na comparação com a caridade praticada no "seio da família brasileira", com sua "senhora de primeira classe" desvelando-se na "cabeceira do escravo enfermo". José de Alencar morreu de tuberculose, aos 48 anos, em 1877. Não teve o desgosto de assistir à abolição, em 1888.
(Fonte: revista "Veja" edição 2082, 15 de outubro de 2008)