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quarta-feira, 9 de março de 2011

A era do desperdício - Emerson Monteiro

A televisão mostrava imagens do seringal Nova Vida, município de Ariquemes, no estado de Rondônia. O que fora mata fechada virara cinza, após a ação de motos-serra e labaredas. Na trilha sonora, os números da tragédia. Haviam sido dizimados mais de quatro bilhões de dólares em madeira de lei abandonada nos desmatamentos. Quem atira com munição dos outros só dá tiro grande, enquanto a verde selva diminui a cada momento.
Isso numa fase brasileira quando tudo merece consideração, à custa dos fracassos administrativos para conter grileiros e predadores.
- Por que tanto esbanjamento? O planeta comum ainda terá de pagar quanto pela incompetência dos deslavados habitantes?
As respostas chegam por que sobram racionalizações e palavras: crise econômica, inflação, desleixo, alertas máximos, recessão, demanda reprimida, desindexação, subsídios, mercado externo, investimentos, privatizações, mercado interno, propriedade privada, macro-estruturas, monopólio, terceira onda, multinacionais, tecnologia de ponta, trustes, ganância, imperialismo. Nisto, a fome explode e o desemprego aflige os contingentes acuados de encontro ao futuro incerto.
Nos vários países, a perdição de descartar embalagens plásticas, metálicas, outros materiais raros e aperfeiçoados, sem qualquer intenção de reaproveitamento, demonstra a inabilidade humana para lidar com a sábia natureza.
A civilização refinou técnicas aplicadas em bases jamais concebidas. Veículos de massa anexaram ciências sofisticadas e não adotam conteúdo compatível, enquanto programas funcionam para embriagar as mentes de emoções irresponsáveis, como drogas eletrônicas. Dia seguinte, o tédio moral da falta de iniciativa das massas, que bloqueiam possíveis janelas com os espelhos da anemia crescente das sucessivas ressacas.
Preço da farra: a miséria dos países pobres para afirmação de imperadores contemporâneos que brincam de esconde-esconde nuclear, ou saem vadios na estratosfera, fotografando as luas de Saturno, galáxias a milhões de anos-luz, com todas as despesas pagas pelas nações, que nem águas têm para beber.
Boa-vontade e rigor, palavras símbolos numa época prever transformações dolorosas, na hora certa de cada coisa, pois dia de muito é véspera de pouco. Dia de tudo é véspera de nada!

Memória da Confederação dos Cariris – Encontro dos Grupos Artístico-Alternativos do Sul Cearense

Carlos Rafael Dias

Já não tenho mais aquela memória primorosa de outrora. Mas algumas lembranças teimam em permanecer neste cérebro que já dá os primeiros sinais de múltiplas escleroses.

Uma delas (lembranças) é a realização da Confederação dos Cariris (Encontro dos Grupos Artísticos- Alternativos do Sul Cearense), ocorrido, se não me falha a memória, em setembro de 1984.

Era uma época interessante. O Cariri fervilhava com o voluntarismo da juventude envolvida em movimentos artísticos diversos, de acordo com ideologias ou gostos estéticos. Em Crato, vários grupos ou movimentos artísticos com seus respectivos “baluartes”, como o Folha de Piqui – (sic) - (eu, Leonel Araripe e Wellington Marques), Flor da Terra (Willian Brito, Leonardo Monteiro e Paulo de Tarso Barreto), Associação dos Amigos do Parque (Wilton Dedê e Gilberto Filho, Teto), Sementes da Poesia (Genes Alencar e Albeniza Gomes), Mutart (Rogério Proença e Wilson Bernardo) e Raízes (Tancredo Lobo, Hermano Roldão e Hermano Jorge). Em Juazeiro, a atuante e aglutinadora AMAR (Associação dos Artistas e Amigos da Arte), liderada por Stênio Diniz, era a principal referência.

Ainda pairava na época o espírito de resistência coletiva que caracterizou a década anterior, com o Grupo de Artes Por Exemplo, organizado por Rosemberg Cariry. Este, por sinal, projetava-se além-região, à frente do jornal Nação Cariri, editado em Fortaleza, e estreava no seleto clube da cinematografia brasileira, dirigindo o documentário A Irmandade do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, lançado naquele ano “de graça” de 1984.

A ditadura militar estava nos seus estertores, e respirava-se mais e melhor.

Na terrinha, pretendia-se sacudir a cena provinciana. Naqueles tempos ainda se acreditava no apoio decisivo do poder público para estimular a produção cultural e, consequentemente, sacudir a inércia reinante. Não existia ainda uma secretaria municipal de cultura e a reivindicação maior era por isso. Ou, como se costumava bradar, pela implementação de uma política cultural.

Por isso, a necessidade de realizar um evento que reunisse artistas e grupos artísticos alternativos ganhou força naquela conjuntura.

A ideia surgiu entre os participantes do movimento que pulsava em torno do jornal Folha de Piqui e ganhou adesão dos demais artistas de Crato e Juazeiro, que na época mantinham uma constante articulação.

O primeiro passo foi confeccionar um cartaz, a cargo do artista plástico Normando Rodrigues, que o fez de forma primorosa, em xilogravura. O segundo, divulgar o evento e ideia nas demais cidades que detinham expressão na produção artística da região, como Assaré, Barbalha, Farias Brito, Várzea Alegre, Icó, Iguatu, Lavras da Mangabeira e Mauriti, dentre outras.

Participei da comitiva que visitou Mauriti, juntamente com Luiz Carlos Salatiel, Tancredo Lobo e Francisco Cunha, quando aquela cidade foi escolhida para sediar o encontro.

A lembrança do encontro em si é bem mais forte de que todas as etapas de sua preparação.

No início da tarde de uma sexta-feira, Salatiel me apanhou no seu carro e fomos, em seguida, apanhar o poeta Geraldo Urano, que levou uma bagagem inusitada: uma cesta de palha com uma ou duas mudas de roupa.

Em Mauriti, ficamos hospedados em uma escola, onde o encontro foi realizado, incluindo parte da programação cultural, visto que o espaço tinha um auditório para as apresentações artísticas.

A primeira apresentação foi uma peça de um grupo de Juazeiro, dirigido por Lucion Caieira, que abordava a loucura clínica. Geraldo Urano, já embriagado, discordou do enfoque da peça e invadiu o palco em pleno ato. Normando Rodrigues o retirou de pronto e delicadamente. A incauta plateia, acho, deve ter achado que a cena fazia parte do espetáculo. Ou não deve ter entendido patavinas do que estava acontecendo.

O dia seguinte, um sábado, foi dedicado, manhã e tarde, para os debates e resoluções. Lembro simplesmente que aprovamos, como palavra de ordem principal, o chavão: política cultural já!

Neste dia aconteceram tantas coisas que minha agora limitada mente não dá conta de tudo. Apenas que o encontro, de natureza artístico-cultural, recebeu também um representante de outra área, do ramo funerário.

Não, ninguém morreu no ensejo. Graças a Deus. É que, chegou a Mauriti o empresário do setor mortuário (caixão, mortalha e afins), conhecido por Dudu Funerária. Foi e levou Socorro Sidrim (ou teria sido o contrário?).

Dudu, mesmo sem contribuir na discussão a que se propunha o encontro, foi uma figura ímpar no contexto. Ele parecia até iluminado.

Ele funcionou como um “anjo da guarda” de Geraldo Urano, que permaneceu todo o encontro em estado de “embriaguez e desordem”. Dudu era só puro carinho e cuidado com Geraldo. Lembro do episódio em que Geraldo mergulhou, sem saber nadar, no tanque da Associação Atlética Banco do Brasil, onde se realizava a confraternização final do encontro, na manhã do dia de encerramento do evento, um domingo.

Quem se atirou de imediato para resgatar Geraldo? Claro, Dudu Funerária, desfazendo aquela imagem sinistra que sua alcunha imprimia.

Naquele momento, ele se transmutou em Dudu “Maternidade”.