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segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A ARTE COMO DISCURSO POLÍTICO

Na semana passada Frei Betto publicou no Globo um texto com o título de "O Presente Infindável". A seguir vem um resumo do artigo. "São muitas nostalgias e poucas utopias. O novo conceito de tempo é o da arte cinematográfica, não mais linear, histórico. No filme predomina a simultaneidade. Suprimem-se a barreira entre tempo e espaço. O tempo adquire caráter espacial e o espaço tempo. O tempo dar saltos, do passado para o presente e deste para o futuro. Não há continuidade ininterrupta. A única âncora é o aqui-e-agora do espectador. Não há durabilidade e nem direção irreversível. A pessoa está morta e nas telas continua um personagem jovem e ativo. Aos poucos o horizonte histórico se apaga e a utopia sai de cena. Não há, como no Ecleisastes, tempo para construir e tempo para destruir; tempo para amar e tempo para odiar; tempo para fazer a guerra e tempo para restabelecer a paz. O tempo é agora, um tempo sobreposto de construção e destruição, amor e ódio, guerra e paz. A felicidade deixa de ser um projeto temporal, reduzindo-se a apenas um mero prazer instantâneo, epidérmico, derivado da dilatação do ego (poder, riqueza, fama etc.). A utopia é privatizada. É apenas o êxito pessoal. A vida não se move por ideais e nem se justifica pela nobreza das causas abraçadas. Basta ter acesso ao consumo que propicia valor e conforto. O Céu na terra – prometem a publicidade, o turismo, o novo equipamento eletrônico, o banco, o cartão de crédito etc. Nem a fé escapa à subtração da temporalidade. O Reino de Deus deixa de ser esperado lá na frente para ser esperado "lá em cima". A fé reduz-se à esperança de salvação individual. Uma mesma pessoa vive diferentes experiências sem se perguntar por princípios éticos, políticos ou ideológicos. Finalmente ele termina o texto com algo positivo sobre esta simultaneidade, que seria a busca da interioridade. Do tempo místico, do tempo absoluto. Tempo síntese/supressão de todos os tempos. Eis que irrompe a eternidade – eterna idade. Onde a vida é terna. Nas artes, a música e a poesia se aproximam desta simultaneidade que volatiliza o tempo, imprimindo-lhe caráter atemporal. Na música, nossos ouvidos captam apenas a articulação de umas poucas notas. No entanto, perdura na emoção a lembrança de todas as notas que já soaram antes. Em si, a melodia é inatingível, assim como o poema, uma sucessão rítmica de sílabas e palavras sutis. O que existe é a ressonância da nota e da palavra em nossa subjetividade. A seqüência se instala em nós. Não é o tempo fatiado em passado, presente e futuro. É o presente infindável. O tempo infinito. Como no amor, em que o cotidiano é apenas a marcação ordinária de uma inspiração extraordinária."

O texto de Frei Betto deve tocar fundo os corações de muitas pessoas que sente profundamente a evolução dos tempos presentes. Por isso mesmo é preciso contemplar que a arte cinematográfica não é a causa disso tudo. Apenas reflete um ordenamento da vida social e econômica que tem por eixo exatamente esta simultaneidade de vida. Em última análise uma conformação intelectual e sensitiva com uma realidade efetivamente imposta, histórica, pois terá fim, fruto de movimentos sociais e políticos. Enfim, toda esta volúpia de poder e riqueza é a regra do ordenamento geral. Afinal o cinema é uma mera narrativa da "ideologia" desta ordem, pode ser um pouco mais, se apresentar como crítica a ela, mas convenhamos que neste quase século e meio de sua existência ele é pouco demais para o tempo da história.

O outro dado a se considerar é o papel da música e da poesia com o qual Frei Betto explicita uma verdadeira experiência mística. Neste sentido a alma do frade se encontra num estágio por demais contemplativo para que ele se dê conta da força de sua argumentação na primeira parte do artigo. Seria como se diante de tanto desalento frente ao quadro geral da humanidade, nele encontrasse uma pepita brilhante com a qual pudesse finalizar de modo positivo o seu pessimismo introdutório. Mas também isso não é possível. Afinal a música e a poesia não se colocam em "categoria" distinta do cinema. Aliás, todos são partes dos mesmos recursos culturais dos tempos atuais. O próprio Nietzsche em suas diatribes contra Wagner, quase que na escala do dissabor pessoal, já alertava isso em relação à música. É que a música e a poesia são "discursos" humanos, históricos, providos de toda carga de tempo, assim como o cinema, portanto de ideologia, com intenções de se tornarem politicamente dominantes. No meu entender, por mais que gostasse de navegar na utopia de Frei Betto, não pude deixar de pegar na maçaneta da porta do tempo em que estes ficam para trás e um novo tempo se abre como uma utopia datada, mas certamente no território da humanidade.

Custos da Monarquia



Rogério da Silva Tjader (*)



Anos atrás, a revista Time publicou um artigo sob o título “A Magia da Monarquia Continua”, no qual constava textualmente:
“Uma das principais críticas à Monarquia consiste em dizer que ela é demasiadamente dispendiosa. Mas os Presidentes de Repúblicas também gastam e não estão aptos a governar com reis e rainhas que para isso foram educados. E os Presidentes nem sempre são tão honestos como eles, desde os europeus até os asiáticos.”
Por ocasião da independência da Noruega, quando o Parlamento votava a forma de governo a ser adotada, a Monarquia foi escolhida por 100 votos contra 4 a favor do regime republicano. Nansen – o Presidente do Parlamento – justificou o resultado dizendo:
“Optamos pela Monarquia por 3 razões básicas: é muito mais barata, concede mais liberdade, além de ter mais autoridade para defender os interesses nacionais”.

(*) Rogério da Silva Tjader é professor de História, titular em várias Faculdades, no Estado do Rio de Janeiro.

Duas cenas na vida do Padre Cícero


CENA 1

A família chegou ao Juazeiro, num carro de boi, depois de longos dias de caminhada pelo sertão poeirento do Nordeste. Pai, mãe, dois filhos e duas filhas conduziam um terceiro jovem, também filho do casal, possuído por maus espíritos, a fim de que o Padre Cícero lhe tirasse “o cão do couro”, expressão utilizada naquele tempo e correspondente hoje à palavra exorcismo. Colocado na sala de visita da casa do sacerdote, o rapaz, todo amarrado, espumava e urrava feito bicho bruto, querendo se ver livre das fortes cordas que o imobilizavam. Nisso, entra o Padre Cícero com um vidro de água benta na mão direita. Espargiu o líquido sobre toda a sala e em seguida ordenou: “tirem as cordas do rapaz”. Apesar das ponderações da mãe do moço, alertando que se ficasse livre das amarras o filho agrediria a todos, o Padre Cícero insistiu: “soltem o rapaz”. E começou a rezar em latim, jogando água benta no moço, que foi se acalmando até ficar totalmente sereno. A calmaria voltou ao ambiente. Padre Cícero recomenda dar uma xícara de líquido ao jovem, na parte da tarde, e leva-lo para descansar. Dias depois, os membros da família voltam à casa do Padre Cícero. Vieram agradecer ao sacerdote por ter livrado o filho dos maus espíritos. E retornaram, em seguida, para as paragens de origem.

CENA 2

A mesa de refeição da casa do Padre Cícero era sempre farta, embora ele próprio se alimentasse frugalmente. Diversas pessoas procuravam diariamente sua casa, nas horas das refeições, numa verdadeira exploração a conhecida hospitalidade do sacerdote. Por outro lado, todos os dias uma pequena multidão se formava, defronte a sua residência, buscando ter acesso ao velho padre. Ele recebia a todos indistintamente. Ricos e pobres. Moradores do Juazeiro ou visitantes vindos de diversos rincões do Nordeste. Nos últimos tempos, é bem verdade, a beata Mocinha fazia uma triagem dos visitantes a serem introduzidos ao sacerdote, pois era impossível o Padre atender a todos. Ele ouvia pacientemente todos os visitantes. Certo dia, uma mulher conduzindo nos braços uma criança furou a fila das pessoas a serem recebidas pelo Padre Cícero e, em alta voz, de forma impertinente, disse que uma parte da casa dela tinha ruído. Disse mais: cachorros e porcos invadiam o que restava da sua morada e ela não tinha condições de continuar mais lá. Pediu ao Padre Cícero uma ajuda. O velho sacerdote havia recebido, pouco antes, um donativo em dinheiro, e tinha colocado no bolso da batina a importância sem conferir. Pelo volume era uma boa quantia. Naquela mesma hora, Padre Cícero pegou aquele dinheiro e repassou toda importância para a mulher. Esta saiu demonstrando muito contentamento, pois, provavelmente, em toda sua vida, nunca tinha colocado tantos réis nas mãos...

Nota: as cenas acima foram relatadas por Maria Assunção Gonçalves, que conviveu com o Padre Cícero, ao autor destas linhas, e gravadas em julho de 2004.


Armando Lopes Rafael