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segunda-feira, 9 de junho de 2008

Esqueceram a miscigenação - por Armando Lopes Rafael

Certa mídia e setores acadêmicos voltam a bater no velho chavão: os portugueses foram responsáveis pelo genocídio dos índios! Afirmam, à exaustão, que à época do descobrimento existiam entre 5 a 7 milhões de silvícolas no Brasil.
Não há base científica para se avaliar quantos índios habitavam aqui em 1500. Mas como hoje só temos cerca de 430 mil índios abusam do argumento de que houve chacinas contra as populações indígenas. O assunto merece uma reflexão serena!
Houve, é verdade, sangrentas batalhas entre europeus e índios. Como havia cruéis batalhas entre as próprias tribos que se dizimavam entre si. Mas temos de reconhecer que um grande número de indígenas foi aculturado, assimilando o modus vivendi do português.
Por que não falam também da grande miscigenação ocorrida entre os colonizadores lusos e as raças indígenas que aqui viviam? Dificilmente se encontra hoje um brasileiro com características só européias. Todos nós carregamos nas veias um percentual de sangue indígena e africano. Muitos portugueses, alguns até fidalgos, se consorciaram com índias de tribos amigas. O casamento, na Igreja Católica, de Diogo Álvares ( o "Caramuru") e a índia Paraguassu é o exemplo clássico do português e da índia que deram origem a inúmeras e importantes famílias brasileiras. Do casal citado, por exemplo, descendem, aqui no Cariri, os Bezerra de Menezes, os Pinheiro e os Esmeraldo, dentre outras famílias...


Lembram do lendário Jerônimo de Albuquerque, cunhado de Duarte Coelho Pereira, primeiro donatário de Pernambuco? Jeronimo foi casado com uma filha do cacique Uirá-Ubi ( arco verde, no idioma nativo) pai de 34 filhos (entre legítimos e ilegítimos). Dele descende em linha direta o primeiro cardeal da América Latina, Dom Joaquim Arcoverde Albuquerque Cavalcanti. E o que dizer das uniões naturais, entre lusos e índias, habitualmente muito fecundas, que deram origem a importantes clãs familiares brasileiros? Ficaria longo e enfadonho falar dessa miscigenação que resultou numa raça mestiça forte, fruto de uma e outra etnias, cujo resultado foram os bandeirantes paulistas, conhecidos como Raça de Gigantes, responsáveis pela conquista do imenso interior brasileiro...

Fatos da história do Brasil


Há 124 anos o Ceará libertava os escravos

por Armando Lopes Rafael

A província do Ceará foi a primeira do Brasil a abolir a escravidão da raça negra. Este episódio histórico, que ainda hoje nos enche de orgulho, levou José do Patrocínio, durante uma conferência, em favor da abolição, a denominar o Ceará de "Terra da Luz, Berço da Liberdade”. Como Terra da Luz ficou sendo conhecido o
Ceará.
Antes de falar dessa epopéia cearense faço um rápido retrospecto sobre o instituto da escravatura. Uma das primeiras preocupações do historiador deve ser a análise do fato histórico a partir da mentalidade da população, ao tempo que esse feito ocorreu. É fácil lançar libelos contra figuras e casos da nossa história quando se julga acontecimentos de cem ou duzentos anos atrás, pela ótica do hoje.

Uma análise serena requer um recuo ao modus vivendi da época. A servidão da raça negra é um desses exemplos. A escravidão ocorreu em quase todo o mundo. Teve início no século XVI, por necessidade da mão-de-obra para as lavouras das terras que eram descobertas. O regime de sujeição da simpática raça negra não foi criação da sociedade brasileira. A história nos mostra: no nosso país quem mais combateu a mancha da escravidão negra foi a Família Imperial Brasileira.

A família de Dom Pedro II não possuía escravos para dar o bom exemplo à sociedade. Cabe a pergunta: por que Dom Pedro II não acabou de vez com a escravidão? Não estava ao seu alcance emancipar os escravos! Diferente de hoje, à época do 2ºº Reinado a maioria do Parlamento era contrária às iniciativas do Imperador e favorável à manutenção da escravidão. Fortes razões econômicas motivavam deputados e senadores do Império a manterem o status quo. O Poder Legislativo Imperial era tão respeitado, que, em 1910, Rui Barbosa escreveria: “Na Monarquia o Parlamento era um escola de estadistas. Na República converteu-se numa praça de negócios".
No 2o Reinado vivia num Estado de Direito Democrático. A imprensa era livre.
O Partido Conservador e o Partido Liberal se revezavam no poder. Circulava até um jornal republicano defendendo a queda da Monarquia. A Constituição, que nunca fora desrespeitada (como viria a acontecer na República) não concedia ao Imperador, por exemplo, dispor de um instrumento tipo a Medida Provisória, usada hoje abusivamente pelo poderoso Presidente da República, Luiz Inácio da Silva.
Entretanto de Dom Pedro II e da Princesa Isabel partiram todas as iniciativas que visavam extinguir, de forma gradual, a escravidão no Brasil. Utilizaram para isso o respeito, prestígio e confiança de que eram portadores junto à sociedade brasileira, influenciando parlamentares e ministros nesse objetivo. Tudo feito constitucionalmente, através de leis conhecidas como: "Euzébio de Queiroz" (1850), "Nabuco de Araújo" (1854) "Lei do Ventre Livre" (1871), "Lei dos Sexagenários" (1885), culminando com a "Lei Áurea", assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888.
Parcela da sociedade brasileira de então também entendia que a escravidão se constituía numa gritante injustiça. No Ceará, consoante tradição corrente, os escravos não sofriam a opressão e a impiedade, como gemiam seus irmãos de raça nos cativeiros de outras províncias. Talvez por não existir aqui uma elite econômica (como ocorria em Pernambuco, Bahia, Minas, Rio de Janeiro, São Paulo). O escravo no Ceará, com raras exceções, era quase gente da família. Esses negros compartilhavam, mesmo sendo escravos, os acontecimentos alegres e tristes das famílias dos seus senhores. Mesmo assim no último quartel do século XIX já se registravam no Ceará campanhas contra a escravidão. Não tiveram, os cearenses, igual paciência e prudência do Imperador e da Princesa Isabel no trato desse assunto.
Sociedades antiescravistas foram surgindo com a adesão de pessoas de todas as categorias sociais da província. Uma delas, a Sociedade Perseverança e Porvir tinha entre seus membros Antônio Soares Teixeira Júnior, Francisco Araújo, Antônio Martins, Manoel Albano Filho, José Amaral, José Teodorico da Costa, Antônio Cruz Saldanha, Alfredo Salgado, Joaquim José de Oliveira e José Barros da Silva. Em 1880 foi fundada a Sociedade Libertadora Cearense com 225 sócios. Nessa sociedade militavam João Cordeiro, Frederico Borges, Antônio Bezerra, Almino Tavares Afonso, Isaac Amaral e José Marrocos.
Em janeiro de 1881 o jangadeiro Francisco José do Nascimento afirmou que no porto do Ceará não embarcariam mais escravos. Por esse gesto passou à história como o "Dragão do Mar". Essa determinação foi cumprida. Em agosto daquele ano os jangadeiros impediram o embarque, no vapor Espírito Santo, de duas escravas, apesar da presença do Chefe de Polícia, Dr. Torquato Viana, que tentava coagir os humildes homens do mar a obedecer à lei. O fato é que no tumulto "polícia versus jangadeiros", o abolicionista José Carlos Silva Jataí desapareceu com as duas negras, livrando-as do embarque.

Em 1882 surgiu a mais influente sociedade, o Centro Abolicionista 25 de dezembro, que entre seus membros contava com o conhecido historiador cearense Barão de Studart. A partir daí a campanha abolicionista foi num crescendo. No dia 1º de janeiro de 1883, Acarape foi o primeiro município cearense a libertar seus escravos. Por isso o município mudou de nome e passou a chamar-se Redenção. Finalmente no dia 25 de março de 1884 foi abolida a escravidão em toda a província do Ceará. O número de negros libertos, naquela data, totalizou 35.508.

Isso quatro anos e dois meses antes da Lei Áurea, aprovada a duras penas pelo Parlamento do Império, depois de intensas negociações da Princesa Regente Isabel. Ela tomou essa decisão final em nome de Dom Pedro II e no seu próprio, como legítima representante do povo brasileiro. A Princesa Isabel afirmou dias depois que, mesmo pressentindo que a libertação da raça negra poderia representar a queda da Monarquia, não hesitara em assinar a lei.

O tempo provou que ela tinha razão...