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terça-feira, 23 de junho de 2009

Tipos populares do Crato (3)

O Brigadeiro

Com a simples menção deste nome - O Brigadeiro -, nós, crianças do bairro Buenos Aires, tremíamos de medo. Isso por conta das histórias (ou seriam estórias?) que se propalavam ao seu respeito. Eram histórias que o pintavam como um homem duro, implacável, violento e, por conseguinte, bastante temido.

O Brigadeiro José Macedo ou simplesmente O Brigadeiro, como era comumente conhecido no Crato, já era um militar reformado quando eu era criança. Talvez, tenha sido o único cratense a atingir a mais alta patente da Aeronáutica Brasileira Enveredou-se na política, candidatando-se, em 1972, a vice-prefeito, na chapa encabeçada por Walter Peixoto, que depois seria prefeito do Crato por duas vezes. Era também proprietário de terra e de um engenho de cachaça. Sua casa ficava a poucos metros da minha, na Rua da Cruz, cercada por muros altos e portões sempre fechados.

Por trás da sua casa, havia (e ainda há) um belo e extenso palmeiral, conhecido ainda hoje como o Palmeiral do Brigadeiro; formado por centenas de babaçus nativos e constituindo-se numa preciosa reserva ecológica. Se esse palmeiral ainda existe, o mérito é do Brigadeiro, que além de preservá-lo, legou esta missão aos herdeiros.

Durante o período da minha infância, quando era vizinho do Brigadeiro, não me lembro de tê-lo conhecido pessoalmente. Só vim conhecê-lo no fim da adolescência, quando o Brigadeiro já estava no ocaso da vida e era um assíduo frequentador da Praça Siqueira Campos.

Uma única vez, eu conversei com ele. Foi na Loja Bolart, de propriedade de Jackson “Bola” Bantim, no início da década de 1980. A Bolart era uma loja especializada em artigos culturais (discos, livros, pôsteres, cordel, jornais, revistas, camisetas temáticas) e plantas e peixes ornamentais. A loja, situada na Rua Mons. Feitosa, próximo à Praça Siqueira Campos, era ponto de encontro de artistas, que naquele tempo, estavam órfãos de espaços aglutinadores dos amantes da arte e da cultura.

Um dia estava tomando conta da loja, a pedido de Jackson Bantim, que teve que dar uma saidinha, e eis que chega o Brigadeiro. A despeito de sua idade avançada, era um homem forte, esbelto, ereto e elegante. Depois de olhar as mercadorias expostas nas prateleiras, deteve-se em frente a um pôster de Che Guevara, com aquela clássica foto de Alberto Korda e a famosa frase “hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás”. Chamou-me e me disse: burro, este rapaz! Deixou um futuro promissor como médico para ser guerrilheiro em Cuba.

Na época, este comentário seria uma afronta à minha pessoa e às minhas crenças políticas, calcadas que eram na ideologia de esquerda. No entanto, apenas achei graça daquela observação.

Do lendário Brigadeiro José Macedo, não se poderia ouvir outra coisa.

O Irã não pode ser examinado com imbecilidades

Não por acaso lembrei-me do substantivo “maniqueísmo”. Um dualismo religioso, citando a luta cósmica entre o bem e o mal. Nasceu na Pérsia e se espalhou pelo Império Romano entre os séculos III e IV DC. O Irã atual é descendente do fabuloso império Persa, bem que igual se diz que a Itália descende de Roma, mas guardada a diferença história estamos falando do possível. E o maniqueísmo é como a imprensa ou a mídia Ocidental trata os valores dos quais, em parte, é responsável e que depois se espalhou pelo mundo.

Esta mídia que aparenta um zelo pelos fatos, mas escorrega no próprio umbigo quando tenta olhar seus valores transpostos para outros povos. Mas não apenas escorrega, levanta um olhar maniqueísta em que o bem é sempre o ocidente e o mal os outros. De fato a ética ocidental nunca superou o problema da alteridade e procura transpor “cirurgicamente” suas instituições para terceiros.

Neste dias as lágrimas de crocodilo se derramaram a sorrelfa pelos monitores de televisão. O filho do antigo Xá do Irã expôs copiosas lágrimas nas páginas chorosas do Ocidente. Ontem mesmo no Jornal Nacional, tão neutro que transmite as notícias de Israel como se sabe inimigo do Irã, entrevistava um Israelita de origem Iraniana e este chorava lágrimas “amargas” pelo povo do Irã. Parece ironia, mas não é, pois os Palestinos são vítimas de Israel e lágrimas pelo vizinho não existem.

A Inglaterra que não tem nenhum perdão da história pelo massacre de culturas pelo mundo todo, que mandou soldados destruir o Iraque recentemente, é o núcleo de tenebrosas visões. Deseja o domínio do Islã, melhor dizendo dos lagos subterrâneo daquele líquido preto e viscoso que se formam em imensa região. Ninguém efetivamente pensa no povo do Irã, apenas nas vantagens do seu território, por isso mesmo o corpo ensangüentado da jovem baleada é o símbolo do sacrifício tão útil para justificar ações que mutilam.

Será que alguém em sã consciência imagina que o discurso inusitado do Presidente Francês no Parlamento, condenando a burca e levantando a liberdade das mulheres não tem nada com esta jovem iraniana? É a mesma coisa, a velha propaganda maniqueísta ocidental, que se constitui numa peça única em todas as agências de notícias do mundo e por isso mesmo uma peça urdida e aplicada em benefício da surrada democracia européia.

Mesmo quem nasceu após a segunda guerra mundial desconfia que os Europeus pouco tenham a ensinar de globalização ou sistema mundial de paz e democracia. Destruíram suas florestas, arrasaram seus ecossistemas, esgotaram seus recursos, se expandiram agressivamente por todos os continentes e realizaram as guerras mais terríveis que resultaram em carnificinas sem igual em qualquer continente. Os norte-americanos apenas acrescentaram a eficácia da tecnologia e a eficiência de suas instituições a este mesmo modelo.

Sem dúvida que o Irã passa por grandes transformações. Que ela nasceu seguramente da revolução que derrubou o Xá. Ou nos tornamos todos imbecis ao não observar que os bons níveis de educação alcançados naquele país foi justamente uma política deliberada de anos e anos da revolução? Apenas a título de exemplificação, hoje mesmo a Miriam Leitão no Bom Dia Brasil, falava na conquista da mulher iraniana. Claro que o resultado de apenas 4% de mulheres analfabetas naquele país, em que 55% das vagas universitárias sejam ocupadas por elas faz parte de uma política de anos de incentivo à educação feminina. Ou estamos obnubilados e imaginamos que a morte daquela jovem significa que o regime persegue as mulheres. Entendemos o maniqueísmo?

É importante que se entenda o seguinte: o Irã há anos tem um projeto de nação. Já foi agredido pelo Iraque por financiamento do EUA, é ameaçado pela potência nuclear de Israel e desde alguns anos para cá é ameaçado pela Europa e os EUA por desenvolver energia nuclear. E sabem o motivo? É que tudo no Irã tem projeto de longo prazo, para cinqüenta anos adiante. Conheci quadros dos organismos internacionais que se admiravam da visão estratégica de todas as instituições iranianas.

Mais ainda, o Irã tem milionários (Rafsajani, aquele que já mandou por lá é um burguesão clássico e se opõe ao atual presidente), tem um capitalismo em ebulição e tem pobres e trabalhadores explorados. Nada diferente do resto do mundo “globalizado”. Mas o Irã tem plano estratégico e tem muitos viés que unem seu projeto, inclusive atraindo esta classe média que aparentemente se rebela. Um outro fato inegável é que o Ocidente em crise pouco oferece a quem tem problema. O Irã já se junta ao esquema de aliança da Ásia, se aproximará dos BRICs e portanto da América Latina e da África.