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domingo, 3 de janeiro de 2010

Fim da guerra santa

" É impossível negar a responsabilidade de Cícero na sedição de Juazeiro, por mais que ele próprio sempre tenha afirmado o contrário. Nem Floro Bartolomeu , nem os figurões da região, agrupariam tamanho exército de sertanejos sem a bênção de Cícero .

Padre Cícero está a um passo da reabilitação. Até o último de seus dias, Cícero desejou morrer reconciliado com a Igreja que o renegou. O jornalista e escritor Lira Neto, autor de "Padre Cícero - Poder, Fé e Guerra no Sertão", fala nesta entrevista do seu livro, um dos lançamentos mais importantes de 2009, e da real possibilidade da reabilitação de Padre Cícero Romão Batista.


A partir do subtítulo - "Poder, Fé e Guerra no Sertão" -, você parece deixar claro que não poupa padre Cícero das muitas críticas negativas atiradas contra ele pelos detratores .

É evidente que não. Não escrevi o livro para poupar Cícero do que quer que seja. Fiz uma pesquisa rigorosa, procurando contextualizar o biografado em suas circunstâncias históricas. Não coloquei panos mornos, não tergiversei, não furtei ao leitor o direito de conhecer as nuances e as contradições de um personagem tão polêmico como Cícero. Procurei traçar um retrato de corpo inteiro, o mais fiel possível, deste homem profundamente enigmático e controverso. Há passagens da obra que, por certo, oferecem munição pesada para os eternos detratores do padre. Mas também há outras que explicitam o fato de que Cícero foi alvo, à época, de um inquérito eclesiástico que hoje nos parece etnocêntrico e tendencioso. A história, como sempre, é bem mais complicada do que, à primeira vista, aparenta. Mas de que "barbaridades", exatamente, você fala?

Por exemplo, na relação de Cícero com Floro Bartolomeu durante a sedição de Juazeiro, praticamente o padre foi poupado no seu livro.

Não concordo, em absoluto, com tal ponto de vista. Ao contrário. É impossível negar a responsabilidade de Cícero na chamada sedição de Juazeiro, por mais que ele próprio sempre tenha afirmado o contrário. Basta dizer que seria impraticável, para Floro e para os demais chefetes daquele movimento armado, arregimentar tamanho "exército" de sertanejos sem a bênção explícita de Padre Cícero Romão Batista. Os documentos citados no livro, com todas as letras, mostram que o padre se comunicava ativamente com a vanguarda da sedição. Se Floro era o líder material da revolta, Cícero era o mentor espiritual dela. Contudo, os documentos também comprovam que a ação de Floro e de Cícero estava "legitimada" por uma articulação de bastidores com o governo federal, que queria depor um adversário político, o então governante do Ceará, Franco Rabelo. Mais uma vez, qualquer tentativa de interpretação maniqueísta do episódio tende a cair por terra. É um exercício inútil buscar vilões e mocinhos nesta biografia de Cícero.

Você quer dizer que Cícero, junto a Floro Bartolomeu, envolveu o então presidente Hermes da Fonseca e o poderoso senador Pinheiro Machado para derrubar Franco Rabelo e restabelecer a oligarquia acyolina?

A questão estaria mais bem colocada na ordem contrária. O sinal dessa questão está invertido. A deposição de Rabelo foi tramada no Rio de Janeiro, no Morro da Graça, na casa de Pinheiro Machado, então a eminência parda da República, o homem mais poderoso do Brasil à época. Reduzir a sedição a um episódio provinciano é um erro atroz. O Palácio do Catete, então sede do governo federal, aproveitou-se das instabilidades políticas do cenário regional e utilizou-se da influência de Padre Cícero para derrubar o opositor que ocupava a cadeira de governante do Ceará. Uma mão lavou a outra. Floro viajou ao Rio para acertar pessoalmente com Pinheiro Machado os detalhes do movimento, enquanto os dois bebericavam licores em taças de cristal. Num lance rocambolesco, a correspondência entre os conspiradores de Juazeiro e os de Fortaleza foi interceptada pela polícia e trocada por envelopes com papéis em branco. A trama estava descoberta. Floro Bartolomeu não viu outra saída senão antecipar-se à repressão que viria, deflagrando a revolta por conta própria e antes da hora.

Quando formou o exército de jagunços para derrubar Franco Rabelo, Cícero já não deveria saber que seria impossível controlar tamanha tropa de bandoleiros e cangaceiros?

O "exército" arregimentado por Floro era composto por sertanejos das mais variadas procedências. Havia agricultores e beatos entre eles, mas também notórios jagunços e cangaceiros. Gente que não pensou duas vezes antes de pegar no rifle e no bacamarte para defender Juazeiro, que parecia condenada a se tornar uma nova e trágica Canudos, pois tropas estaduais foram enviadas ao sertão com o objetivo de destruir a cidade. São célebres os mandamentos de Cícero aos combatentes: não atirar por trás, não matar quem estivesse fugindo, não saquear as cidades, não violar as mulheres. Mas, numa guerra, no fogo cerrado, a primeira vítima logicamente é a racionalidade. Os conselhos do padre foram ignorados. Valeu a máxima de que não se faz uma revolução sem os incendiários; mas também é impossível governar com eles. De fato, após a vitória dos homens de Floro, o governo federal decretou a intervenção e não permitiu que Juazeiro nomeasse nenhum membro efetivo do governo na nova ordem estabelecida.

Mas por que, afinal, Cícero colocou tanto poder nas mãos de um homem irascível e difícil como Floro?

Já houve quem classificasse Floro como uma espécie de alter-ego de Cícero. Não faltou até quem quisesse adivinhar uma relação platônica inconfessada entre aqueles homens aparentemente tão desiguais. Prefiro dizer que, naquele momento, um tornou-se útil ao outro. Em pouco tempo, eram indispensáveis entre si. O livro mostra as raízes da relação. Exponho de forma minuciosa as motivações de ambos. Floro, médico, rábula e garimpeiro, era um aventureiro em busca de fortuna e de poder. Por seu turno, Cícero, já proscrito pela Igreja, reconheceu na astúcia de Floro Bartolomeu a oportunidade de se reinventar no território escorregadio da política cearense.

JOSÉ ANDERSON SANDES
Editor do Caderno 3 do jornal Diário do Nordeste

2 comentários:

Zé NIlton disse...

domyMeu caro Rafael.
Até achei e acho estranho ninguém nos blogues terem falado do livro do Lira Neto.
O J. Alcides, nada. O grupo que o alimenta com futricas, nada. O que ouve ?
Olha só, parece que no livro do "news copius" de celebridades não há nada de novo. O Lira Neto percorre o mesmo caminho, na sua narrativa, da via crucis do iluminado Pe. Cícero, desde daqui pra li, como fizeram outros interessados no assunto. Só tem um porém. No decorrer de sua narrativa, ele vai colocando questões, como ele mesmo diz,de cunho jornalístico, que tanto agradam os detratores quanto os apologistas de nosso padim.
Bom demais ler o livro do Lira. Agrada pela narrativa. Mas, tem uma coisa curiosa. Depois de sua leitura, dá vontade de reler o cruel Pe. Gomes, o não menos mons. Feitosa, e o aprendiz de marxista Otacílio Anselmo. Quer dizer, volta tudo a estaca zero no que concerne a historicidade do que teria acontecido no nosso querido Joaseiro.
Leia o livrão, e vamos discutí-lo lá no Rancho A Morada da Vida, no meio da Chapada do Arararipe, nas rendondezas do Pe. Cícero.

Valdecy Alves disse...

Veja documentário que fiz sobre Padre Cícero, após dois anos de filmagens. Intitulado: PADIM CIÇO, SANTOU OU CORONEL? Se gostar, comente, avalie e divulgue. Pode acessar através do meu blog:

www.valdecyalves.blogspot.com