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sexta-feira, 12 de março de 2010

Eu fui ao Crato - por José do Vale Pinheiro Feitosa

O Cariri continua lindo. Com seu verde hidratado, seus babaçus arrojados, quintais floridos e toda a curvatura que se posta respeitosa ao talude magno da Chapada do Araripe. Este vale é mais ainda, pois se abre sobre a planície das léguas tiranas dos sertões. Não é como aqueles vales acanhados, apertados entre saliências que estão ali para dizer-lhe: és vale pelo meu poder permissionário. O Cariri é vale a desafiar o semi-deus da caatinga circundante.

Logo no primeiro dia andei pelo centro da cidade do Crato. Fervilhante centro. Tão comercial como se reduziu tudo aquilo que antes fora sociedade e política. As famílias migraram, as praças perderam a ambiência do debate, confesso que senti certa vergonha de, na madrugada de uma sexta-feira, encontrar a Praça da Sé coalhada de copos descartáveis e sobre suas calçadas as varetas de ferro das barracas da “camelotagem”. Tudo só comércio.

Um comércio sem peias. Apenas propaganda e uma vontade imensa de vender. Uma espécie de “crack” fumado todas as manhãs ao se abrirem as caixas registradoras. Um vício a matar a cidade. A cidade se reconhece pelas suas ruas e suas ruas apenas existem pelas suas edificações. E as edificações? Estão escondidas, aprisionadas, humilhadas pelas placas um tanto imbecis da mercancia. A maior demonstração de que tudo anda sem medidas se vê por uma placa imensa “deletando” a visão do prédio do Coronel Antonio Luiz. A cidade foi adonada por uma volúpia que apenas pode ser controlada por fora, talvez pelo poder público se ele se manifestar. Pois não se manifesta. Como aquele biombo que esconde um dos prédios mais representativos da alma da cidade e que faz uma propaganda de uma coisa esdrúxula: DENTISTA POPULAR.

Dentista popular. Lembrou-me um incidente do grande Advogado Sobral Pinto com um coronel nos idos da ditadura militar. O Coronel: Dr. Sobral nós estamos inventando a democracia à brasileira. Ao que o mestre rebateu: não exista tal, o que existe é peru à brasileira. Não existe dentista popular, pois se é dentista apenas existe para atender ao povo. O comércio do centro do Crato parece que inventa a fachada colorida sem história e sem vida, apenas loucura de droga.

Neste mesmo centro não se precisa ir ao Chile e nem ao Haiti. O terremoto aconteceu ali mesmo. No que antes era a quadra central da vida social, política e histórica da cidade. Alguma decisão sem humanidade derrubou todo um quarteirão, deixando os escombros como prova cabal de que a propriedade privada sobrepõe-se a tudo, inclusive ao interesse histórico, social e, portanto, histórico. Mata-se a alma do Crato como os fumadores de “crack” fazem com a própria, em caráter particular.

À noite um grupo de pessoas da cidade me deu o sentido de que tudo existe, tudo ainda acontece. Na casa de Roberto Jamacaru, tive inveja de quem lá não esteve. O Crato ainda existe. O Cariri é lindo. Esta beleza é mais que a fugacidade “daqueles fumos inebriantes”.

Um comentário:

Carlos Rafael Dias disse...

Zé do Vale,

Seu olhar sobre o Crato ficou atualizado pela distância estratégica de um filho prodígio que retorna à casa paterna depois de uma ausência sentida. Tudo muito pertinente. Um carão dado com sutileza, sem perder a ternura de quem ama o seu torrão.