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quarta-feira, 7 de abril de 2010

Uma nesga de céu azul - por José do Vale Pinheiro Feitosa

Chover vários dias isso conhecemos. Andaremos com os pés molhados, os braços respingados. Isso não tem importância: chover vários dias em seguida.

Chover como torneira aberta afoga a vigília do presente e apreende a esperança do próximo minuto. Como choveu no Rio de Janeiro! Tanto que agora estou com a alma a comemorar uns pequenos rasgos de azul no céu. Nem meia hora se passara quando tudo estava fechado com as águas escorrendo, se infiltrando, inundando.

Informam que apenas em quatro horas caiu mais de 100 milímetros na região metropolitana do Rio. Em alguns bairros isso ultrapassou os 150 milímetros. E até compreendo a praticidade dos meteorologistas medindo as chuvas em milímetros, mas nada mais irreal nestes metros que nos afogam.

Eu deveria me encontrar de férias em algum lugar e nem li a revista O Cruzeiro, pois não me lembro de ter ouvido falar nas enxurradas de 1966. Mas todas as demais, a de 1988 e 1996, eu estava com água na cintura. Se me perguntarem o momento mais impressionante que vivi, foi em 88.

Era um domingo molhado. Pingara a noite toda. Sentamos na cozinha para tomar café por volta das 08h30min. A janela da área de serviço que se abre também para a cozinha mostra a Pedra da Gávea e dos Dois Irmãos. Qual foi o nosso susto simultaneamente no primeiro gole de café. O céu estava literalmente enegrecido. Mas não era apenas a cor, era uma massa sufocante que lentamente se deslocava em nossa direção. O inevitável tomaria nossas vidas.

E a chuva caiu com torneiras abertas. Não eram pingos, eram milhares de jatos disputando cada milímetro do terreno. A rua da janela da frente se tornou uma cachoeira. Nosso prédio sustenta-se sobre pilotis. Descemos até ele para verificar se algo de anormal ocorria. A Clínica Santa Genoveva já fora soterrada matando dezenas de idosos.

Hoje duas imagens vindas do noticiário se fixaram. Eram duas mulheres jovens. Uma negra, com um casaco branco com desenhos pretos, toda molhada, ainda rindo e dizendo que tentara chegar até ao trabalho, não dera e, agora, patinava nas poças no rumo de casa. A outra sob um guarda-chuva, os pingos em volta, era de classe média, na beira da Lagoa inundada, inteiramente desorientada. Olhou para o repórter e perguntou se na direção que viera daria passagem. Não tinha como chegar ao trabalho e não sabia o que fazer.

A palavra subentendida em certos discursos da mídia, especialmente a Míriam Leitão no Bom Dia Brasil de hoje: é o aquecimento global. Não é. É o de sempre: populações migrantes para as grandes cidades, com o espírito selvagem do capitalismo a dar um jeito, qualquer jeito em suas vidas. Nas encostas volúveis, seja por necessidade ou pela vista e prestígio com as mansões dos ricos.

O Aquecimento Global pode ser uma verdade, mas nas circunstâncias não passa de empreiteiro de obras. E como gostam de uma obra superfaturada!

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