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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

CARIRIANAS


DA IBIAPABA

Por Zé Nilton*

Sabe chilito, aquela coisinha feito binga de cabrito, amarelinha, que faz a festa da criançada pobre do Nordeste? Pouco se encontra à venda em Viçosa do Ceará. Estamos na terra da peta, uma iguaria feita de polvilho, um filhós pequeno, crocante, muito gostoso e que só faz bem. Nas ruazinhas das partes altas da velha cidade, uma casa e outra não, do lado direito da rua, e em todas as casas da esquerda, o fabrico doméstico de peta não chega pra quem quer. Viçosa do Ceará é pródiga em peta, pródiga em cachaça e igualmente pródiga em história.

Olha só: a maior concentração de índios da capitania de Pernambuco resultou no maior aldeamento indígena do Nordeste, aqui na Serra da Ibiapaba. Todos os olhares da catequese por via lusitana acorreu para a Serra Grande a partir da segunda metade do século XVII . Em 1700 se instala seu primeiro Aldeamento e Missão dos Índios Tabajara, em Viçosa da Ibiapaba.

Destas terras altas se narram episódios e figuras marcantes da trajetória da colonização portuguesa no Ceará e no Nordeste. Desde a saga do primeiro emissário jesuíta enviado de Pernambuco para aplacar a ira da indiada na Ibiapaba, logo após a beligerante passagem de Pero Coelho, e que resolvendo seguir até o Maranhão, o padre Francisco Pinto, terminou por ser trucidado pelos índios da nação Trarairiús, salvando-se seu coadjutor, o padre Luiz Filgueira.

Padre Pinto tornou-se o santo de todas as tribos do médio e baixo Jaguaribe e zona norte do Siará Grande. Tem também a passagem do intelectual, exímio orador e temido pelas cortes da época, o padre Antonio Vieira. Sem falar do imponente índio tabajara, na defesa documental de Tristão de Alencar Araripe(1), o assim batizado Antonio Felipe Camarão, aliás, Dom Antonio Felpe Camarão, título inédito dispensado a um índio,outorgado pelo Rei Felipe IV, por sua luta contra os holandeses desde o Ceará até Pernambuco.

A Ibiapaba é lembrada igualmente como paisagem e lugar de contendas portuguesas, indígenas e francesas na famosa obra do capuchinho Claude D´Abbeville, escrita em França no ano de 1614, logo após sua brava permanência de quatro meses em terras maranhenses.

Viera junto a uma companhia francesa a mando do rei Luiz XIII cujo fito era instalar a França Equinocial após a malograda tentativa da França Antártica, no Rio de Janeiro. E como missão católica, tirar os povos indígenas dos confins do inferno e trazê-los à purificação cristã.

Sua descrição sobre a passagem pela enseada de Camucim, olhando a Serra Grande, bem distante, é de uma sutileza própria da escrita dos viajantes europeus.

Sem dúvida uma leitura pra lá de prazerosa sobre uma faceta político-religiosa-militar empreendida por uma França ávida em implantar colônias no novo mundo.

Eurocentrismo, etnocentrismo, visão de mundo e forte inclinação apologética à parte, Claude d´Abbeville narra em detalhes a bravura da empresa francesa e todas as conquistas e todas as ações positivas e negativas em favor da salvação das almas selváticas e do domínio francês no Maranhão e terras circunvizinhas. Narra a história, a geografia, a cosmologia, a cosmogonia e a antropologia da grande nação Tupinambá, habitante do litoral brasileiro e sua concentração na Ilha do Maranhão.

Dei-me a mim um presente nos meus completos e bem vividos sessenta anos, a ansiada leitura da “ História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas”, do padre d´Abbeville, reprodução fac-similar da edição publicada pela Livraria Martins Editora, em 1945; tradução de Sérgio Milliet.

Dela e de outras obras como a de Jean de Lery, de Frei Martinho de Nantes, de Ives d`Evreux, de Vicencio Mamiani, de André de Thevet e de tantos viajantes e missionários que descreveram seus encontros com o outro, os índios do Brasil, sejam do litoral sejam dos sertões, tenho a lamentar a falta desses escritos sobre os nossos Cariri da parte do Ceará.

É imergir num quebra cabeça a tarefa de historicizar de seu ponto de vista a saga guerreira e duas vezes vencidas a passagem desses povos pelos solos que pisamos.

Só para dizer, nunca me convenceu a infame característica Cariri difundida pelo seu mais ferrenho oponente o Tupi, e alimentada e reproduzida por quase todos os escritores indigenistas como “calados, desconfiados e macambúzios”. Um povo que sustentou uma luta inglória por tanto tempo, como ser isto? Bom, mas aí é outra história.

Escrevo estas linhas da capital da Ibiapaba, Tianguá, terra de caboclos trabalhadores, a perfeita mistura dos Tabajara com europeus.

(*)Antropólogo. Professor do Departamento de Ciências Sociais da URCA. jn-figueiredo@hotmail.com
(1)História da Província do Ceará, dos tempos primitivos até 1850. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.

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