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domingo, 5 de setembro de 2010

Em busca da felicidade II – Por Magali e Carlos

* Magali de Figueiredo Esmeraldo
* Carlos Eduardo Esmeraldo

Confesso que a primeira vez em que eu ouvi falar em Tomé-Açu, as bases da minha estrutura emocional balançaram. Estava há dois meses em Belém, trabalhando no setor de orçamento e licitação da Engenorte Ltda, uma construtora paraense, especializada em obras de saneamento. Foi numa manhã de um sete de setembro, quando eu assistia ao desfile militar do sesquicentenário da nossa independência, no 12° andar do prédio onde funcionava o escritório da empresa. Terminado o desfile, o dono da construtora veio ao meu encontro e comunicou que eu iria gerenciar a obra de pavimentação primária de uma estrada entre Tomé-Açu e Paragominas. E laconicamente me disse que eu viajaria no dia seguinte. Aconselhou-me viajar de barco, para melhor apreciar as belezas da mata amazônica. O mesmo barco que iria conduzir os tratores, caminhões e demais equipamentos necessários ao desenvolvimento dos trabalhos.

Na verdade, o barco não era bem um barco, mas um barulhento rebocador, com uma cabine coberta, como se fosse um coxo, onde havia dois estrados nas laterais. Saímos às oito horas da noite, de modo que não foi possível apreciar as belezas da selva amazônica. Assim também, como foi difícil conciliar o sono, com o barulho ensurdecedor do motor do rebocador.

Cheguei a Tomé-Açu pela manhã. Era uma cidade triste, às margens de um rio bastante largo, com construções simples, todas elas de madeira e repleta de rostos orientais. Fiquei sabendo que ali era a terra da pimenta do reino, plantada em grande quantidade pela colônia de japoneses e seus descendentes, radicados no Pará há mais de trinta anos.

No hotel, indicaram-me um certo Osamu, nissei de voz macia e muito simpático, ao qual contratei seus trabalhos de transporte numa Kombi, enquanto não chegava uma picape que serviria para meus deslocamentos.

Osamu conhecia tudo na região. Depressa me mostrou os locais do município, composto por duas vilas: Quatro Bocas da Jamic, onde ficava o aeroporto, a sede da cooperativa dos plantadores de pimenta, a igreja e o padre italiano, com o qual depressa fiz amizade. A outra vila seria Quatro Bocas do Breu, onde ao lado da estrada eu escolhi o local para montar o acampamento.

Enquanto Carlos trabalhava para economizar um pouco para alugar e comprar os móveis da nossa casa, eu terminava meu curso de História em Crato. Para amenizar as saudades, escrevíamos todos os dias um para o outro. Dávamos muito trabalho aos carteiros. Contávamos os minutos e os segundos para chegar esse tão esperado dia. Tínhamos certeza que nossa união ia ser para a vida toda. Seria muito bom que todos os casais pensassem assim, pois haveria menos separações.

Depois de três meses de trabalho em Tomé-Açu, solicitei cinco dias de licença para casar, aproveitando o feriado de oito de dezembro, o final de semana e os dias necessários à nossa viagem. Para minha surpresa, o meu chefe me liberou até o dia vinte de dezembro e me deu a passagem aérea até Fortaleza, como presente. Após nosso casamento, chegamos a Quatro Bocas do Breu no dia 18 de dezembro e no dia seguinte fomos a Belém, pois tinha que participar da licitação de uma obra.

Quando chegamos a Quatro Bocas do Breu, um pequeno povoado no meio da Floresta Amazônica, que pertencia à cidade de Tomé Açu, no Pará, eu fiquei emocionada ao pisar pela primeira vez na casinha branca, toda de madeira, que seria o nosso lar. Após seis dias de casados, três dos quais enfrentando a longa viagem de Crato a Tomé Açu, foi um alívio chegarmos para vivenciar a nova etapa de nossas vidas. Tudo era novo para mim, que chegava ali pela primeira vez. Carlos já estava há seis meses trabalhando e, foi ele que organizou nossa morada. Tudo muito simples, pois ele não sabia até quando ficaríamos ali. Está ainda bem nítido na minha memória como era a casa e o que tinha dentro dela. Uma cozinha com um fogão de quatro bocas e um pequeno armário de madeira rústica, construído lá mesmo. Um pote com água e uma quartinha, pois não havia energia elétrica. A energia chegava só a noite, de um motor da Construtora Engenorte e as luzes se apagavam as nove horas da noite. A sala tinha uma mesa feita também com madeira local envernizada de amarelo e quatro tamboretes. Havia um banheiro. No canto da sala tinha a escadinha que subia para o nosso quarto. Os móveis do quarto eram no mesmo estilo dos da sala. Simples e rústicos. Um guarda roupa e uma cama de casal. Carlos tinha um rádio de pilhas que não pegava durante o dia, somente à noite. Tínhamos também uma radiola portátil de pilhas e alguns discos e livros.

Embora tivéssemos recebido muitos presentes de casamento: pratarias, bandejas de inox, bomboniere, nada disso iria servir para essa vida que levaríamos. Por isso ficaram guardados no Crato, na casa de meus pais.

Havia um único armazém na vila, que era composta por uma pequena rua de casas, que cortava a estrada em cruz, daí a origem do nome Quatro Bocas. O interessante é que no dia seguinte à nossa chegada, fomos abastecer nossa casa nesse armazém. Nele compramos panelas, pratos, talheres, copos e produtos alimentícios. O armazém era muito sortido, quase um mini-mercado dos dias de hoje. Seu proprietário era um japonês muito simpático que também era dono da casinha de madeira onde morávamos.

Mesmo morando nesse pequeno povoado da Floresta Amazônica, vivendo com simplicidade e tendo que tomar toda semana remédios para evitar a malária, eu e Carlos aceitamos a nova vida e enfrentamos os desafios para fazermos a felicidade um do outro. Isto nos provou que podemos ser felizes na simplicidade. A verdadeira felicidade não vem das coisas materiais, do conforto, mas sim do amor, do respeito, da compreensão, da união, do diálogo e da confiança em Deus.

Carlos trabalhava todos os dias e folgava apenas no domingo à tarde. Mas vinha almoçar em casa. Nas tardes de domingo saímos passeando pelos igarapés (riachos), e muitas vezes ele me ensinava a dirigir. Aproveitávamos para ir à missa numa outra vila próximo a Tomé-Açu. Às vezes o padre italiano passava filmes antigos no salão paroquial. Para um lugar que não tinha televisão, mal pegávamos as rádios, era um ótimo programa.

Quando eu ainda estava em Crato, Carlos trabalhando em Tomé-Açu, ele me contou que viu uma onça grande atravessando a estrada em plena selva. Intensifiquei minhas orações pedindo a Deus que o livrasse de todos os perigos. Quando já estávamos casados, o horário dele chegar em casa era sempre seis horas da tarde. Um belo dia, ele teve que atravessar o Rio Capim para acompanhar os trabalhos da estrada próximos a Paragominas, e não pode chegar cedo, nem tinha com me avisar, pois não havia telefone. Passou do horário em que ele costumava chegar. E eu fiquei muito preocupada, pensando ter acontecido alguma coisa, pois já eram nove horas da noite. Chorava e fazia minhas orações pedindo a Deus que Carlos estivesse bem, pois naquele momento estávamos começando a construir nossa vida a dois, em busca da felicidade. Para a minha alegria, Deus ouviu minhas preces e logo ele chegou são e salvo.

Não havíamos completado um mês que nós dois morávamos nessa casinha, quando começaram as chuvas. Chovia tanto, e com tanta intensidade, como jamais eu havia visto na minha vida. Nossos trabalhos foram paralisados, pois até os tratores atolavam no lamaçal em que se transformou o solo paraense. Foi então que recebi pelo malote uma ordem para me apresentar com urgência à direção da empresa em Belém. Pensei que fosse um aviso de demissão. Mas quando lá cheguei, fui convidado para almoçar com o meu chefe em seu apartamento. No final do almoço fui informado que a obra de Tomé-Açu ficaria paralisada até julho e seriamos transferidos para outra estrada em Goiás. Outra viagem, novas aventuras.

Por Magali de Figueiredo Esmeraldo e Carlos Eduardo Esmeraldo

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