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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ave símbolo da preservação



Pássaro de rara beleza, o Soldadinho-do-Araripe indica onde há fontes naturais. Porém, está em risco de extinção

O Soldadinho-do-Araripe não recebeu esta denominação por acaso. A ave mais ameaçada de extinção do Ceará foi descoberta há 14 anos, completados no último dia 10. Deverá receber no próximo ano um ambiente protegido, por meio da criação de uma Unidade de Proteção Integral. A luta para a sobrevivência da espécie rara depende agora de conservar o seu habitat, que se traduz consequentemente em preservar as fontes naturais e o único trecho de mata atlântica da região do Cariri, nas áreas de encosta da Chapada do Araripe entre os Municípios de Crato, Barbalha e Missão Velha.

E o presente para a natureza e para esta ave parece estar mais próximo. A novidade foi que este mês a região recebeu a visita de técnicas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio). O objetivo foi verificar “in loco” as condições para que seja efetivado o desenvolvimento do projeto de criação de uma Unidade de Conservação que abranja a área onde se concentram as principais fontes de água. Nesses pontos o pássaro costuma se fixar e as fêmeas verde-oliva fazem seus ninhos. O macho da espécie se diferencia pelas cores preta, vermelha e branca.

Primeira aparição
O Soldadinho-do-Araripe foi visto pela primeira vez em 1996, pelos biólogos Weber Girão e Artur Galileu de Miranda Coelho, professor da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE). Dois anos depois foi descrito cientificamente com o nome de Antilophia bokermanni. Os trabalhos de pesquisa começaram a ser feitos por meio da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), de Caucaia, com projeto aprovado junto à Associação de Aves de Pernambuco e à Fundação Boticário.

Um novo levantamento das espécies foi concluído recentemente pela Aquasis, que fixou base na região, com a finalidade de dar maior profundidade às pesquisas sobre a ave e atuar no processo de preservação. O terceiro estudo, desde o lançamento do primeiro plano de conservação, em 2007, aponta o tamanho populacional do Soldadinho. A nova pesquisa foi realizada nas fontes de água onde o pássaro se concentra.

De acordo com o pesquisador e descobridor da espécie, que atualmente reside no Cariri, Weber Girão, houve uma ampliação no número de fontes pesquisadas na Área de Proteção Ambiental (APA). A elevação no número de fontes foi de 60% para 93%. Dessas áreas foram enumerados apenas 177 casais reprodutivos, sem incluir os filhotes. Isso, segundo ele, torna o resultado mais robusto. Dentro da sua análise, 500 exemplares da espécie, em condições reprodutivas, poderiam garantir a preservação da ave, sem o risco de extinção global. Mas essa garantia se tornaria mais efetiva com a inserção da Unidade de Preservação Integral. Consequentemente seriam preservados os mananciais aquíferos da região.

Segundo Weber, outro resultado alarmante é a estimativa de que um, em cada seis pássaros, se extinguiu devido ao encanamento irregular de nascentes, sem que os 50 metros de área de preservação permanente fossem respeitados, segundo o Código Florestal. om essa realidade, cerca de 36% dos exemplares do Soldadinho-do-Araripe já desapareceram, devido aos encanamentos irregulares, associados ao desmatamento. Mas ele afirma que a boa notícia é que esta situação poderá ser revertida com a simples adequação das nascentes à legislação ambiental.

De acordo com o biólogo, as estimativas de declínio da espécie são moderadas. Para se ter uma ideia mais acertada dessa realidade, será necessário calcular o valor da perda associada à diminuição da floresta úmida, habitat do Soldadinho. Na melhor das hipóteses, essa área já foi reduzida para 23% de seu tamanho original. A pesquisa também mapeou os setores onde o pássaro encontra-se hoje mais ameaçado.

O início das pesquisas foi a partir da dissertação de mestrado de Weber, integrante da Aquasis. Foi a partir daí que se pensou no plano de conservação da espécie. Essas aves vivem no ambiente de encosta da Chapada do Araripe.

A degradação desse pedaço de natureza da Chapada do Araripe, com os mananciais de água necessários à sobrevivência humana, também indicam o desaparecimento do Soldadinho. A ave se torna um símbolo da preservação da natureza regional. Desde que avistado pela primeira vez, com o seu canto e beleza diferenciados, o passarinho passou a ser alvo de um trabalho na luta pela sua preservação.

As atividades de avaliação, um dos passos decisivos na conservação da espécie, contaram com a contribuição das técnicas do Instituto Chico Mendes. Elas vieram de Brasília representar a Diretoria de Unidades de Conservação de Proteção Integral (Direp). Gabriela Leonhardt e Eliana Maria Corbucci puderam conhecer a espécie e seu habitat. Outro aspecto importante foi manter contato com os moradores das comunidades do entorno, que são, nesse momento, essenciais dentro do projeto de construção da nova unidade.

Gabriela destaca a importância de conservação da espécie e de todo o ecossistema associado, com os recursos hídricos e que só existem na região. Eliana afirma que está sendo realizado estudo para se verificar a forma mais adequada, onde se possa conciliar a preservação da ave com as demandas humanas.

Nova consciência
A ave é a única naturalmente endêmica do Ceará. A conservação da espécie, diz Weber, já seria um símbolo para a proteção da natureza no Estado. “A relação íntima com a água faz desta ave uma bandeira para uma nova consciência sobre a forma como nos relacionamos com a paisagem, da qual dependemos totalmente para sobreviver. Além destes motivos lógicos, a espécie é deslumbrante, o que facilita sua adoção como um ícone do Cariri pela sociedade”, explica o pesquisador.

No Brasil, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, 10% de todas as aves do mundo estão ameaçadas de extinção. Na pesquisa se inclui o Ceará, com o Soldadinho. O risco iminente de sua extinção é uma realidade. No Cariri, o fenômeno vem ocorrendo há muito tempo.

MAIS INFORMAÇÕES
Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), Praia de Iparana, S/N
Caucaia
Tel.: 85. 3318-4911

Elizângela Santos
Repórter

Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia (Caderno Regional, 27.12.2010)

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