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domingo, 13 de dezembro de 2009

Premonição? - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Naquela noite, inicio de dezembro de 1965, eu fui dormir pensando na viagem que faria ao Crato no dia seguinte. Um pouco de ansiedade me envolvia por completo. Primeiro pelas férias há tantos dias aguardadas. Depois pela viagem aérea que sempre me deixava um pouco tenso. Embalado por essa ânsia, adormeci e tive um sonho tão nítido quanto preocupante. Estávamos na nossa casa do São José e na sala de visitas havia um caixão de defunto. Um velório era acompanhado por muita gente do lugar. Cheio de curiosidade, olhei para ver quem era o morto. O velho Mamundo estava dentro do caixão completamente inerte. Uma tristeza invadiu minha alma, pois Mamundo era um personagem da minha infância. Ele era nosso vizinho de sítio, no São José e há muitos anos morava na nossa casa. Foi casado com uma prima de meus pais. Quando ele ficou viúvo, entrou num desespero de fazer pena, totalmente sem planos para enfrentar tamanha solidão. Meus pais convidaram Mamundo para passar alguns dias na nossa casa. E ele por lá ficou mais de trinta anos. Agora, num sonho estranho, ele jazia inerte naquele caixão. De repente uma das minhas irmãs disse: “Finalmente essa praga morreu!” Fiquei tão chocado com essa frase e mais ainda quando vi Mamundo levantar-se bruscamente do caixão e apontando o dedo para minha irmã disse: “Você está pensando que eu morri? Pois eu não morri, não! Quem vai morrer é seu pai!”

Acordei sobressaltado, olhei o relógio, três horas da madrugada. Não consegui mais dormir no restante daquela noite. Aquele sonho me deixou completamente preocupado, pois temia muito que meus pais morressem antes que eu concluísse meus estudos. A cada passagem do trem suburbano do outro lado da Ribeira, sentia-me no São José, com o tão familiar apito e o barulho dos rolantes dos trens. E um medo muito grande me encheu por completo. Aquele sonho mexeu comigo.

Durante o vôo não conseguia me livrar da preocupação que o sonho me trouxera. Bobagens, sonhos são apenas sonhos, talvez apenas projeções inconscientes dos nossos medos. Tentava desse modo me livrar daquele mau estar.
Quando o velho DC-3 pousou no Aeroporto de Fátima, de longe se avistava a pequena estação de passageiros. Tomei um susto porque não vi meu pai, que sempre costumava me esperar nessas viagens. Em seu lugar estavam dois irmãos. Mal desci do avião, perguntei a eles: “Por que papai não veio?” “Papai está doente. Apareceu um derrame abaixo das duas axilas.” Responderam. Novamente o sonho da noite anterior voltou a me incomodar.

Uma semana depois da minha chegada, um primo médico foi com meu pai ao Recife, onde na véspera do Natal daquele ano ele foi submetido a uma cirurgia para retirada dos gânglios sob suas axilas, tendo a biopsia constada que se tratava de melanoma, um dos tipos de câncer mais mortal. A previsão dos médicos era a de que ele teria no máximo três meses de sobrevida.

Meu pai viveu ainda seis meses. Durante esse tempo, ele tinha consciência do seu estado e enfrentou aqueles dias com muita serenidade e confiança, que somente a certeza dos que crêem na imortalidade da nossa alma podem ter. Nos seus últimos dias, nossa casa ficou repleta de familiares e de uma multidão de amigos, que a gente não imaginava que meu pai fosse tão querido.

Percebendo que suas forças estavam acabando, ele chamou os filhos para uma última conversa. Por ser o filho caçula, fui o último a ouvir suas palavras, quase num sussurro. Foi muita emoção! De imediato, eu não compreendi porque ele me agradeceu as alegrias que eu lhe havia proporcionado. Depois entendi que ele estava dizendo o que esperava de mim no futuro. E durante toda a minha vida, eu procurei norteá-la pelo exemplo de vida que meu pai deixou. Um homem honesto, correto, amigo de todos sem distinção e de uma postura moral irretocável. Agora, depois de quarenta e três anos daquela despedida, espero haver correspondido àquele agradecimento que, para mim foi um direcionamento para o futuro.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Um comentário:

Carlos Rafael Dias disse...

Carlos Eduardo,

Uma crônica tocante.

Abraços!