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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Em busca da felicidade – Por Magali e Carlos

*Magali de Figueiredo Esmeraldo
* Carlos Eduardo Esmeraldo

A data de 12 de dezembro de 1972 foi um dia de muitos afazeres para Magali. Para começo de conversa, neste dia ela estava aniversariando. Mas acredito que poucos se lembraram disso, pois ela tinha algo mais importante para fazer: nós dois celebraríamos nosso casamento às nove horas da manhã, pois à noite ela tinha outro evento marcante na vida de qualquer pessoa. Era a colação de grau do seu curso de História. Foi tanta emoção que eu senti quando ouvi Monsenhor Montenegro dizendo: “Carlos, eu te batizei e hoje estou te casando....” As lágrimas molharam minha face. Eram lágrimas de felicidade por estar vivendo aquele momento único na minha vida.

Alguns dos meus parentes gostavam de fazer uns tipos de brincadeiras desagradáveis com os jovens recém casados da nossa família. Para evitar que nós fossemos vitimas, espalhei para todos que iríamos passar os três primeiros dias no Hotel Municipal de Juazeiro, recém inaugurado. Mas um dos meus irmãos cedeu a casa dele, às margens da estrada Crato-Juazeiro. Então passamos três dias maravilhosos, com despesas zero, café, almoço, merenda e jantar enviados por minha mãe. Foi tão bom que até pensei em ficarmos assim para o resto da vida. Mas três dias depois, o trabalho me esperava.

Os laços do amor verdadeiro entre um casal são tão fortes que, como diz a Bíblia “o homem deixará pai e mãe e se unirá a sua mulher e os dois serão uma só carne”. Foi isso que aconteceu comigo e com Carlos, e logo após os três primeiros dias do nosso casamento, lotamos o bagageiro de um “fuscão branco” e partimos para enfrentar as estradas do Ceará, Piauí, Maranhão e Pará com destino a Tomé-Açu no Pará, onde Carlos estava trabalhando na construção da estrada Tomé Açu – Paragominas.

Eu com vinte e três anos e ele com vinte sete nos sentíamos pronto para o início da construção de nossa família. Apesar de sair do conforto e da proteção da casa de meus pais e também morar numa cidade como o Crato, ótimo lugar para se viver, onde nasci e estava acostumada. Estava, portanto disposta a juntos superarmos as dificuldades que teríamos pela frente. As estradas sem asfalto eram o que iríamos encontrar e todos os perigos que poderiam ocorrer numa viagem longa. A nossa residência seria numa pequena aldeia, de casas construídas com madeira e localizada na floresta amazônica. “Quatro Bocas do Breu” era o nome desse lugarejo próximo da cidade de Tomé-Açu.

Mesmo enfrentando a falta de conforto, eu estava confiante e decidida a fazer Carlos feliz e, tinha certeza que também ele iria me fazer feliz.

Antes do nosso casamento Carlos já deixou nossa casa alugada. Era uma construção de paredes, piso e telhado de madeira que foi caiada de branco por iniciativa dele, para que se tornasse mais acolhedora. Delicadeza e sensibilidade de quem ama e quer agradar a pessoa amada. A confiança era grande tanto minha quanto dele que estávamos dando os passos acertados para nossa felicidade.

Eu já vivia longe de casa há mais de oito anos e, portanto estava acostumado a uma vida de dificuldades, agravada pelo desconforto e a falta dos entes queridos. Para Magali seria a primeira vez que sairia de casa, agora definitivamente para sempre e, isso me fez vislumbrar uma enorme responsabilidade. Então procurava tratá-la com todo carinho, não ferir sua sensibilidade, atitude mantida até os dias de hoje, quase trinta e oito anos depois.

Partimos do Crato para Tomé-Açu no dia quinze de dezembro, pois Carlos deveria estar em Belém no dia vinte. A despedida foi dolorosa, pois saí chorando, deixei minha mãe também chorando e meu pai e irmãos com saudades. Logo enxuguei as lágrimas, confiante seguimos viagem com a certeza de que facilmente me adaptaria a minha nova vida.

A falta de conforto começava no transporte: um fuscão apertado, repleto de bagagens, sem som e sem ar condicionado, mas nada disso nos afetava, pois a alegria e a confiança nos acompanhavam.

Como não havia som no carro, suprimos essa falta com um toca-fitas portátil. “E haja Paulinho da Viola cantando: “minha viola vai pro fundo do baú”; Paul Mauriat com “L’amour est blue”. Ainda hoje, quando ouço a música “Mamy Blue”, sinto-me rasgando aquelas estradas ora poeirentas, ora lamacentas. Horríveis as estradas, inesquecíveis as músicas.

Saímos do Crato à uma hora da tarde, subimos a Serra do Araripe até o “Posto do Exu”, um posto de gasolina localizado antes de se descer a serra para Exu à esquerda e Araripe à direita. Na ladeira, próximo de Araripe uma pedra enorme bateu na barriga do carro e travou a caixa de marcha, de modo que tivemos de andar na terceira até Picos. Lá os mecânicos afirmaram que havia danificado a tampa seletora da caixa de marcha e só no Crato ou Teresina haveria conserto. A sorte é que de Picos até Teresina, a estrada já estava asfaltada, e eu havia trabalhado um ano antes no projeto dessa estrada, de modo que por conhecê-la bem, pudemos trafegar devagar e chegar à capital do Piauí, à uma hora da madrugada. Passamos a manhã do sábado em Teresina e às onze horas o carro já estava consertado. Almoçamos e continuamos a viagem. A estrada estava asfaltada até Peritoró, no Maranhão. De lá entramos numa rodovia sem pavimentação que nos levaria até Porto Franco na Belém – Brasília. Passamos por Presidente Dutra, uma cidade mais ou menos do porte do Crato. Como era ainda dia claro, resolvemos ir mais adiante, até Dom Pedro. Uma cidade velha, sem luz elétrica, cujo hotel era um casarão com banheiro e privada no fundo do quintal. O quarto em que nos colocaram tinha uma cama de casal da marca patente, colchão de estofo de algodão e era separado por uma meia parede dos demais cômodos da casa. Como vocês devem observar, aposento muito adequado para um casal em “lua de mel”...

No domingo viajamos o dia todo, e dormimos em Imperatriz, às margens da Belém-Brasília. No dia seguinte seguimos viagem até Paragominas. Lá almoçamos. Continuamos o restante da nossa viagem pela estrada de serviços da futura rodovia que estávamos construindo. Cem quilômetros nos separavam de “Quatro Bocas do Breu”, nosso ponto final, uma vilazinha de pouco mais de 10 casas de madeira e o acampamento da construtora.

Quando avistamos a pequena casinha de madeira com os raios solares do cair da tarde deixando-a mais branquinha do que era, senti a emoção de saber que este seria o nosso lar. Mas nós moramos nela pouco mais de um mês e Carlos foi transferido para Goiás. Outra viagem de Belém até Brasília em estrada de terra.

Anos mais tarde, quando já morávamos no Crato, ao ouvir pelas rádios o cantor Gilson cantando: “Eu queria ter na vida simplesmente. Um lugar de mato verde. Pra plantar e pra colher. Ter uma casinha branca de varanda. Um quintal e uma janela. Para ver o sol nascer.” Lembrávamos dessa casinha de nossos primeiros anos.


Por Magali de Figueiredo Esmeraldo e Carlos Eduardo Esmeraldo

2 comentários:

Carlos Rafael Dias disse...

Adorei essa crônica de vida(s), tão brilhante e originalmente escrita a quatro mãos.

Parabéns ao casal Carlos e Magali!

Anônimo disse...

Obrigada Carlos Rafael. Vindo de você, uma pessoa de muita cultura, essas palavras nos alegram e servem de incentivo para nós.

Um grande abraço.

Magali e Carlos