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quarta-feira, 18 de junho de 2008

"Diário do Nordeste": Perda - Luto na cultura cearense

O cenário cultural cearense fica mais pobre, com a partida de Violeta Arraes Gervaiseau. A intelectual que dirigiu a Secult e a URCA faleceu ontem, no Rio de Janeiro, aos 82 anosInternada desde 8 de maio, dia de seu 82º aniversário, Violeta Arraes se despediu ontem, às 7h55. Portadora de câncer de pulmão, faleceu, segundo familiares, vítima de pneumonia e de infecção, no Hospital Copa D´Or, no bairro da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, contando com o acompanhamento de amigos e parentes. Entre eles os filhos Maria Benigna, Henry e Jean-Paul, e o marido, o francês Pierre Maurice Gervaiseau, 83 anos.
Uma perda difícil de mensurar, não apenas pela extensão do legado de Violeta na direção da Secretaria de Cultura do Governo do Estado e da Universidade Regional do Cariri, cargos pelos quais costuma ser mais recorrentemente lembrada. Mas principalmente pelo sem-número de causas abraçadas, brigas compradas, projetos realizados e amigos cativados. Da juventude no Cariri aos tempos de militância em Pernambuco, chegando à Europa, onde sua casa, de hospitalidade bem à cearense, era refúgio para brasileiros exilados, como ela, na capital francesa em que Violeta conviveu com intelectuais como Celso Furtado e Jean Paul Sartre.
Secult e URCA

Convidada para assumir a Secretaria de Cultura do Governo do Estado em 1988, no primeiro governo de Tasso Jereissati, Violeta Arraes manteve um discurso de procurar ir além da produção de obras e eventos, desenvolvendo um conceito mais amplo de cultura - para além dos produtos culturais. Já em 1997 assumiu a Reitoria da Universidade Regional do Cariri (URCA), para a qual já contribuíra em bandeiras como a defesa do reconhecimento da Chapada do Araripe como área de proteção ambiental. Ali permaneceu até 2003, mantendo a ênfase em uma atuação que, transcendendo a academia, reforçasse a cultura cearense. A mesma que agora se vê entristecida com sua adeus.

PENSAMENTOS DE VIOLETA:


'Sou a última irmã de sete filhos. Tive todas as vantagens e desvantagens de ser a última´


'Meu irmão Miguel Arraes teve uma grande influência na minha formação´


'Meu grande choque cultural não foi a Europa, mas sim o Rio. Sair do interior para morar numa capital daquele tamanho me chocou muito´


'Uma das catástrofes do Brasil foi o esvaziamento do interior, por uma visão de desenvolvimento desvirtuada e pela falta da reforma agrária´


'Não tenho nada contra os Estados Unidos, um grande país, mas esta macaquiação, nas praias, nos bares, é de um mau inglês. Nossa língua é desvalorizada´


'Ninguém sabe o que é estar na sua casa, na sua terra, e ser colocada para fora. É um trauma muito violento´


'Sair teve seu lado positivo porque me fez ter consciência da formação que tive em casa e na universidade, sentindo-me, além de sertaneja, cidadã do mundo´
O CEARÁ DE VIOLETA ARRAES
A ex-secretária de cultura teve uma administração criticada, mas foi firme nos seus projetos, principalmente na reforma do TJAComeçava o primeiro governo Tasso. A cultura cearense, ainda, vivia sobre a mentalidade construída durante anos pelos militares. Tudo para os amigos do rei. Para os inimigos, nada. Depois de uma rápida passagem de Barros Pinho pela Secretaria da Cultura, Tasso convidou um peso-pesado nacional: Violeta Arraes Gervasieu. Sua posse na Secult foi festejada mais por artistas nacionais, que locais. Revistas e jornais de todo o País cobriram a sua posse.Violeta Arraes tomou posse na Secretaria de Cultura em julho de 1988.
Foi uma das posses mais concorridas já vistas no Ceará. Além de artistas como Gilberto Gil - que, na época, afirmou que Violeta era uma “companheira de reflexão” e do cineasta Luís Carlos Barreto - a posse de Violeta - foi prestigiada por três governadores: Waldir Pires, da Bahia; Miguel Arraes (seu irmão), de Pernambuco e José Aparecido, do Distrito Federal.Depois da festa, a luta.
Violeta desgostou muitos artistas locais. Desconstruiu eventos - um deles o Festival de Cinema de Fortaleza, tendo à frente Euzélio Oliveira e Francis Vale. Pensou em transformar o Ceará, juntamente com Marcondes Rosa, num pólo de cinema. Juntou-se a cineastas de porte nacional tendo à frente Luís Carlos Barreto. Recebeu severas críticas dos artistas locais, descontentes com os rumos da cultura. Críticas amenizadas pelo seu fiel escudeiro, o jornalista Blanchard Girão, sub-secretário de Cultura. Ela sempre dizia que tinha um cheque em branco do governador e colocaria em prática suas idéias sobre cultura.Agiu de forma livre. Foi a primeira a pensar sobre a revitalização do centro da cidade. Fez uma grande reforma do TJA. Trouxe grande nomes do teatro e do cinema. Pela primeira vez, o elenco do Theatre du Soleil pisou no Ceará, especialmente em Fortaleza. Em meio a muitos planos, algumas questões políticas quase a tiraram da Secult.
O então apoio de Tasso ao governo Collor de Melo desgostou Violeta. Ela pensou em abandonar o barco. Mas com o desenlace político da questão - Tasso voltou atrás - o nó político foi desfeito e ela continuou a dar soberanamente as cartas da cultura no Ceará.CríticasNão ligava para as demandas dos artistas locais, nem para as críticas da imprensa - justas ou não. Pulso forte, Violeta nunca deu bolas para críticas. Sempre argumentava: “Tenho um cheque em branco do governador”. Não apenas o “cheque em branco” a fazia agir sem amarras na Secult, mas o seu passado.Irmã de Miguel Arraes, carregava um passado também de luta contra os militares. Militou na Juventude Católica em Pernambuco. Era conhecida como Viola - e foi expulsa do Brasil no rastro do irmão governador.
Foi amiga de intelectuais e artistas. A lista é grande. Só para citar alguns: Jean Paul Sartre, Almino Afonso, Celso Furtado, Samuel Wainer, Juscelino Kubitscheck. Hospedava os exilados em sua casa, na França.Quando secretária de Cultura do Estado, Violeta, cearense de Araripe, criada no Crato, morava no Hotel Esplanada. O seu apartamento no hotel marcava uma mulher sempre presa às raízes cearenses. Era cercada de objetos da cultura popular cearense. Além, é claro, de livros, muitos livros. Política, romances e folclore. As obras de Drummond e a Bíblia eram seus livros de cabeceira.
Numa longa entrevista ao Diário, em setembro de 1990, Violeta sempre tinha um pensamento recorrente: o Nordeste e a sua rica cultura. Quando perguntada sobre o seu maior desafio à frente da pasta respondeu:— O que enfrentei foi um tipo de mentalidade ou de concepção em relação a cultura que do meu ponto de vista é redutor, com ranços acadêmicos. Para mim, a cultura é o chão que pisamos. Por isso, lançamos a proposta de revitalização do centro da cidade, o que pareceu para muita gente, uma aberração.Sempre com um olhar no futuro, ela nunca esquecia do passado. Mesmo quando patrocinou em Fortaleza o extinto FestRio, um festival de cinema que reuniu estrelas nacionais e internacionais em Fortaleza.
Por isso, enfrentou um turbilhão de críticas. Mas parecia nunca se incomodar. “ Eu fui, sou e sempre serei criticada. A posição que tomei foi, sobretudo, fortificar às instituições culturais - para mim a melhor maneira de servir a cultura. Mesmo quando o Theatro José de Alencar foi interditado para reformas houve muitas críticas. Afirmavam que eu ia fechar o teatro por razões políticas e não pelo risco real do desabamento do teto do foyer”.Respondia, ainda, as críticas de forma bem humorada - “o fato é que encontramos uma secretaria em estado lastimável. Sempre pensei que viesse fazer animação cultural, mas na verdade acabei por me transformar num vigia de obras“. Dizia isso porque enfrentou a ´reconstrução´ do TJA, da Biblioteca Pública e da Assembléia Provincial e parte do Palácio da Abolição.Pólo de cinema.
O principal projeto de Violeta não vingou: a transformação do Ceará num pólo de cinema. Foram intermináveis reuniões com os maiores cineastas do pais sobre o assunto - Luís Carlos Barreto, Hermano Penna, Walter Lima Junior, Nelson Pereira dos Santos, entre muitos outros.O pólo foi um fracasso. Um sonho quixotesco. Nunca tivemos, aqui, como pensava Violeta Arraes, nossa Los Angeles. Sua administração não foi de pequenos eventos, mas de grandes eventos. Para muitos, uma estratégia de marketing do governo. Eventos como o FestRio, afinal, geraram uma grande exposição do governo cearense na mídia nacional.Violeta não veio para agradar. Nem a gregos, nem a troianos. Enfrentou crises. Choques culturais e políticos na sua trajetória. Não só como Secretária do Estado do Ceará. Mas na sua trajetória de vida.
Foi marcada por dois pólos - o cristão e o marxista. “Do ponto de vista cristão fui influenciada pela ação católica”.E o marxismo? “Eu diria que é preciso refletir, estudar muito. As transformações são imensas. O que há é uma crise total das ideologias. O pensamento de Marx, transformado em estrutura de Estado, está claro, que foi um desastre. Agora, o pensamento de Marx em si é uma aquisição que não se põe um traço em cima”.
Tinha orgulho do Ceará. Disse, aliás, que se emocionou com uma frase do governador Tasso Jereissati durante sua posse na Secult. “Ele afirmou na ocasião que, quando esteve na França, nunca viu uma casa tão cearense , nem mesmo no Ceará. Era a rede, os objetos de arte popular, os livros sobre o Ceará”. O Ceará tão caro a Violeta Arraes...
José Anderson Sandes
Editor

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