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quinta-feira, 3 de julho de 2008

POLÍTICOS E POLÍTICA NA CIDADE DO PRADO

Esta história é uma ficção. Qualquer semelhança com personagens atuais é uma farsa e não uma coincidência.

Na cidade do Prado, vizinha de Cajazeira do Norte e de uma outra com o nome estranho de Marvalha, a eleição do ano 1808 foi bem típica daqueles anos estranhos. Juntando uma situação histórica de transição, tangida pela revolução francesa, pelo bonapartismo guerreiro e conquistador e por uma aristocracia perdulária e atrasada, a política daquele ano ficou desconjuntada.

Pelo lado da disputa política do comando da cidade do Prado as opções eram como a sua linda serra sempre verde: antiga e imutável. Os conservadores dominavam o cenário. Ou eram vetustos homens de algibeira como se dizia na época, com idéias para a cidade absolutamente fora de propósito. A cidade do Prado crescera, até seminário tinha, havia um movimento para criar um ambiente de ensino superior, mas seus professores brigavam uma briga inútil e intestina para saber-se se as idéias de Galileu Galilei, naquela altura de seus 200 anos, deveriam ser postas em ensino. O precolendo candidato ao poder, mais pela idade que pelos seus atos, era tipicamente um americano. Um mestiço de idéias: juntava no mesmo cérebro tanto a gleba feudal, quanto o absolutismo mercantil e algumas coisas, quase que pequenas pepitas naquele imenso cascalho de idéias, da era moderna, capitalista e industrial.

Outro político em disputa, naquele ano de 1808 estava no poder e lutava pela sua permanência, era como um camaleão na natureza daquela transição. O seu pensamento central era a arte de camuflar-se no dia-a-dia, se hoje os pobres ocupavam a praça da matriz da cidade, era um homem preocupado com o ganho da pobreza, no outro quando os menestréis vinham com suas violas famélicas, era cultura e preocupação com os artistas. Na verdade era bem mais jovem que o outro e não precisava expor suas idéias básicas. Não precisava porque igual ao outro era da mesma natureza, que este era filho de antigo chefe local e, em nome desta tradição, governava.

Um mascate, aliado do chefe da Província, entre seus teréns vendidos na feira a preços populares, não era somente um híbrido continental, ou seja, territorial, era um híbrido daqueles tempos. Juntava uma raiva ancestral por não pertencer às famílias da aristocracia regional, com sua modernidade fabril e mercantil e, igual um homem de circo das pernas de pau, se equilibrava em grande risco nas alturas do mais puro conservadorismo provincial. Foi solicitado a sair de seu assento em plena reunião para dar lugar ao vetusto político anteriormente relatado.

As idéias populares, aquelas que seriam representativas do evoluir do século XIX, estavam naquela fase em que as vespas voam desesperadas, enxotadas de sua colméia natural e evoluem desordenadamente em busca de uma nova morada. Juntava um pouco de preocupação com a podridão que tomava conta dos riachos que abasteciam de água as casas das famílias, com o desmatamento da mata que alimentava as nascentes das águas com a avidez por negócios dos novos comerciantes, mais a revolta dos camponeses que morriam de fome entre uma safra e outra do corte de cana.

As idéias organizadas, em simulacros de partidos políticos, na tentativa de formar conjuntos ideológicos, eram muita mais um tamborete de salão nos quais um burocrata se assentava para operacionalizar acordos políticos na periferia do poder central. Enfim num ambiente desse tudo pode e nada pode. Ninguém segue caminho qualquer, tudo muda apenas para permanecer o mesmo.

O maior exemplo era o dos tablóides. Em Prado havia o moderno recurso da prensa de Gutenberg, jornais circulavam e matérias eram postadas tentando capturar a realidade. A situação em Prado era tão precária em termos de "iluminismo" das idéias que aqueles que escreviam e publicavam se achavam os paladinos da liberdade de pensar. Mas era ledo engano. Bastava um vôo rasante para caírem no duro piso do cristalino conservador.

A disputa pelo poder era acompanhada por "juízes de fora", fiscais locais e por oficiais de justiça. Como o grande absolutismo ditatorial era a tônica reinol, nos espíritos secundários destes pequenos funcionários inventou-se a ditadura formiguinha. Passaram a ameaçar a tudo e a todos com regras de disputa de propósitos ameaçadores. Mas ameaça com propósito, pois a ameaça no máximo pode ser uma espécie de transitivo indireto, pois sempre tem a quem ameaça e com que finalidade. A tática é sempre ter clareza de quem ameaçar, mas criando uma cortina de fumaça para esconder a real finalidade. A cortina de fumaça é o mesmo de toda ditadura: a legalidade. Mas que legalidade? A legalidade do conservadorismo e a ilegitimidade com a complexa realidade.

O clima criado pelos "ditadores-formiguinha", os ditadores de província em conjunção com os parceiros locais, foi de tal ordem que um destacado jornalista começou a perder o sono. Imaginando o efeito de tal e qual matéria poderia provocar no espírito daquelas formiguinhas vorazes. Antes que os tipógrafos estivessem na prensa, o referido jornalista, editor do Tablóide do Prado, desmanchava os tipos que poderiam imprimir a sua sentença de prisão ou a multa pecuniária.

Um comentário:

Armando Rafael disse...

A FICÇÃO E A REALIDADE ou
COMO ERAM AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS EM CRATO.AS ELEIÇÕES DE 1903

Interessante a ficção que o talentoso José do Vale Pinheiro Feitosa produziu sobre uma “eleição” em Crato em 1808.
Vejamos, porém, como era a realidade da sucessão de um Intendente (como se chamava o prefeito no início do século XX). Quase cem anos depois – em 1903 – leia como o historiador Irineu Pinheiro (coincidentemente parente do José do Vale) resgata uma “eleição” na Cidade de Frei Carlos (ver o livro “Efemérides do Cariri” páginas 173/174).
Ressalte-se que, àquele tempo, o Brasil já vivia sob a República Velha, responsável pelo surgimento do fenômeno do coronelismo do Nordeste. É que, à falta da autoridade moral do Imperador Dom Pedro II, cada vila nordestina viu surgir a figura de um coronel, geralmente pessoa de personalidade forte, que criava uma guarda pessoal para sobreviver à bagunça político-jurídica implantada após o golpe militar de 15 de novembro de 1889. Mas o “coronelismo” merece outra reflexão. Por enquanto, vamos nos ater aos fatos históricos relatados por Irineu Pinheiro, no livro citado:

“1903,11 de outubro - Reunião no sobrado do coronel Antônio Luís Alves Pequeno de numerosos cratenses que o aclamaram chefe do movimento contra o coronel José Belém de Figueiredo (então prefeito de Crato), 3º vice-presidente do Estado, de grande prestígio naquele tempo. Adotaram os presentes o lema “Um por todos e todos por um”. Assim começou uma das mais famosas lutas políticas no Sul do Ceará, terminada meses após com a queda do coronel Belém.

1903, 7 de novembro – A guarda local do Crato (que servia ao prefeito coronel Belém) atacou, na noite daquele dia, um grupo de moços das mais distintas famílias da cidade, os quais se divertiam em serenata. Do ataque resultaram a morte de Horácio Jácome Pequeno e ferimentos em Augusto da Silva Bacurau, capitão Jesuíno de Maria e alferes João Alves, os dois últimos pertencentes à força agressora (do prefeito coronel Belém). Esse sangrento episódio ocasionou imensa indignação contra o governo do coronel José Belém de Figueiredo.
1904, 29 de junho – Após intenso tiroteio, que durou três dias, foi deposto e preso o coronel José Belém de Figueiredo, chefe político do Crato, pelo povo sob a chefia do coronel Antônio Luís Alves Pequeno (que assumiu a Prefeitura de Crato).