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sábado, 24 de outubro de 2009

Falta um nome de rua no Juazeiro

Por José Jézer de Oliveira (*)

A dois anos do seu centenário de autonomia política, Juazeiro do Norte já mobiliza todos os segmentos da sociedade para a celebração da grande festa comemorativa, que, em magnitude, promete sem precedente em sua história. A comissão organizadora dos festejos tem à frente o escritor Geraldo Menezes Barbosa, figura que mais entende de Juazeiro, que mais conhece a sua gente e a sua história, além de pessoa da maior expressão intelectual e social do interior cearense. Isto por si só garante o sucesso do evento.

O momento dos preparativos sugere a oportunidade de reconhecer-se um fato, há quase um século mantido nos trevosos porões da história do Juazeiro, que fala dos primeiros passos empreendidos no sentido da emancipação política da terra do padre Cícero. É, por isso mesmo, o momento próprio para se corrigir uma injustiça, igualmente centenária, da qual é vítima um ilustre e hoje desconhecido filho da terra, o major Joaquim Bezerra de Menezes. A ele, efetivamente, deve-se a iniciativa do movimento que resultou na autonomia política do Juazeiro, então distrito do Crato. Figura das mais respeitáveis da sociedade juazeirense, o major Bezerra era tido na época como o fazendeiro mais rico da região e aquele que primeiro introduziu no Cariri a máquina de beneficiar algodão. Em meados de 1907 protagonizou ele o episódio mais expressivo da história do Juazeiro. À frente de um punhado de ilustres filhos da terra, desfraldou a bandeira da campanha emancipacionista, por conta do que atraiu sobre si a ira do todo poderoso chefe político do Crato, coronel Antonio Luís Alves Pequeno, visceralmente contrário à idéia de desvincular o Juazeiro do Crato, tamanho seria o prejuízo que isso acarretaria aos cofres da municipalidade decorrente da cessação de remessa dos recursos provenientes de impostos.

A história da autonomia política do Juazeiro teve começo no dia 16 de junho daquele ano, quando um volante espalhado pelo povoado convocava a população para “uma reunião cívica, sem cor política, em casa do prestimoso cavalheiro major Joaquim Bezerra de Menezes, devendo tratar-se do engrandecimento desta florescente cidade”. Em outro trecho, dizia o boletim: “É chegado o momento de pugnarmos com alta energia e valor pela nossa elevação social, elevando Joazeiro à categoria de município, aumentando assim a importância de toda a zona do Cariri que bem merece os vossos serviços para chegar ao grao de prosperidade de que é digno”. A idéia, até então nunca aventada, foi bem acolhida pela população. Aparentemente, porém, não sensibilizou aquele que era a pessoa mais importante e de maior prestígio do distrito: o padre Cícero, que não demonstrou qualquer interesse pela iniciativa dos filhos do Juazeiro. Inclusive, não há notícia de que tenha prestigiado com sua presença qualquer das reuniões promovidas em casa do major Bezerra, de quem era amigo e compadre. Optou por manter-se numa posição de neutralidade, tida, para alguns, como uma maneira sutil, ou velada, de boicote ao movimento emancipacionista.
Sabe-se, no entanto, que assistiam ao padre Cícero razões de ordem pessoal para assim proceder. Laços de afetividade prendiam-no ao chefe político do Crato, coronel Antonio Luis Alves Pequeno, que se opunha à autonomia política do Juazeiro. O pai deste, de igual nome, foi padrinho de crisma do menino Cícero Romão Batista, futuro Patriarca do Juazeiro, e, graças ao seu empenho junto à Direção do Seminário de Fortaleza, foi concedida ao afilhado a gratuidade do ensino naquele educandário religioso. Além do mais, o coronel Antonio Luís foi dos primeiros a apelar às autoridades eclesiásticas do Ceará em favor do padre Cícero. Em carta datada de 19 de fevereiro de 1906, anterior, portanto, à campanha de elevação do povoado a município, Antonio Luís solicitou ao bispo de Fortaleza a reintegração do padre no ministério sacerdotal, do qual fora afastado em 1892. Também pesou em favor da atitude do sacerdote o fato de o coronel Antonio Luis ser desafeto político de Joaquim Bezerra, líder do movimento.

Surpreendentemente, porém, em meados de 1911, decorridos, portanto, quase quatro anos do início da campanha, que se arrastava a passo de cágado devido à forte resistência da parte das autoridades governamentais do Estado, o Patriarca, já sob a indiscutível tutela política do médico Floro Bartolomeu da Costa, decide apoiar a luta em favor do Juazeiro, fato esse que marcou definitivamente o seu ingresso na política, para a qual até então não demonstrara qualquer pendor. O padre não só aderiu à campanha como passou a comandá-la, já agora contando com o beneplácito do coronel Antonio Luís Alves Pequeno. A partir daí, o movimento deslanchou, adquirindo novo e decisivo impulso.

Jogado para escanteio, bem como a maioria dos seus companheiros, cuidou o major Bezerra de ganhar tempo, dirigindo-se a Fortaleza, na tentativa de obter sua nomeação para prefeito do Juazeiro, esperando contar, para tanto, com o prestígio do seu cunhado Raimundo Gomes de Matos, famoso advogado em Fortaleza, casado com uma sobrinha do comendador Antonio Nogueira Accioly, presidente do Estado. Todavia, uma carta do padre Cícero a Accioly mudaria para sempre o rumo da história. Na carta, o padre dizia que o major “acha-se completamente incompatibilizado com o povo, contra o qual sempre assumia atitude definidamente hostil”. E acrescentava: “Faço semelhante ponderação muito refletidamente porque sou amigo dele e não quero vê-lo passar pelo desgosto de conhecer uma verdade que talvez ele ainda não pudesse, ou não quisesse perceber”.

Na verdade, a incompatibilidade a que alude o padre Cícero não se restringia exclusivamente ao major Joaquim Bezerra. Ela se estendia a outros filhos ilustres da terra, os ricos fazendeiros produtores de algodão, que, é verdade, se sentiam incomodados com a presença da romeirada que tomou conta do até então pacato povoado, a contar do instante em que se espalhou a notícia acerca dos supostos milagres ali ocorridos, entre 1889 e 1891, envolvendo o padre Cícero e a beata Maria de Araújo. O fenômeno migratório provocou verdadeiro reboliço no Juazeiro. Era gente chegando toda hora, procedente de várias partes do território nordestino, a maioria movida sem dúvida por puro sentimento de religiosidade. Ocorre que à leva de peregrinos, pessoas simples e trabalhadoras, juntavam-se vadios, ladrões, bandidos, assassinos em busca de homizio seguro e outros tantos representantes da escória humana. Muitos, atraídos também pela exuberância da paisagem caririense, decidiam ali fixar moradia. Em pouco tempo, o número de adventícios superava, em muito, a população formada por filhos da terra. Aqueles recebiam do Patriarca a prestimosa e paternal atenção, como sendo o povo a que o padre se referia em sua carta ao presidente do Ceará e que não contava, efetivamente, com a simpatia dos ricos fazendeiros. Entre os forasteiros, uma personagem misteriosa se destacava: o médico baiano Floro Bartolomeu da Costa, um aventureiro inescrupuloso, astucioso e ambicioso, que chegou a Juazeiro em 1908. Fez-se amigo e, em seguida, médico particular do padre Cícero, que o acolheu sob o seu próprio teto, de onde passou a explorar em provento próprio a boa fé e a ingenuidade do sacerdote, a fim de satisfazer a sua incontida e megalômana ânsia de poder. Em pouco tempo, encarapitado na política do Juazeiro, astuciosamente passou a exercer absoluto domínio sobre o Patriarca, à sombra de quem se tornou o caudilho de maior força e poder no Norte e Nordeste do País. A primeira coisa que procurou fazer foi afastar o sacerdote dos seus velhos e leais amigos, entre eles o major Joaquim Bezerra.

A carta que o padre Cícero endereçou ao comendador Accioly, de certo sob inspiração do Dr. Floro, que se fez mentor político do Patriarca, era datada de junho de 1911, portanto dias antes da promulgação da lei concedendo autonomia política ao Juazeiro. Teve ela o condão de sepultar de vez o acalentado sonho do major de vir a ser o primeiro prefeito da cidade, por cuja emancipação tanto se empenhara, e o de garantir ao missivista o posto cobiçado pelo fazendeiro. Este, ao retornar do seu périplo pela Capital, rompeu com o Padre, que se dizia seu amigo, procurou desfazer-se de suas propriedades, urbanas e rurais, mudou-se para o Crato, a apenas três léguas de distância, e nunca mais voltou à terra natal. Levou consigo a mulher Raimunda Gomes de Matos Bezerra de Menezes (Mundoca) e os oito filhos do casal: Idelzuite, Hercílio, Claudiana (Santa), Lauro, Maria (Mocinha), Vicente (Senhorzinho), Rosa e José (Zezinho).

A partir desse episódio, a despeito de todo o empenho de Joaquim Bezerra pela concretização do justo ideal de autonomia política do Juazeiro, o seu nome passou como que por um calculado processo de anatematização, por conta do sectarismo, ou facciosismo, presente no espírito de muitos que se deram ao trabalho de escrevinhar, sem a devida isenção, a história política da progressista cidade. A maior ofensa, todavia, consiste no esforço oficial de, negligenciando a verdade histórica, procurar omitir, ou reduzir a nada, a importância do papel do major como precursor do movimento que elevou o povoado à categoria de vila, ou mesmo o de atribuir-se a outrem o papel pioneiro por ele desempenhado. Não se pode negar ao Patriarca o mérito de obter, pela força do seu prestígio, a concretização do sonho de autonomia do Juazeiro. Tal, porém, não desmerece o trabalho desenvolvido pelo major e seus companheiros, cujos nomes jazem na vala comum do esquecimento.

(*) Jornalista e ex-presidente da Casa do Ceará

Obs.: artigo publicado no jornal “Ceará em Brasília”, órgão oficial da Casa do Ceará em Brasília, em sua edição de outubro de 2009.

Enviado por Renato Casimiro

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