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terça-feira, 16 de junho de 2009

Passeio sentimental pelas ruas do Crato (III)

Da Rua da saudade a saudade daquela rua
Do Largo da Rffsa, depois de constatar a impecável infra-estrutura montada para o São João Festeiro, evento promovido pela administração pública, decidi ir até a feira, já há algum tempo localizada na beira do canal, a partir do Mercado Walter Peixoto. Para chegar lá fui, inicialmente, pela Rua Almirante Alexandrino, com seus armazéns de secos e molhados e o mercado velho. Lembrei do tradicional caldo de carne com tapioca que lá degustávamos, nas madrugadinhas de domingo, depois dos bailes da vida. Dobrei na Rua Nelson Alencar, no trecho onde antes pulsava a Rua da Saudade, um nome poético para uma rua que abrigava os sonhos, as lágrimas e os sorrisos das mulheres de vida fácil (que não era fácil coisa nenhuma). Quando criança, morador da Rua Cel. Raimundo Lobo, distante dois quarteirões dali, sempre pisava a calçada daquela rua, quando ia comprar pão na Panificadora Progresso, bem próximo dos restaurantes O Guanabara, de propriedade do lendário boêmio Neném, e Gaibu Centro, pertencente a Zé Taveira, primeiro empresário da noite cratense. Ontem, quando pisei naquela artéria, que nunca deixou de sangrar, senti saudade de algo que não experimentei, mas, que, no entanto, sempre sentia.

Antes de adentrar a afamada Feira do Crato, passei antes em frente aonde funcionava as boates Pilão e Aquários, respectivamente cada uma no seu devido tempo. Lembro um pouco da Boate Pilão, ambientada em decoração rústica, feita à base de palha. Mas, lembro bem do Aquários, onde, nas noites de domingo, juntamente com meu irmão Helano e os amigos Coquil e Bolinha, ia extravasar a libido característica da puberdade. Tomávamos um trago de bebida e íamos, cheios de artificial coragem, tentar arrumar namorada. No mínimo, éramos contemplados com uma dança ao som romântico de Roberto Carlos, quando aproveitávamos para um esfregão mais demorado, que, na época, chamava-se “pinada”.

A Feira do Crato
A Feira do Crato continua pujante, colorida, movimentada; mas, muito diferente daquela do meu tempo de criança. Na década de 1970, a feira do Crato ocupava as principais e centrais ruas da cidade. E em cada rua, uma especialidade da economia local. A Rua João Pessoa se dividia entre cereais, leguminosas (arroz, feijão e milho) e farinha. A Rua Senador Pompeu, na altura do já demolido prédio onde funcionou o Clube Cariri, era o espaço de comercialização de rapadura. A Rua Bárbara de Alencar, entre os Correios e o Mercado Redondo (hoje o Palácio Alexandre Arraes, sede da Prefeitura), era o “departamento” de produtos artesanais: instrumentos (enxada, foice, facas, facões), utilitários (pote, esteira, vassoura, candeeiro, cachimbo), lúdicos (bonequinhos de barro e de madeira) decorativos (flores de papel crepom) e sacros (estátuas e imagens de santo). Por trás do Mercado Redondo, a feira de frutas e pescados.

Hoje, prevalece a comercialização de produtos industrializados em série, mas os produtos artesanais ainda resistem. O que não se vê, praticamente, são os artistas populares que, outrora, animavam a feira com música, poesia e dança. Nesta última segunda-feira, por conta da programação do São João Festeiro, um grupo de forró pé-de-serra animava os feirantes. E a animação que se celebrava por conta, chamava a atenção dos transeuntes.


A música do centro da cidade
Prossegui o meu passeio, saindo da feira fui em busca do centro da cidade. Passei na loja de Amilton, que vende CDs e DVDs, além de receber pagamento de títulos e contas. Mas, além de vender discos, Amilton é uma pessoa cuja decência nos torna cativa do seu convívio.

Lembrei, então, das lojas de discos que existiam nas imediações, há mais de trinta anos, como as Lojas Primo, O Rouxinol, Nazareno e Discosom.

Naquela época reinavam soberanos, os discos de vinil (compacto e Long Playing) e a fita cassete. Eram produtos caros e considerados supérfluos. Portanto, ouvia-se música, principalmente, no rádio.

O Crato tinha duas emissoras de rádio (que ainda existem): Rádio Educadora do Cariri e Rádio Araripe do Crato. Nas tardes de domingo, um programa era líder de audiência: o Paradinha 1020, transmitido pela Rádio Educadora e apresentado por Evandro Bezerra, desfilando as vinte músicas mais tocadas na semana. Lembro de alguns dos hits daquele tempo: Bilú Tetéia, Farofa-fá-fá, Emanuela (versão de uma canção italiana), Homem com H e a minha preferida, Nuvem Passageira, de Hermes Aquino, cuja letra era mais ou menos assim:

Eu sou nuvem passageira que com o vento se vai
Eu sou como um cristal bonito que se quebra quando cai
Não adianta escrever seu nome numa pedra
Pois essa pedra em pó vai se transformar
Sou um castelo de cartas frágil como o tempo
Sou um castelo de areia na beira do mar


Difusoras de som e de sonhos
Quando sai da loja de Amilton, escutei por todo o centro da cidade o som da Rádio Centro, pertencente a Alemberg Quindins, o que me evocou as antigas difusoras existentes na pré-era do rádio local, como a Amplificadora Cratense, da qual o jornalista Huberto Cabral sabe detalhes mínimos. De uma delas, sei de uma história, que ouvi narrada da boca do próprio protagonista.

Luís Sarmento, natural de Cajazeiras, Paraíba, radicou-se muito jovem no Crato, casado que foi com dona Leda, uma das honrada filhas do senhor Zé Camilo, pessoa histórica pelo fato de ter conhecido o Beato José Lourenço, ao o qual serviu como motorista, transportando mercadorias e pessoas. O depoimento de Seu José Camilo faz parte do documentário Caldeirão da Santa cruz do Deserto, de Rosemberg Cariry, filmado em 1984.

Luís Sarmento, dono de uma amplificadora, que estava a dar-lhe prejuízo, a despeito do custo de manutenção ser mínimo, colocou-a à venda e por preço por demais proibitivo a qualquer um dos mais ricos cratenses. Queria, a todo custo, um caminhão em troca da primitiva emissora.

Só restava-lhe uma possibilidade, vender a o trambolho à Diocese do Crato, que, sabia-se bem, era a única que tinha condição de pagar tão alto valor. No entanto, era preciso provocar um alto e relevante interesse para que o senhor bispo, conhecido “mão-de-vaca”, viesse a adquirir a velha amplificadora, cujo maior valor era a sua penetração incondicional nos ouvidos e mentes dos cratenses. Não havia como fugir daquela “irradiação” se não fosse correr para o sopé da serra ou para outra paragem mais distante.

Luís Sarmento, sabendo deste importante e valioso detalhe, foi falar com o bispo. Disse-lhe que, como bom católico que era, vinha resistido a renitentes propostas dos protestantes para vender sua amplificadora, mas que a última proposta tinha sido irrecusável. Portanto, só faria negócio com os protestantes se o bispo lhe desse aval.

Fez negócio com a Diocese. Trocou dez alto-falantes, um amplificador e um microfone por um caminhão e quatro pneus.

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